Soundtracks da Quarentena #01, por André Takeda
“The Whole of The Moon”, Kevin Devine
O que decidimos em nossas pequenas pausas é o que define a vida, ele pensou no exato momento em que fechava a porta do seu apartamento, assim de um jeito meio dramático de quem sabia que só poderia voltar a ter contato com o mundo exterior em uma, duas, quem sabe três semanas. Os quarenta e oito segundos entre uma tentativa e outra de caminhar quando somos bebês. Os vinte segundos encarando o portão da escola no primeiro dia de classe. Os dois minutos e cinco segundos de um passo para frente e dois para trás antes de falar com aquela garota que fez você sorrir sem nem sequer estar feliz. Os quinze segundos no vácuo com hálito de cerveja e bala de menta que dividiam você e o seu primeiro beijo. Os dois segundos entre um soluço e outro quando você vive uma perda de verdade, um coração partido, uma morte que chegou cedo demais, e, sem saber exatamente o motivo, consegue se levantar para seguir em frente. Como aquele bebê aprendendo a caminhar há décadas e décadas atrás quando ninguém pensava em pandemia. Sim, assim de um jeito meio dramático com seus pensamentos aleatórios, porém em ordem cronológica, ele se fechou em uma pausa fantasiada de quarentena forçada.
Foi então que ele lembrou de “The Whole of the Moon”, aquela velha canção dos Waterboys. Cheio de teorias ridículas sobre o mundo da música pop, acreditava seriamente que a pausa entre os versos “I wondered, I guessed and I tried” e “you just knew” eram os seis segundos mais bonitos da história do rock. Um mínimo silêncio que significa entrega, confissão, perdão, humildade, honestidade. Seis segundos de pausa para perceber que não existe beleza maior que admitir que alguém é naturalmente melhor que você. Foi então que sorriu, guardou as comidas congeladas no freezer, caminhou até o quarto, respirou fundo antes de beijar sua esposa, e sem saber se estava falando com ela ou com o mundo, disse em voz baixa: você, você simplesmente sabia.
Já escrevi várias soundtracks com “The Whole of the Moon” (como essa e essa). Este texto escrevi ouvindo a versão de Kevin Devine, que integra o “Kenny O’Brien & the O’Douls EP”, lançado em janeiro de 2020.
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André Takeda (siga @andretakeda) é autor dos livros “O Clube dos Corações Solitários” (2001), “Cassino Hotel” (2004) e “A Menina do Castelinho de Jóias” (2011). É colaborador de primeira hora do Scream & Yell (leia a série “Um Adolescente nos anos 80” na primeira versão do site) e já liberou para download no site a coletânea de textos “Ao Vivo” em PDF. Baixe aqui. Favorite a playlist “Soundtracks da Quarentena” no Spotify!