Entrevista por Leonardo Panço
“Eu sempre acordo mais feliz no dia que tenho show”, escreve o baixista carioca Melvin Ribeiro na introdução de seu primeiro livro, “Estrada” (2019), em que ele conta as histórias de suas aventuras em mil shows tocando em bandas por todo o Brasil e também por países como Estados Unidos, Europa, México e Argentina.
Fundador do Carbona, que segue na ativa depois de 20 anos e 10 CDs lançados, Melvin também participou dos Autoramas (onde gravou um disco, excursionou pela Europa e tocou no Rock in Rio), Los Hermanos (com quem fez um show em 2002 e rendeu um dos capítulos mais elogiados do livro), Acabou La Tequila, Wander Wildner e vários outros.
As histórias que colecionou com cada um desses artistas foram transformadas em capítulos do “Estrada”, onde ainda aproveitou para homenagear lugares marcantes da sua trajetória como o Empório e o Circo Voador no Rio, o Hangar 110 de São Paulo e até o CBGB de Nova York. O livro foi financiado por uma campanha de sucesso no Catarse, está chegando agora à 2ª edição e traz texto da orelha por Mauricio Valladares e introdução de Tom Leão.
Na conversa abaixo, Melvin, claro, fala sobre o livro, mas não só: conta como se aventurou na ilustração, fala da divisão de tarefas (que incluem ser DJ no Pan-Americano em Lima, DJ no Mundial Sub 17 no DF além de chefe de merchandising da tour do Los Hermanos e dos Tribalistas), de um vindouro romance e de sua carreira solo com o Melvin & os Inoxidáveis.
Em que momento você achou que tinha um livro, que deu aquele estalo?
O estalo deu quando eu ainda estava prestes a atingir a marca dos mil shows, quando dei um depoimento pro programa “Contos do Rock” do meu amigo Daniel Ferro e me liguei quantas histórias já tinha reunido pra contar. Achei que a marca me conferia uma relevância bacana, validava tudo o que vivi até ali. Comecei o livro escrevendo o índice com essas histórias, daí todo dia acordava e mergulhava em uma delas, revisando fotos da época ou pesquisando alguns dados online – até mesmo o placar do jogo de futebol que assisti com a banda num intervalo de turnê.
Você conseguiria fazer um top 3 de melhores e piores shows?
Não sei. Hoje em dia eu ando muito empolgado com a minha carreira solo, o Melvin & os Inoxidáveis, que começou no milésimo show. Mas os shows pós-milésimo não entram no livro. Teria que ter algum show do Carbona no Hangar, talvez o segundo, que foi a primeira vez que lotamos a casa. Mas todos shows lá foram mágicos. Acho que tocar no CBGB com o Hill Valleys e fazer um show no Los Hermanos na tour do “Bloco do Eu Sozinho” sempre vêm à mente. Mais difícil eleger os piores. Todo dia de show já começa melhor. Teve um do Carbona em Santa Maria (RS) que teve brigas no público o tempo todo e quase uma com a gente no final, e é o único que eu consigo pensar. Mas nem isso impede do show ter sido legal pra alguém que estava lá. E mesmo pra mim, na hora do palco, valeu. Mas o entorno foi complicadíssimo.
Você mesmo ilustrou o livro. Como é essa sua técnica de desenhar?
Ela é a total ausência de técnica hehehe. Eu comecei meio do nada, quando tentei desenhar um presente de aniversário pra minha namorada e achei que ia ser mais fácil do que foi. Eu dividia o apartamento com o Felipe Guga, que é uma celebridade hoje em dia, ficava vendo ele desenhar o dia todo e achei que alguma coisa eu conseguiria. Quase não deu. Mas depois, inspirado muito no Instagram do Chris Shary, que desenha todas as camisas do Descendents, eu comecei a tentar desenhar em cima de fotos de artistas. Eu curti bastante o resultado e resolvi fazer pro meu livro. No fim das contas cada desenho ilustrou um capitulo, e acho que isso deu uma unidade bem legal. Sigo aguardando convites.
Nos últimos meses você desempenhou mil tarefas para seguir na música: chefe de merchandising da tour do Los Hermanos, DJ no Pan-Americano em Lima, DJ no Mundial Sub 17 no DF, músico, o merch com os Tribalistas. Nem todos são arte, mas estão ao redor. Como fechar agenda para isso tudo?
