entrevista por Leonardo Vinhas
Fundado em 2012, o Bestia Bebé não demorou a se tornar um referente do rock argentino da última década. Seu epônimo álbum de estreia, de 2013, bateu tão forte em muita gente que ainda há quem associe a banda com aquelas (ótimas) canções, mas a verdade é que o quarteto encabeçado por Tom Quintans (voz e guitarra) tem entregado mais que a alegre juvenilia enguitarrada de oito anos atrás.
Em outubro de 2020, lançaram “Gracías por Nada”, seu quarto álbum completo, e seguramente o mais rico e variado em termos de arranjos, timbres e construções melódicas. Da psicodelia barulhenta de “Música de Suspenso” ao clássico instantâneo (e primeiro single) “Un Documental Sobre Mi”, há um apreço melódico que difere dos riffs quebrados e da dissonância de “Jungla de Metal 2” (2015) – e também vai além da simplicidade melódico de “Las Pruebas Destructivas” (2017). É, em palavras simples, o disco mais sedutor e mais apetecível da banda desde sua estreia (completam a discografia os EPs “Bonitas Páginas” – uma demo ao vivo de 2012 – e “Jungla de Metal 3”, com versões alternativas de cinco canções do segundo disco).
Produzido mais uma vez pela própria banda em parceria com Felipe Quintans (irmão de Tom), “Gracías por Nada” amplia a inventividade sonora do quarteto. A grande sacada é que o faz de modo a garantir que a estranheza esteja presente, mas sempre a favor do apelo pop das canções – uma equação que aparecia invertida em “Jungla de Metal 2”.
Assim surgem, além das já citadas “Música de Suspenso” e “Un Documental Sobre Mi”, preciosidades como a balada “¿Qué Clase de Ciudad es Esta?” (com uma bela participação vocal de Santiago Barrionuevo, vocalista do El Mató a un Policia Motorizado), a tour de force autocrítica de “Tu Explosión” e a psicodelia de “Eucalipto”. E como velocidade e volume ainda fazem parte do repertório da banda, estão ali “Me Olvidé de Tu Compleaños”, “Media Docena de Maleducados” e “El Podio del TC” para manter a oferta.
Falando com o Scream & Yell por teleconferência, Tom Quintans resgata, de forma bastante natural, o significado mais relevante do termo “independente” quando associado à música e especialmente ao rock. Ainda deu tempo para falar sobre o disco novo, claro, as escolhas criativas da banda, e as lembranças da sua única e breve passagem pelo Brasil, quando fizeram um show inesquecível no festival El Mapa de Todos, em Porto Alegre.
Suas letras sempre tiveram espaço para a decepção e a frustração, mas “Gracías por Nada” traz muito disso. Ele tem um tom geral de desilusão.
Tem algo disso, sim, mas não todo ele. Não era minha ideia fazer um disco conceitual nas letras, mas [o álbum] acabou encerrando uma espécie de sentimento… (hesita) Para mim, o que mais se ressalta é uma nostalgia. Ela sempre fez parte do universo do Bestia Bebé, mas nesse disco está mais presente que nos outros. E ainda a capa, o título (“Obrigado por Nada”)… Todo esse conceito visual que veio a partir do nome e das canções trouxe essas coisas de nostalgia. Mas não acho que é um disco triste, pra baixo ou mesmo desiludido. Algumas coisas, sim, mas acho que é um disco com todos os estados de ânimo (risos).
Me chamou muito a atenção quando você disse em uma entrevista à Rolling Stone argentina que, se o segundo disco tivesse se chamado “Aguante el Barrio y el Fútbol”, talvez tivesse uma repercussão diferente. Porque as pessoas esperavam isso da banda naquele momento.
