entrevista de Ana Clara Matta
Em comunidades e espaços de discussão frequentados por fãs de K-Pop não é incomum encontrar o termo, carregadíssimo de ironia, A-Pop – um apelido para o pop norte-americano ou anglófono no geral. Esse termo é usado como um contragolpe combativo ao uso do termo K-Pop, que começou como um rótulo de gênero, virou um formato de indústria e um fenômeno cultural, e já se transformou até mesmo em ferramenta de categorização e segregação na mão de premiações e paradas, como o VMA. Mas o que K-Pop significa hoje em dia, afinal?
A verdade é que, tal qual termos como Música Popular Brasileira, ou Indie, não existe absolutamente nada concreto que delimite o “Korean Pop” musicalmente. Dentro do guarda-chuva do gênero, apenas neste ano, foram lançados excelentes discos de cantores solo com temas adultos, influências de jazz, soul, city pop e dream pop (“Bambi”, do Baekhyun, e “Lilac”, da IU), discos de bandas inspiradas no pop punk, emo e indie dos anos 00 (“The Chaos Chapter”, do Tomorrow x Together) e discos de hip-hop puro e pesado (o mais recente do trio Epik High). Além disso, a língua lentamente deixa de ser parte dos elementos que demarcam o “gênero”, e diversos grupos lançam canções em japonês, chinês e até mesmo inteiramente em inglês, como “Butter”, do BTS. Separar tudo isso de um panorama geral da música pop é um pouco como chamar “Parasita”, de Bong Joon Ho, de um “K-Filme”, ao invés de o considerar apenas um filme de drama/suspense assistido em centenas de países.
O K-Pop é tão múltiplo e variado como tudo que poderia ser chamado ironicamente de A-Pop. E é nesse cenário, no olho do furacão de mistura de gêneros e línguas, que nasceu o Blackswan, aposta da DR Music, um grupo formado pelas sul-coreanas Yeongheun e Judy, a belga de origem senegalesa Fatou, e a curitibana Leia (a primeira idol brasileira feminina do K-Pop), que lançou em outubro de 2020, em meio a pandemia do COVID-19 e com oportunidades de promoção limitadas pelo vírus, seu primeiro álbum, “Goodbye RANIA” (um adeus das meninas ao seu projeto anterior, e um aceno para a nova fase). O disco (que ainda conta com a ex-integrante Hyeme, que deixou o grupo em novembro de 2020), uma mescla intrigante de subgêneros do R&B e Hip-Hop modernos, foi só o primeiro passo dado na carreira da banda, mas também é a consolidação de anos de treinamento dos membros – processo tradicional antes de uma estreia oficial nos palcos e estúdios sul-coreanos.
Conversamos com o Blackswan sobre o panorama que as recebe no cenário em constante mudança e expansão do K-Pop e suas expectativas para os novos capítulos da carreira.
Com as diferentes raízes culturais que se fundem nesse grupo, eu imagino que as trocas musicais entre os membros devem ser bem interessantes. Vocês apresentam novos artistas e novos gêneros uma para a outra? Como cada uma de vocês influenciou o gosto musical das outras?
Youngheun: Existiu uma febre na Coréia do Sul pelo “trot” (gênero tradicional de música coreana), e eu mostrei trot para a Fatou na época. Ainda me lembro da Fatou twerking (dançando) ao som de trot. E Leia coloca músicas brasileiras com frequência. Existem muitos gêneros similares ao reggaeton. Como esperado, as letras e melodias do país da paixão são impressionantes.
Fatou: Para ser sincera eu não apresentei nenhum artista para as outras… nós escutamos artistas similares!
Judy: Eu recomendei nosso atual coreógrafo, e ele é bom em hip-hop, street, e assim vai. Todos os membros do grupo gostaram, e fomos capazes de aproveitar ao máximo a coreografia de nossa música de retorno.
Leia: Eu escuto muita música brasileira na sala de ensaio e as mostro para as outras. Toquei músicas de Pabllo Vittar e Anitta e a Fatou realmente gostou delas.
Existe algum gênero específico que vocês querem, como uma banda, testar nos próximos retornos?
Youngheun: Quero tentar uma música de tempo médio. O ritmo é lento, mas você pode mostrar uma ótima performance..,
Fatou: Sempre digo isso, mas quero uma música com base em hip hop e uma batida forte.
Judy: Gostaria de tentar um conceito como “Psycho”, da Red Velvet.
Leia: Estou ouvindo muito Arctic Monkeys ultimamente. Eu gostaria que pudéssemos mostrar essa vibe para outras pessoas. Sim.
O K-Pop está se tornando mais global todos os dias, com bandas alcançando espaços como a parada de álbuns e singles da Billboard, programas televisivos do horário nobre da televisão norte-americana e os prêmios Grammy e lançando até mesmo músicas completamente em inglês; Então o K-Pop que vocês cresceram ouvindo, e amando, está mudando muito. Como vocês veem essas mudanças, e como vocês se preparam para acompanhá-las?
Youngheun: Nós estamos tentando colocar o Blackswan no centro da mudança, e eu acredito que seremos capazes de fazer um trabalho melhor porque temos bom trabalho em equipe.
Fatou: Vejo as mudanças como uma coisa muito positiva. Agora o K-Pop pode ser conhecido mais globalmente e levar felicidade para muito mais pessoas! Sobre como nos preparamos para acompanhá-las, não tenho uma resposta para isso. Nós só deixamos tudo fluir naturalmente.
Judy: Quero tocar uma música para fãs de diversos países. Não sei quando isso acontecerá, mas acredito que prepararei muito em muitas línguas no futuro!
Leia: Acho que mudanças no K-Pop são boas. Eu tentarei, e trabalharei duro, para acompanhar essas mudanças.