É uma loucura, mas vai se encaixando de alguma forma. Durante alguns bons anos era o trampo de DJ que mais (e melhor) impactava, depois perdeu um pouco de força, mas entrei no musical do “Hedwig” e ficamos em cartaz um tempo. É maravilhoso que tanta coisa diferente apareça – e fiz e faço todas com muito gosto. Esse último semestre foi o mais difícil de conciliar, porque os convites pro Panamericano (e Parapan) e o Sub-17 surgiram um pouco em cima e me levaram pra fora do Rio (e do Brasil) por bastante tempo, e acabei marcando menos ensaios e shows das bandas.
Seu livro entrou nas banquinhas da tour dos Hermanos. Quão importante isso foi para esgotar a primeira tiragem?
Foi uma exposição muito bacana e o convite veio deles, o que me deixou muito feliz. Não dava muito tempo pra explicar o livro pras pessoas, mas ter um item chamado “livro do Melvin” na tabela de preços chamou a atenção de alguns. Também aproveitei as viagens e fiz o lançamento em Brasília num dia de folga, e em Vitória entreguei pro Mozine vender na Laja. Foi ótimo!
Qual foi a primeira tiragem e qual será a quantidade dessa segunda?
Foram 500 cópias da primeira prensagem, sendo que umas 180 já estavam pré-vendidas por conta da campanha no Catarse. A segunda agora vou fazer no mínimo 200, mas talvez aumente se até lá eu conseguir montar uma agenda legal das minhas bandas pra fora do Rio.
É verdade que você tem um romance inacabado? Um dia ele sai?
Sim! Foi minha primeira incursão nesse mundo. Acho que ele sai, não sei se no mesmo formato ou “remixado” em fragmentos em outra história. Depois do “Estrada” ficar pronto eu passei uns tempos cansado e também curtindo o lançamento. Acho que agora nesse clima todo de Ano Novo já dá vontade de retomar.
Seu EP solo vem sendo muito bem ouvido no Spotify com centenas de milhares de plays. Quase sem tocar ao vivo, como chegou a esses bons números?
Esse é um lado muito estranho pra quem começou nos anos 90. O único jeito de ser muito ouvido na época era gastar muita sola de sapato, marcar shows, mandar muita carta. Não sei dizer qual o equivalente numérico de um pro outro, mas em dado momento meu EP estava sendo mais ouvido que o Carbona, que sempre foi meu parâmetro. Então considero um êxito. E um êxito “descalço”, ou seja, sem gastar sola de sapato hehehe. O disco foi bem compartilhado e entrou em algumas playlists – e foi aparecendo em mais playlists a partir daí. Engraçado que eles escolheram “Coração Zumbi”, e eu tinha sugerido outras duas. A música que eu achava que seria um single segue sendo a menos tocada dele. A gente fez shows no Rio saindo um pouco do nosso círculo, como o Rock in Real no Ziembinski, o Lona Rock Sunday em Anchieta… uma banda nova, né? Mesmo o show na Baratos, que é mais nosso território, por ser abrindo pro Wander, chamou mais atenção.
Fale um pouco mais desse primeiro lançamento seu. Foram canções que amigos te enviaram, certo? Quem toca? Vai ter clipe novo?