Desde que começamos, nosso ideal é fazer a música que queremos, e não fazer a música da qual as pessoas gostam e que pode dar mais retorno. É estar contente com as canções que fazemos, com o estilo e a forma delas. E é esse o lance de ser uma banda independente, não poder depender do “mercado”, não é? Falei isso [na entrevista para a RS] porque em algum momento sentimos isso, muita gente pensou que [o segundo álbum] ia ser o primeiro disco estendido. Sinto isso às vezes até hoje quando penso na recepção do disco, e me orgulho de ter feito o que queria ter feito na época, ter mudado e experimentado outra coisa. As bandas que se jogam para fazer coisas novas podem se dar bem ou mal, mas é sempre valiosa essa busca. Eu me entedio de fazer sempre o mesmo. Não quero fazer de novo o que já fiz, não rola. Fazer o diferente é o que nos anima a seguir.
Apesar de muitos verem dessa forma, o Bestia Bebé não é uma banda essencialmente de guitar rock. Ainda em nossa primeira entrevista você falou o quanto gosta de “barulhinhos” e efeitos, e que queria trazer mais isso para o som. Isso aconteceu nos discos seguintes. Por outro lado, muito da banda se personifica em você – por ser frontman, compositor das letras, falar mais com a imprensa. Mas esses elementos externos ao rock de guitarras são da banda toda, não? Porque a música está sempre creditada à banda, imagino que seja uma criação coletiva…
Depende. Sei lá, a forma de trabalho não é sempre igual. Em cada disco a forma de trabalho é diferente. Para esse, fiz muitas demos em casa com o celular, algumas bem terminadas e outras mais abertas a mudanças. Sempre deixo o espaço da bateria para que o Polaco [Ocorso] faça o que ele quer, porque as linhas de bateria (faz mímica de uma batida veloz e curta) são uma característica muito importante no som do Bestia Bebé. Então ele se encarrega disso. E quando começamos a experimentar com a bateria, experimentamos também outras ideias de baixo e de guitarra, e os outros podem tentar somar ideias. É que nesse disco experimentamos muito na gravação. No anterior (“Las Pruebas Destructivas”) estava tudo muito cozinhado antes de gravar, e ficou tudo do jeitinho que tínhamos pensado. Nesse havia guitarras, arranjos e teclados que experimentamos de um jeito diferente daqueles que eu tinha pensado nas demos. Tivemos espaço para isso junto com o Felipe (Quintans), que é meu irmão e produziu o disco.
Nessa experimentação, eu vejo a sonoridade dos Flaming Lips como um ideal forte para vocês. Não no sentido de tentar repetir, claro, mas na forma conceitual de pensar as canções no estúdio.
Sempre! Sou muita fã dos Flaming Lips e meu irmão também. Sou fanático pelo som de bateria dos discos deles, pelas guitarrinhas com arranjos pequenininhos, com arpejos e a guitarra mais noise. E as produções são as mais loucas que existem! Eles sempre surpreendem, não ficam no mesmo, e estão sempre como um referente. “Música de Suspenso” tem a bateria, os arranjos meio noise, meio com fuzz, é bem inspirada na época de “Clouds Taste Metallic” (sétimo álbum de estúdio dos Lips, lançado em 1995). Tem muita influência, óbvio.
Falando ainda em canções, tem “El Fin del Mundo (Otra Vez)”, que surpreende por ter trazido uma sonoridade meio dançante, meio pós-punk, que nunca tinha aparecido no som da banda. Como ela ganhou essa cara?
A ideia original era lenta, e não me caía bem. Eu estava numa onda de ouvir David Bowie, e queria uma coisa meio vintage, meio dessa época, mas também estava trazendo um arranjo para um lado tipo o último disco dos Arctic Monkeys. Só que esse lance lento não funcionava. Aí o Polaco propôs acelerar a bateria para depois frear no refrão. E aí com essa mudança de ritmo ficou muito bom!
Meio sacanagem falar de “Fin de Semana de Muertes”, mas essa é a música que fala de “la nueva pandemia”. Ela foi gravada em 2017, e é evidente que a inspiração dela está nos filmes de horror B, que volta e meia aparece nas suas letras. Mas com tudo o que aconteceu, acho que não custa perguntar como vocês olham para essa canção hoje.
