por Marcelo Costa
Uma das boas promessas da nova cena alagoana, a Marinho lançou em março seu segundo disco, “Leve Vazio” (2020), e foi, como todos nós, atropelada pela pandemia. O quinteto trabalhou o sucessor de “Sombras” (2017) ao longo do ano de 2019, gravando e mixando o álbum no home estúdio Panda, dos próprios integrantes, e após liberar dois singles, “Um Dia” e “Nova II”, tinha agendado para liberar “Leve Vazio” nas plataformas digitais na primeira semana de março antes do show de lançamento, na edição 2020 do Festival Carambola, em Maceió. Com a proliferação da Covid-19, o festival foi adiado de maio para julho, acontecendo de maneira online, e a banda se isolou aguardando os desdobramentos da pandemia.
“Acredito que no começo, ainda lá em março/abril, a gente lidou um pouco mais à flor da pele (com a pandemia)”, diz Rodrigo Marinho (voz e bateria) em conversa por e-mail. ”Com o passar dos meses, tentamos retomar remotamente e fizemos muitas trocas entre nós e com outros artistas amigos”. Além de Rodrigo, a banda é composta por Victor de Almeida, na guitarra, e Joaquim Prado, na guitarra e synth, além de Felipe Chase, na bateria, João Lamenha, no baixo, e da participação de Robson Cavalcante, nos teclados. “Leve Vazio”, o segundo disco, nasceu de uma construção coletiva: “Ouvindo os dois discos dá pra ver que tem uma mudança ali. Talvez a maior delas é que ‘viramos’ uma banda”, acredita Rodrigo.
Com a impossibilidade de executar as novas canções ao vivo diante de uma plateia, a banda preparou um projeto inusitado e especial: lançar oficialmente o álbum de estúdio “Leve Vazio” em uma experiência intimista e sem plateia, num show gravado no grande salão neoclássico do Teatro Deodoro, em Maceió, com nenhum dos 650 lugares ocupado, um show para ninguém disponibilizado no canal oficial da banda no Youtube, e que você pode assistir mais abaixo. “Foi uma experiência diferente cantar e tocar no Deodoro sem plateia. Desde que a ideia surgiu, eu e todo mundo da banda sabíamos que seria uma espécie de transe. Inacreditável, bonito e ao mesmo tempo angustiante”, avalia o vocalista.
Neste bate papo, Rodrigo Marinho analisa a evolução da banda de “Sombras” para “Leve Vazio”, comenta sobre as participações especiais, e conta que as músicas de tom mais otimista do trabalho – “Um Dia”, “Grão a Grão”, “Vai Amanhecer” e “Coragem” – passaram a receber menções nas redes sociais, o que, de certa forma, valida o lançamento do álbum em um período tão obscuro da sociedade. “Nesse sentido, acho que tempo de lançar tinha que ser aquele. Mas a verdade é que respeitamos muito o momento que estávamos passando, deixamos as coisas meio pausadas. Parecia meio esquisito falar de disco novo num contexto de pandemia mundial”, opina. Agora chegou a hora de falar de “Leve Vazio”, assisti-lo abaixo e ouvi-lo. Confira o papo.
Pra começar, eu gostaria de saber como você está enfrentando o confinamento e todo esse “novo normal” a que fomos expostos em 2020?
O confinamento bateu de forma diferente em cada um de nós… Acredito que no começo, ainda lá em março/abril, a gente lidou um pouco mais à flor da pele. Com o passar dos meses, tentamos retomar remotamente e fizemos muitas trocas entre nós e com outros artistas amigos. Acabou que a pandemia nos ensinou a trabalhar na distância, planejar com antecedência e preparar algum material… Hoje, eu, Rodrigo, moro em Recife, o Victor estava passando uma temporada em São Paulo e Joaquim ficou em Maceió… Dentro do nosso privilégio de poder trabalhar de casa e de conseguir minimamente ter um contato virtual periódico, acho que de uma forma, o nosso isolamento acabou nos aproximando.
Conversei recentemente com Pedro Pastoriz, que lançou o terceiro álbum solo dele neste ano, e sofreu o mesmo baque que vocês: o de colocar um disco nas ruas e não poder divulga-lo, não poder fazer shows, circular. Como estavam os planos para o lançamento do “Leve Vazio” e o que vocês conseguiram fazer para contornar esse momento?
Pois é, assim como o Pedro e várias outras bandas e artistas, ficamos com um trabalho novo na mão e sem condições de sair para divulgar. Estávamos com vários planos para a banda em 2020, com o “Leve Vazio” pra ser lançado, um show de lançamento em Maceió num festival que nós admiramos, o Carambola, e várias ideias e conversas para circular o trabalho novo em outras cidades. Com tudo caindo, a gente meio que ficou perdido com aquele monte de notícia e sem entender o que estava para acontecer. Vários amigos que tinham trabalhos para lançar decidiram segurar e lançar depois da pandemia… Chegamos a pensar se o disco ter saído em março foi bom ou ruim… Mas, curiosamente, durante esse período do isolamento tivemos um aumento de menções nas redes sociais, principalmente com músicas de tom mais otimista, como “Um Dia”, “Grão a Grão”, “Vai Amanhecer” e “Coragem”. Nesse sentido, acho que tempo de lançar tinha que ser aquele. Mas a verdade é que respeitamos muito o momento que estávamos passando, deixamos as coisas meio pausadas. Parecia meio esquisito falar de disco novo num contexto de pandemia mundial. Apenas recentemente voltamos a falar sobre música e o disco nas redes sociais…
No release vocês comentam que “o novo álbum não aponta apenas novos rumos musicais”, mas é perceptível uma evolução no som de banda, que parece mais fechado, mais maduro. Há quanto tempo vocês estão tocando juntos com essa formação e como funciona a composição na banda? De onde vocês partem para fazer uma canção?
