texto por Matteo Maioli
Serena Altavilla, de raízes apulianas e residente em Prato, comuna italiana da região da Toscana, com cerca de 190 mil habitantes, depois de muitos anos como vocalista das bandas de rock alternativo italianas Blue Willa e Solki, finalmente estreia solo com “Morsa” (2021), via selo independente Black Candy, de Florença, com distribuição Believe/Warner. “Morsa” é uma jornada autobiográfica de 10 canções que transitam entre a realidade e o sonho, enfrentando suas próprias fragilidades.
“A mordida da tarântula, a mordida que dá vida a uma purificação por meio da histeria e da perda de sentido, é a expressão de uma luta interna e externa que só a música pode curar”, explica Serena sobre o conceito do álbum. “A ânsia de buscar o que morde do lado de fora, a busca pelo confronto. Sentindo a necessidade de explodir para encontrar os pedaços e se recompor”, concluí. A produção é de Marco Giudici (Generic Animals, Any Other) para uma obra lindamente cantada em italiano.
Comecemos por dizer que a diferença com as obras anteriores de Altavilla é considerável, mas deve ser vista dentro da evolução criativa da música italiana nos últimos anos: neste discurso, “Morsa” posiciona-se na linha traçada por álbuns como “Die” de Iosonouncane (Trovarobato, 2015) e “Two Geography” de Any Other (42, 2018), onde a grande composição – de Lucio Battisti inclusive – abraça a experimentação entre gêneros. Nesse sentido, os sons de “Morsa” constroem atmosferas diametralmente opostas, passando do cheio ao nu num piscar de olhos, do solo ao subsolo: do dia à noite. “Um slide inexorável com mil visualizações”, nas palavras da artista.
“Epidermide”, o single de lançamento, é o melhor cartão de visitas possível – uma melodia de piano radioheadiana que colide com uma sonoridade impetuosamente pós-rock a lá Sigur Ros. O videoclipe, criado pelo coletivo John Snellinberg e dirigido por Patrizio Gioffredi, sustenta suas veias dark e românticas configurando a cena em um cenário teatral minimalista, com luzes iridescentes e expressionistas e uma montagem que brinca com o escuro. Vemos Altavilla interagindo com uma doppelgänger, interpretada pela atriz e diretora Livia Gionfrida.
“Nenia” abre o disco com uma elegância centro-europeia que remete a “Tango” (1983), de Matia Bazar, enquanto “Un Bacio Sotto il Ginocchio” sugestiona a produção mais pop de Cristina Donà, mas com a sensibilidade visionária de Lucio Corsi. Em “Rasente”, Altavilla volta-se por um momento ao seu passado roqueiro (com o acréscimo da convidada Adele Nigro na guitarra) enquanto “Quaggiù” contrasta o minimalismo tranquilo resolvido em uma tempestade felliana.
Em sua formação coexistem punk, tradição popular e música de vanguarda: um ecletismo, combinado com as habilidades performáticas derivadas de experiências teatrais, que a levaram a colaborar com Calibro 35, Mariposa, La Band del Brasiliano (e, no Brasil, na canção “Vai, Italian”, de Barro, em 2016). Em “Un Bacio Sotto il Ginocchio” encontramos o gênio Enrico Gabrielli como arranjador; entre os dez músicos envolvidos nas gravações podemos citar também Luca Cavina, a multi-instrumentista Valeria Sturba (“que devolveu sua visão musical” para “La Trascription Dei Sogni”), Jacopo Lietti do Fine Before You Came e finalmente dois bateristas com diferentes sensibilidades, Fabio Rondanini e Alessandro Cau.
A beleza de “Morsa”, assim como da voz de Serena Altavilla, vive no contraste entre uma música radiofônica e cativante como “Distrarsi” e um jazz sofisticado e matizado como “Sotto Le Ossa”. Um aperto que vai te conquistar.