Olha, essa canção eu fiz antes de formar o Bestia Bebé. Em 2009! Não tem nada a ver, era mesmo como uma coisa de filmes de zumbi, ia por esse lado. Nunca a tocávamos, e mesmo depois que saiu acho que só tocamos umas duas vezes. Agora nem estamos tocando (a banda já fez sete shows em Buenos Aires), porque é um pouco demais trazer essa música falando de pandemia agora, e a sonoridade dela não tem nada a ver com o que estamos fazendo agora.
Gosto muito da letra de “Otro Villano Más”, mas ela me soa meio pessimista e um tanto realista. Às vezes as letras só saem e não se pensa muito nelas, mas essa fala de não estar à altura das expectativas, sobre mais cedo ou mais tarde frustrar ao próximo ou a si mesmo, e chama a atenção pelo quão direta ela é.
(risos) Olha, essa letra é velhíssima, é da época de “Fin de Semana de Muertes”. Nessa época, eu fazia letras para que tivesse uma letra. Eu não pensava muito. Toda essa análise que você fez (risos), eu nem pensei nessas coisas. Tem até uma frase tirada do [filme de 1989] “Batman” ali. Mas eu era muito mais garoto, são coisas que eu não escreveria agora. Até porque não sou tão depressivo quanto aparentam as letras (risos).
E a criação sempre pode ser ficcional, claro.
Claro. Não é como se os músicos pensassem em colocar tudo o que vivem em uma letra. Elas são uma fantasia, mesmo que tenha gente que acreditem nelas.
Em uma conversa com os jornalistas da FARO, falávamos do rock independente na Argentina recentemente e vários falaram que o El Mató marcou um antes e depois na cena. E que, nesse “depois”, o Bestia Bebé seria a banda-chave. Você concorda?
El Mató é uma grande banda, e definitivamente marcaram um antes e um depois aqui. Sempre foi a maior banda independente e é a referência para um monte de outras bandas. Digamos que o crescimento deles proporcionou um crescimento para a música independente na Argentina. Bandas como nós e Las Ligas Menores aprendemos muito com eles, e fizemos parte de uma segunda onda, mas não somos bandas novas. Acho que existem bandas mais novas que nós, e não gosto de muitas delas. Parecem produtos para o Spotify, reivindicações ao rock clássico argentino – que também não curto. Não me vejo representado. E hoje parece também que tudo é trap, e te querem vender que agora tudo tem que soar assim, mas não. Vejo muito produto, tudo muito feito para Instagram, com pose, fotinho, todo mundo careta, todos amigos de todos, bonzinhos. Não me vejo identificado nessa movimentação.
Como vocês só passaram por aqui uma vez, acho justo perguntar quais lembranças vocês trazem do show no Brasil. Foi um show inesquecível, mas vocês pareciam ter tocado com muita raiva – consequência de alguns entreveros na noite anterior, não?
A gente sempre se lembra dessa noite anterior também (risos). E do show. Com humor. Saímos, tomamos uns copos a mais e tudo se desvirtuou. Começamos a tomar cerveja muito cedo num botequinho, e aí fomos pra rua, estávamos emocionados de ir ao Brasil e a coisa se perdeu (risos). (nota: a banda se envolveu em uma discussão bastante acalorada – por assim dizer – no Bar Opinião). No dia seguinte, ficamos com medo que nos dessem porrada ou nos expulsassem do pais (risos). Mas não aconteceu nada grave. Me lembro que nesse momento tocávamos em lugares muito pequenos aqui na Argentina, e o festival aí no Brasil tinha equipamentos do primeiro nível, de alta qualidade, foi uma baita experiência. Pensamos que as pessoas fossem nos ignorar por completo, e a verdade é que nos aplaudiram, um astral muito, muito bom. Mas foi ir, tocar e voltar pra Argentina no outro dia. E nunca mais voltamos (risos). Espero que não tenha tido nada a ver com a treta. Acho que não! (risos)
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.
A música Documental sobre Mi foi uma das melhores de 2020 na minha opinião. Grande álbum.