entrevista por Bruno Lisboa
Faixa a faixa por Daniel Santiago
Natural de Brasília, Daniel Santiago tem em seu vasto currículo musical as funções de guitarrista, compositor, arranjador e multi-instrumentista. Em 20 anos de carreira, Santiago firmou diversas parcerias com um leque variado de artistas numa lista que conta com Milton Nascimento, João Bosco, Ivan Lins, Hamilton de Holanda e a banda O Teatro Mágico.
Em sua discografia constam os álbuns “On the way” (2006), “Metrópole” (2009), “Simbiose” (2017) gravado junto ao músico Pedro Martins, “Union” (2018), o ao vivo “Brasília Brasil Trio” (2020) com Hamilton de Holanda e Rogério Caetano, e o recém-lançado “Song for Tomorrow” (2021)
Em “Song For Tomorrow”, seu quinto álbum de estúdio, Santiago promove uma amálgama de referências musicais que vão de Clube da Esquina ao rock nacional e internacional passando por elementos eletrônicos oitentistas. Liricamente, as canções promovem uma adequada ode à contemporaneidade, falando de esperança em tempos sombrios.
Produzido pelo guitarrista norte-americano Kurt Rosenwinkel, “Song for Tomorrow” traz uma lista de convidados especiais, que conta Joshua Redman, Aaron Parks, Pedro Martins e Eric Clapton, que Daniel conheceu em 2019, durante sua participação do festival Crossroads Guitar Festival.
Na entrevista e no faixa a faixa abaixo, Santiago fala sobre o papel da arte na atualidade, sua formação musical, o processo de gravação do disco, trazendo detalhes presentes em uma das doze canções do álbum. Confira!
De modo geral, suas composições em “Song for Tomorrow” trazem uma certa carga de otimismo quanto ao futuro. Mas em tempos tempestuosos como é compor canções que remetem a esperança? E ainda: qual é o papel da arte (em especial a música) deve desempenhar na atualidade?
A maioria dessas canções foram feitas antes da pandemia, apenas algumas letras foram feitas durante a quarentena, foi o caso da “Open World” e “Song for Tomorrow”. Acredito que alguns precisam trazer luz paras sombras. Nós, artistas, temos também essa função. Trazer reflexões, críticas, mas também esperança num mundo melhor.
Neste novo trabalho você traz à tona uma série de referências musicais que ajudaram a formatar a sua musicalidade. Nesse sentido como se dera o seu processo de formação musical?
Minha formação musical passa desde uma iniciação na Escola de música de Brasília passando por bandas na adolescência de estilos variados, contatos com grandes músicos muito cedo e depois o famoso “baile”. Tive que tocar muitos estilos na minha vida até começar a achar meu som.
Em “Song for Tomorrow” você trabalhou com uma série de convidados especiais que contribuíram de maneira significativa para o resultado final. Como foi o processo de gravação do novo disco e como se deu a seleção de participações especiais?
Esse disco aconteceu por conta da minha participação no Crossroads Guitar Festival 2019, festival do Eric Clapton. Lá conheci, por meio do meu grande amigo e parceiro Pedro Martins, o Kurt Rosenwinkel. Desse encontro saiu a semente de fazermos alguma coisa juntos. Então fomos pra Berlim em fevereiro de 2020 e gravamos metade do disco. O restante foi durante a quarentena, portanto online. O Kurt foi o produtor e ele contactou as participações. Serei eternamente grato ao Kurt, Pedro e todos que participaram desse sonho!
FAIXA A FAIXA por Daniel Santiago
“Open World” – Meu pai me levou a um show do Eric Clapton em Brasília quando eu tinha uns 11 anos de idade, e desde então ele se tornou um dos meus heróis. O envolvimento dele neste projeto é a realização de um sonho pra mim. E ter Kurt Rosenwinkel produzindo o álbum é igualmente poderoso, já que ele e Clapton são as minhas maiores inspirações na guitarra. Eu me sinto muito grato e imensamente feliz por poder contar com eles no álbum.
“Song For Tomorrow” – Essa música representa minha conexão com o Clube da Esquina, uma das influências mais importantes na minha formação. Depois que compus a melodia, convidei meu parceiro Fernando Anitelli (O Teatro Mágico) pra ajudar na letra. Ele imediatamente se identificou e acabou aprimorando a própria estrutura da música, colocando letra numa parte que seria instrumental e, no final, essa melodia acabou virando o refrão. A gravação dessa música aconteceu à distância. Logo que eu mandei pro Kurt Rosenwinkel ouvir, ele me disse que a faixa precisava de um solo de guitarra bem marcante, que remetesse à melodia. Na mesma hora eu pensei que ele seria o cara pra fazer isso. Dito e feito. O Kurt nos brinda com um dos momentos mais emocionantes do disco.
