Faixa a faixa: “A Rede, o Peixe e o Ar”, de Zéis

introdução por Daniel Tavares
faixa a faixa por Zéis

Vai Ter Carnaval? Em tempos incertos como esse, o que é uma afirmativa torna-se uma questão e o que é uma questão torna-se uma afirmativa, e voltam a ser afirmativa e questão num ciclo incerto e ininterrupto de certeza e incerteza. Assim foi no início de 2021, assim prossegue nesse quase início de 2022. Mas o que é certo é que o carnaval pode estar dentro do próprio indivíduo. Você pode fazer o seu carnaval dentro de si mesmo. É o que dialoga/prega/pede/sugere o músico Zéis em EP “A Rede, o Peixe e o Ar”.

Zéis é cearense, foi vocalista da Capotes Pretos na Terra do Marfim e debutou solo em 2017 com “De Preto em Blue“. Depois vieram “Sessões Acústicas” (2018) e, em outubro de 2021, este EP que compila quatro faixas lançadas ao longo do ano. Com “Vai Ter Carnaval”, “Fevereiro”, “Saudade Mata Nós” e “Menino Velho”, o artista transforma o ar que o rodeia no peixe que nada livre na água e na rede que coleta isso tudo, com impressões intimistas, praticamente acústicas, numa música boa de ouvir, almejando tornar-se um dos mais brilhantes expoentes da novíssima música popular brasileira, ao mesmo tempo em que busca apenas estar em paz consigo mesmo, com suas recordações, com o menino velho que foi, com o velho menino que será.

A Rede, o Peixe e o Ar” teve produção musical Artur Guidugli, antigo parceiro, e mergulha também no audiovisual, com um clipe para cada faixa (todos abaixo). Todos os vídeos tiveram a direção de fotografia de Neto Dasil e foram filmados em diferentes locações do litoral cearense, passando pelas praias do Icaraí, Taíba, Barra do Ceará e Sabiaguaba. A capa do disco é da potiguar Renata Froan, em mais uma tentativa de sintetizar a beleza da música que teima em chegar uma e outra vez aos ouvidos de quem “nasci” em agosto, “nasci” em janeiro, “nasci” em julho. Abaixo, Zéis comenta as quatro faixas do EP:

FAIXA A FAIXA, POR ZÉIS

01) “Vai Ter Carnaval”: Sempre achei que todo mundo merecia ouvir “Vai Ter Carnaval” pelo menos uma vez na vida. Eu sei que não é um ato de muita modéstia dizer isso, mas na real eu sei que essa música é do bem e faz muito bem pra quem escuta, gostaria de compartilhar esta sensação com as pessoas. Essa faixa fala da experiência de carnaval em solitude, do carnaval como um estado de espírito quase. A composição nasceu em 2017 enquanto eu estava em uma viagem no interior do Rio Grande do Norte e estava dividindo o quarto do hotel com meu amigo e músico Jânio Florêncio. Após ter tirado aquele cochilo sagrado depois do almoço, acordei ouvindo uma melodia no violão “blam blam blamblam”… Era o Jânio tocando uma ideia musical que ele estava tendo naquela hora. Falei pra ele que eu tinha tido um sonho em que eu estava desfilando com um estandarte sozinho numa avenida de carnaval. Foi isso que inspirou a gente. A faixa foi originalmente lançada naquele mesmo ano, no meu primeiro álbum e ganhou nova versão agora. Apesar de ter sido escrita há quatro anos, seus versos parecem falar dos dias atuais.

02) “Fevereiro”: Essa faixa já foi composta no período da pandemia. Como eu já estava planejando lançar um material novo mais inspirado em referências da música brasileira, comecei a pensar ela a partir do ritmo do Ijexá. Fevereiro é o mês em que eu nasci, então eu estava pensando nessa ideia de nascimento e de ressurgimento. E do movimento como elemento condicionante para a própria existência. Esse movimento acontece tanto no chão, no real, como no ar, ou seja, na nossa capacidade de criar, de imaginar. O carnaval também é inspiração pra essa faixa porque ele também simboliza tanto o movimento quanto o nascimento, afinal não é à toa que dizem que o ano só começa depois do carnaval. Eu sinto que o carnaval é bem representado nesse meu EP e acho que ele aparece de uma maneira um tanto melancólica e não dá pra dissociar isso do momento que a gente tá vivendo. Fala também de cruzar oceanos, aí fazendo referência a nossa ancestralidade. Essas referências aparecem muito fortes no clipe e contei com a participação mais que especial da cantora Luiza Nobel, que é uma amiga e parceira musical minha há bastante tempo.

03) “Saudade Mata Nós”: Essa faixa eu compus durante uma madrugada. Eu costumo dormir cedo, mas nessa noite eu não estava conseguindo dormir. Eu a fiz pensando em mandar pra o Festival de Música de Fortaleza e inclusive ela entrou pro festival em 2020. Busquei inspiração em referências musicais de ritmos do nordeste como o xote e o baião, que são gêneros musicais os quais eu nunca havia explorado anteriormente no meu trabalho. Ela trata do irreparável fim (aparente) das coisas e da nossa impossibilidade de impedir tal destino. Meu desejo com essa canção é o de inspirar as pessoas a valorizarem os percursos, as jornadas, mais do que os fins. E também de rompermos as barreiras de si, encontrando, na nossa capacidade de compartilhar experiências com os outros, nossa motivação para seguir e acreditar no que virá de novo. Também é de um trecho dela que veio a inspiração pro título do EP “A Rede, o Peixe e o Ar”.

04) “Menino Velho”: Essa é minha composição mais recente e é uma marchinha melancólica que nos traz certa nostalgia. O mote dela foi uma situação que eu projetei, que era um encontro entre meu eu de agora com o meu eu criança. Então a letra dela é um diálogo na verdade entre esses dois eu’s. Faço referências a elementos da natureza também como a terra e o ar. No fim das contas ela arremata muito bem o conceito do EP, porque minha ideia é pensar na própria trajetória da gente aqui no mundo, dessa nossa passagem e essa música nos remete à compreensão do ciclo da vida humana como parte da natureza.

– Daniel Tavares (Facebook) é jornalista e mora em Fortaleza. Colabora com o Scream & Yell desde 2014.

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