Com a pandemia de COVID-19 vocês ainda não puderam performar em shows perante os seus fãs, mas todas vocês já possuem alguma experiência prévia como artistas. Como vocês estão lidando com a expectativa para a estreia ao vivo do Blackswan perante uma plateia, e o que devemos esperar de um show do Blackswan?
Youngheun: Acho que existe uma diferença enorme em se apresentar com e sem uma plateia. Nós ganhamos muita energia dos gritos e do apoio dos fãs em um show, então podemos aproveitar mais o palco por causa desse poder. Eu mal posso esperar pelo dia em que poderemos nos apresentar para o público. Só de pensar nisso fico mais animada e empolgada.
Fatou: O dia em que realmente nos apresentarmos perante o público ao vivo será inesquecível, na minha opinião. Apenas poder dar energia e receber essa energia de volta multiplicada por 10 será tão divertido! Só quero que o Blackswan continue sendo o Blackswan e continue crescendo.
Judy: Nós fizemos um período de promoção muito curto, e ficamos tão decepcionadas que estamos trabalhando ainda mais para nos prepararmos para o retorno, e acho que você nos encontrará com uma música muito melhor que a anterior! Mal posso esperar para mostrar nossa performance para os fãs e o público geral.
Leia: Eu quero performar na frente dos fãs! Mas acho que ficarei um pouco nervosa e assustada, quando penso sobre performar na frente dos fãs.
A estreia de vocês acabou sendo adiada. Como foi a luta para manter as preparações para a estreia, fisicamente e mentalmente, e manter o espírito de “vamos lá” através do atraso?
Youngheun: Dois anos antes da nossa estreia, todas trabalhamos muito duro. A equipe e os membros tiveram tempos difíceis. A música e a coreografia já estavam completas, mas esperar foi o mais difícil. Esse golpe afetou meus treinos. É realmente minha estreia? Você tem certeza que você está aqui? Eu não conseguia me concentrar na prática e não queria mais trabalhar duro. Então “Tonight” é uma música de estreia triste para mim. Eu acho que teria sido capaz de debutar melhor se eu tivesse sido mais como uma líder. Foi muito difícil, mas agora eu sou muito grata aos membros que superaram isso comigo.
Fatou: Todas nós lidamos com isso de nossas próprias maneiras. Eu, por exemplo, ficava apenas pensando em fazer música e performar e interagir com nossos fãs. Vale a pena, e ao ver isso como meu sonho de uma vida inteira eu consigo suportar mais para ser capaz de realizá-lo.
Judy: Para ser sincera, nós temos estado cansadas já que nossa data de estreia mudou e foi adiada várias vezes. Mas você precisa se controlar e trabalhar duro com o grupo. Eu acho que fomos capazes de oferecer apoio umas às outras exatamente por nos apoiarmos umas nas outras. Mas, para ser honesta, estamos cansadas desde que nossos dias de estreia mudaram e fomos empurradas para trás várias vezes.
Leia: Existiram momentos em que estávamos tristes e com raiva, mas nós compreendemos umas às outras enquanto falamos com as pessoas mais velhas da equipe, então nos apoiamos muito.
Em entrevistas anteriores vocês falaram sobre ataques racistas e xenófobos que vocês vivenciam constantemente. Por outro lado, eu imagino que vocês devem receber muito amor dos Luminas (fãs da banda) que finalmente se veem representados no seu gênero musical favorito. Como vocês lidam com o peso de serem tão centrais em um assunto tão importante como a luta contra o racismo no k-pop?
Youngheun: Nós somos muito cuidadosas com o tópico do racismo, então não falamos sobre isso de maneira fácil quando vemos um problema como esse, ignoramos e tentamos solucioná-lo nós mesmas. Em qualquer situação em que vemos racismo, fãs estão sempre do nosso lado. Estou sempre grata pelos Luminas e seu apoio.
Fatou: Eu não lido mais com isso. Porque esse peso não deveria estar nos ombros de ninguém. Apenas tento não pensar sobre isso, enquanto, ao mesmo tempo, tento educar pessoas sobre diferenças o tanto quanto possível. Apenas fazendo o que eu posso para ajudar.
Judy: Espero que o público geral que está nos assistindo não descrimine um ao outro, e isso, sim, será especial e respeitoso.
Leah: Nós podemos derrotar o racismo. Porque existem tantos fãs que nos amam. Nós podemos vencer porque tem muita gente ao nosso redor com bons pensamentos e mentes. Eu quero mostrar para pessoas que não podemos ser julgados por cor ou nacionalidade.
Quando você está começando a trajetória de uma nova banda, você deve pensar muito sobre o que você quer alcançar com ela. Quais bandas vocês veem como a planta do que vocês querem fazer na sua carreira?
Youngheun: Quero ter um grupo de carreira longa como o Girls’ Generation. Quero ser bem-sucedida nas minhas atividades pessoais e como grupo, como elas. Claro, mostraremos nosso melhor para nossos fãs constantemente, e eu acho que conseguimos atingir isso apenas se trabalharmos duro.
Fatou: Amo Beyoncé, Rihanna, Nicki, Shinee e SNSD. Tiro muita inspiração deles. A jornada que eles tiveram é realmente incrível. Mas quero que o Blackswan faça seu próprio caminho. É claro que nos inspiramos em outros artistas. Mas fazer nosso próprio caminho é meu objetivo.
Judy: Quero ser uma artista que consegue realizar vários conceitos diferentes, como o Red Velvet.
Leia: Quero que (o Blackswan) seja como o BLACKPINK. As acho cool porque todas são fortes e únicas.
– Ana Clara Matta (@_ana_c) é editora do Ovo de Fantasma e escreve para o Scream & Yell desde 2016
Que entrevista maravilhosa! Perguntar pertinentes e interessantes! Amei