“O Que Valerá” – Gosto muito daquela junção de world music com jazz, presente no “Native Dancer”, do Wayne Shorter, ou no “Bring on the Night”, do Sting. Quando terminamos a base da música, imaginei um saxofone, numa jam rock. Aí o Kurt falou: “Tem que ser Joshua Redman!” Apesar de eu ter tocado em outras oportunidades com o Joshua e saber que ele gostava do meu som, não imaginei que seria fácil tê-lo no álbum. Foi uma grande honra ele ter aceitado o convite.
“Clara Manhã” – Escrevi como se fosse uma música de ninar pra minha filha. Me transporta para a minha época de infância, em Brasília, ouvindo Pink Floyd e Beach Boys. Mostrei pro Kurt e falei que achava que um piano ficaria bonito. Eu já tinha pensado no Aaron Parks. O Aaron esteve em SP e ficamos amigos. Eu, que já era fã, ainda descobri que ele tinha me citado como um dos compositores brasileiros que ele mais gostava. Fiquei muito feliz com a sensibilidade e musicalidade que ele trouxe pra música.
“How It Should Be” – Compus pensando nas relações humanas. A importância de fazer amigos e do convívio com o outro. Gravamos essa faixa em Berlim ao vivo e depois adicionamos outros instrumentos e mais vozes. Kurt na batera, Pedro no baixo e eu tocando guitarra e cantando. Esse é um dos momentos que guardo com mais carinho nesse processo de gravação. Foi pouco antes da pandemia, então vivemos aqueles dias intensamente, gravando tudo que podíamos, intercalado apenas por uma boa cerveja e sinuca, na esquina do estúdio.
“Mundo” – Música que fiz em 2009. Foi a primeira faixa que gravamos em Berlim. Lembrei do Naná Vasconcelos no “Milagre dos Peixes”, do Milton Nascimento, e resolvi fazer uma homenagem pra ele colocando uma conga dobrada com a voz. Pedro Martins é o convidado dessa música, criando camadas de melodias tão naturais, de quem tem uma sensibilidade rara.
“Não Pode Apagar (Fly Lua, Fly)” – Essa também gravamos em Berlim. O Pedro Martins na bateria, violão e voz; eu no baixo, violão, synths e voz; o Kurt na guitarra e vocais. Quando terminamos a base o Pedrinho falou: “Kurt está faltando uma guitarra sua”. Ele encontrou um som de guitarra incrível e começou a fazer uma melodia mais bonita do que outra. Na letra eu falo dos nossos desafios internos na busca de crescimento como ser humano, com qualidades e defeitos.
“Progressive” – Toninho Horta, Tavinho Moura e o rock progressivo inglês, principalmente Yes. Essa música é minha homenagem a esse universo. Eu o Pedro, como um momento de retorno às origens, à essência da nossa música.
“Roots” – Minha família. Minhas raízes profundas e interioranas. Uma homenagem aos meus avós. Mas principalmente meu avô, de Minas Gerais, que tinha alma de artista e seu nome ecoa no meu, Santiago. Aquela imagem das festas e do nosso sincretismo, onde as culturas africana e cristã se encontram.
“From The Mountains” – O título já diz tudo. Música das montanhas. As montanhas de Minas, mas também as montanhas da Chapada dos Viadeiros. Música do alto. Eu e o Pedro, de novo num momento intimista. Gravamos em Berlim, no sofá do estúdio, com o Kurt do nosso lado.
“Heroes” – Música de quem nasceu em Brasília e cresceu nos anos 80 e 90. Falo sobre a luta de alguns contra um inimigo imaginário, e sobre a confusão dos tempos atuais onde tudo é relativizado. O Pedro Martins me ajudou a compor e o Frederico Heliodoro ajudou na letra. Na bateria, Renato Galvão, um jovem da nova geração de Brasília.
“Não Vou” – Balada melancólica que compus em 2017, com espírito pinkfloydiano. Tem também influência da canção popular brasileira.
“Salamander” – Tema composto em 2009, momento que eu estava bem envolvido com o jazz, e a música instrumental brasileira. Vejo essa música como uma abstração, um mosaico de cores e de raízes.