texto por Renan Guerra
“Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental” (“Bad Luck Banging or Loony Porn”, 2021), do romeno Radu Jude, tem uma premissa aparentemente simples: uma professora tem sua carreira ameaçada após uma sex tape vazar na internet, e por esse motivo ela precisa enfrentar os pais dos alunos da escola em que trabalha. Essa narrativa ganha um contorno bem inesperado em uma comédia maluca que leva o espectador a debater questões fundamentais da sociedade atual, como o moralismo, o conservadorismo, as fake news e as tensões políticas.
Com uma boa carreira em festivais ao redor do mundo, o longa de Radu foi premiado com o Urso de Ouro no Festival de Berlim 2021 e foi apontado pelo The New York Times como um dos melhores filmes do ano passado. Por aqui, o filme chega agora aos cinemas em distribuição da Imovision e pode pegar muitos espectadores desprevenidos. “Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental”, como já anteve o nome, tem cenas bastante gráficas de sexo e não tem pudores com a nudez masculina ou feminina, porém o que pode causar estranhamento é a sua forma de contar a história.
O filme tem uma sequência de abertura – basicamente a tal sex tape vazada –, e depois a trama avança por três atos: num primeiro acompanhamos a professora Emi (Katia Pascariu) resolvendo questões cotidianas pela cidade; no segundo temos uma espécie de alfabeto apresentado de forma gráfica na tela, com pequenos dizeres, mensagens elucidativas e piadas de humor ácido; e no terceiro ato temos a grande reunião de pais contra Emi. É uma formatação estranha, mas que curiosamente envolve o espectador no universo de Emi, na sua cidade e no seu dia a dia.
Com uma câmera solta e quase dispersa, Radu Jude filma a cidade de Bucareste de forma diversa: o trânsito caótico, a cidade em obras, as pequenas alucinações do cotidiano e as pessoas com suas máscaras em meio à pandemia do Coronavírus. A pandemia, aliás, é um tópico importante dentro do filme, pois toda a ação se passa em meio as particularidades do distanciamento social, então Emi anda para lá e para cá ora com sua máscara no rosto ora com a máscara no queixo. E as máscaras são também um ponto de atenção na história: máscaras com rostinho, com mensagens, face shields de plástico, máscaras frouxas no rosto e os não-usuários de máscara, tudo se mistura.
De forma ácida e sem pudor algum, “Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental” arranca risadas completamente inesperadas daquilo que em outros cenários poderia causar outras sensações mais sérias e sisudas. A sex tape de Emi e seu marido é apenas o propulsor para que o filme passe por tópicos diversos como o moralismo e o conservadorismo da sociedade atual, a reprodução de preconceitos e violências causadas pelo histórico de conflitos mal resolvidos do século XX até chegar na proliferação de fake news e teorias da conspiração em tempos de pandemia. Isso fica bem marcado quando um dos personagens chega em cena sem máscara e alega que tudo isso não passa de uma ditadura sanitarista dos árabes – é uma cena em Bucareste, mas poderia ser vista em Brasília, no Rio ou em São Paulo.
O filme de Radu Jude parece até distante de nós quando pensamos onde fica Bucareste, porém, vista na tela, como um canteiro de obras cheio de outdoors, a cidade não parece nenhum pouco distantes das nossas cidades brasileiras em obras eternas causadas pela especulação imobiliária. Pode nos parecer distante, por exemplo, que no filme eles retornem essencialmente as feridas do Holocausto e a todos os seus negacionistas, colocados lado a lado com o crescente preconceito na Europa contra ciganos e imigrantes, porém isso se repete por aqui na violência de discursos racistas e na atuação agressiva de entidades que deveriam servir a nossa proteção. É uma estranha sensação de tão longe, tão perto que perpassa a projeção do filme e por isso nos aproxima das mesmas questões: a necessidade de rir perante o absurdo em que nos encontramos atualmente.
“Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental” é um filme do nosso tempo e que nos toca essencialmente por sua universalidade ao falar de tópicos complexos que tem tomado conta das discussões políticas em diferentes cantos do mundo. Ácido, debochado e ousado, o filme é uma experiência e tanto, que pode incomodar alguns e fazer rir a muitos outros.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.