Sim! Eu enrolava há séculos pra começar a cantar e liderar uma banda e compor, e achei que o milésimo show era o momento de fazer isso tudo, contando com a presença de quem já acompanhava as outras bandas por onde passei. Daí comecei a montar minha banda dos sonhos e segui me enrolando pra compor. Acabei pedindo inéditas pro pessoal que sou mais fã e veio uma leva maravilhosa: o gugabruno, que também topou ser o guitarrista, fez “Mil Vezes Mais”, sobre os mil shows. O Homobono me deu duas músicas e o Marcelinho e o Benjão do Do Amor entregaram uma excelente quase na hora do show. Agora acho que finalmente vão entrar umas minhas, mas antes disso tem duas mixando: “Remédios Falsos”, do Pinduca (prot(o)/maskavo roots) e “Eu Não Vou Mudar”, do Kassin. Os Inoxidáveis até aqui foram gugabruno (guitarra), marcelão de sá (baixo) e barba (bateria). Depois de três anos o Barba saiu, e o primeiro show depois foi com o Fred Castro. Eu não tenho pressa em fixar o próximo baterista, acho que vou vendo quem está disponível pra cada show. O Fred arrasou muito, mas o Raimundos tem uma agenda cheia. Inventamos ainda uma extensão que era a Orquestra Inoxidável, que tocou o “Bora Bora” do Paralamas na íntegra, e aí eram duas baterias (fred e barba), teclados (o Fabrizio, que gravou o EP com a gente), toaster (o Homobono) e metais (Magdaleno, Fernando e Marco). A gente quer repetir a dose dessa formação, seja em outro show, seja numa gravação própria, seja encorpando os Inoxidáveis. O futuro dirá. E clipe preciso fazer algo pro “Remédios Falsos”. Na época que estava mixando o EP vi uma entrevista do Beastie Boys no Youtube onde o Ad Rock falava candidamente sobre como achava óbvio que toda banda produzisse seus beats, suas capas e seus clipes. Só aí me liguei que podia (e devia!) meter ainda mais a mão. Tenho trabalhado nas capas e editei o clipe de “Mil Vezes Mais” sozinho. Acho que vou produzir muita coisa sozinho ainda. E espero que com grandes parceiros também!
Pouquíssimas pessoas anotam todos os shows quem que tocaram. Como foi pensar nisso desde o primeiro dia?
Eu era louco por aquelas camisas de banda com datas e itinerários de turnê. Aí ficava na agenda do colégio desenhando umas camisas assim, e anotando meus primeiros shows. Na época até o instrumento que usei e quem tocou junto. Quando vi meu primeiro computador na frente, passei essa lista a limpo e segui atualizando. O Carbona surgiu no fim de 97 e fez mais de 50 shows no primeiro ano. Também no segundo. Aí passei a achar que poderia chegar nessa marca dos mil. Mais adiante, com Google Agenda, tudo ficou muito fácil. Era só revisar todo ano os shows que fiz e acrescentar.
Você tinha um critério para decidir o que era um show ou não. Tipo o Romário contou tudo para chegar aos mil gols. Explica como foi.
Tive, e gasto duas páginas do livro explicando direitinho. Especialmente porque canja e participação especial não entram. Eu só pisei no palco do Circo Voador antigo pra tocar guitarra em duas músicas do Funk Fuckers, e também pra cantar uma música do Cabeça. Foi maravilhoso, mas não foi show. Também ficava fazendo o backing “oi-oi-oi” de “Descoberta” em todos os shows do Hermanos que eu ia, e eu ia em todos. Não é show. Em compensação, mesmo aquele show que deu dez pessoas, ou cinco, sei lá, conta. Mas ensaio, mesmo que tenha ido mais gente que isso, não. E assim vai.
O que vem agora? Tocar no carnaval, disco, Carbona, livro, campeonatos, turnês…
Vem o single de “Remédios Falsos” do Melvin & os Inoxidáveis. Vem lançamento do livro em SP. Carbona não sei, mas lançamos nosso melhor disco ano passado, o “Vingue no Ringue”, queria prensá-lo e tocar algumas datas. Junto com a segunda edição do livro sai também um zine que tá lindão e traz textos que não entraram. É uma recompensa pra quem comprou no Catarse, mas vou fazer uns a mais e vender nos shows. Zine é demais, deu vontade de fazer outros. Agora no Carnaval eu toco em dois blocos, o Monobloco e o Empolga às 9, que são duas paixões antigas que nunca larguei. Acho que tá longe de ficar pronto um novo livro. E gravar mais algo com o Inoxidáveis, ou outro EP ou um discão inteiro. Quero muito.
– Leonardo Panço (https://leonardopanco.bandcamp.com/) é um homem multitarefas: desde o começo dos anos 90 que ele atua em diversas frentes culturais seja tocando em bandas e gravando discos (Soutien Xiita e Jason), seja escrevendo livros (“Jason 2001: uma odisseia na Europa”, “Esporro” e “Caras Dessa Idade Não Leem Manuais”), seja lançando artistas pelo selo Tamborete (com destaque para Gangrena Gasosa e Zumbi do Mato) (continue lendo). A foto que abre o texto é de Andre Olive.