Sim, de fato. Acho que nesses últimos anos conseguimos apontar para um caminho que gostaríamos de seguir. Não acho que chegamos lá ainda, mas ouvindo os dois discos dá pra ver que tem uma mudança ali. Talvez a maior delas é que “viramos” uma banda. Hoje, Victor e Joaquim fazem tão parte do Marinho quanto eu. E eles vêm de uma outra perspectiva, mais ligada à música instrumental, ao post-rock, Joaquim tocava na Labirinto, aí em São Paulo, Victor passou pelo Projeto Sonho aqui em Maceió. O “Sombras” já era fruto de nossa parceria, mas acaba que não estávamos tão sintonizados como agora, compartilhando referências, dividindo composições e explorando possibilidades coletivamente… Normalmente, nosso processo é demorado. Desde quando envio a música ao resultado final passam-se meses. Pra o “Leve Vazio” nosso processo de composição foi feito a partir das gravações, acho que só “Sol Negro” e “Nova II” já tinham sido tocadas anteriormente. Uma vez definida a estrutura, começamos a trabalhar em cima do que está gravado… É um método que tem funcionado pra nós. Depois a gente pensa em como executar ao vivo.
Como você sente o “Leve Vazio” em relação ao “Sombras”, que foi o álbum que te apresentou para vários cantos do país?
Acho que o conjunto de canções que formam o “Leve Vazio” refletem mais nossas ideias atualmente. O “Sombras” é mais cru, por assim dizer… O “Leve Vazio” é um disco que tem mais nuances e é uma tentativa nossa de fazer algo “menos rock”. Tivemos muita preocupação com as ambiências do disco. Pra gente, mais importante do que o riff de guitarra, levada de bateria, era o que acontecia por trás. Acho que os reverbs, os barulhos, os synths de “Leve Vazio” falam mais sobre o disco do que as linhas de guitarra, mesmo ainda tendo bastante guitarra gravada. Um pouco mais etéreo, com mais cuidado e valorizando a escuta dos detalhes. Pode ser que não faça tanto sentido, mas pelo menos é assim que entendemos…
Gostaria que você falasse das participações especiais, porque convida-los e como cada um deles contribuiu para o resultado final de “Leve Vazio”.
Sim, tivemos três participações de amigos próximos. Daniel Nunes, do Constantina e do Lise; Daniel Ribeiro, que tem um projeto lindo chamado Guaiamum; e o Ítalo Bruno, amigo próximo e que tocava com o Victor há tempos. Para começo, o Daniel Nunes já era amigo do Victor e do Joaquim de antes… Ele, inclusive, gravou um vibrafone para “Ventre”, música do nosso disco anterior, “Sombras”. Mesmo morando em Minas Gerais, ele é um grande amigo e uma influência pra nós, sempre opinando e ajudando a gente na construção das músicas. Para “Leve Vazio”, ele nos enviou uma gravação de um paiá de chaves que gostamos tanto que usamos em “Leve” e “Vazio”, duas canções mais climáticas do disco. Tanto o Daniel Ribeiro quanto Ítalo Bruno são nossos parceiros de estrada. Para baratear os custos, quando temos shows aí em SP ou pelo Sudeste, eles nos acompanham. O Ribeiro tem um violão de “Grão a Grão” e nos enviou os arquivos e o Ítalo gravou a bateria de “Grão a Grão” e “Sol Negro” quando veio visitar a família em Maceió. Esse trabalho coletivo é o que motiva a gente, acho que as parcerias e as trocas que acontecem fazem a gente gostar mais de “fazer” do que de ter o produto “feito”
Muita gente considera 2020 um ano perdido, mas pra gente, que cobre música, é um ano sem shows, com muitas lives, mas também com muitos grandes discos. Sei que a sua expectativa para 2020 era outra (a de todos nós), mas o vírus está aí e não há muito o que fazer. Como você sente a produção cultural nesse período de pandemia?
Sem dúvida. Acreditamos que a ciência vai nos tirar desse buraco, mas a música nos ajuda a superar os dias e suportar o caminho. Nos meses de maior reclusão, algumas lives foram fundamentais para ajudar a driblar a ansiedade. No começo, os shows semanais do Ben Gibbard, do Death Cab For Cutie, e do Dave Bazan, do Pedro The Lion, foram um alento para tornar a quarentena mais leve. Rever o show do Radiohead no Brasil em 2018, a live do Jorge Drexler em estúdio e os shows do Chico César e do Wado + Mopho no Carambola online foram desses pontos altos da quarentena. Momentos que acredito que vamos lembrar por bastante tempo… Vários artistas que admiramos muito lançaram disco incríveis esse ano… Ouvimos bastante os lançamentos de Phoebe Bridgers, HAIM, Vivian Kuczynski, Fiona Apple, Lianne La Havas, AIYÉ… Muita coisa boa saiu esse ano e essa quarentena acabou potencializando a experiência de escuta de vários desses discos.
O que Marinho tem de planos para o futuro? Já deu pra esboçar alguma canção nova nesse período?
Uma coisa que nos organizamos e conseguimos fazer recentemente foi gravar um show de lançamento de “Leve Vazio”, que deveria ter rolado em março. Conseguimos fazer um show com o Teatro Deodoro vazio, tocando o disco na íntegra. Apenas a banda e uma equipe reduzida… A ideia era ter um registro dessas músicas ao vivo, ao mesmo tempo fazer um registro nosso desse 2020, que, sem dúvida, é um ano que a gente não vai esquecer.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina o blog Calmantes com Champagne