entrevista por Bruno Lisboa
O nome de Beto Mejía é comumente associado ao Móveis Coloniais de Acaju, badalado grupo brasiliense do no qual Beto tocava flauta transversal e era um dos compositores e que fez história no cenário nacional dos anos 2000 com três álbuns de estúdio e apresentações avassaladoras Brasil à fora. Após 18 anos de bons serviços prestados, o coletivo anunciou uma pausa na carreira em 2016.
Porém, antes mesmo do fim das atividades do Móveis, Mejía já havia se aventurado em formato solo com o EP “Abraço” (2012). De lá para cá o músico lançou o álbum “Wayhoob” (2016) e agora, em 2019, se aventurou pela primeira vez no universo infantil com “Onde o Infinito é Som“.
Produzido pelo próprio músico em parceria com Rodrigo Ramos e Gustavo Dreher, neste novo trabalho Beto explora diversas matizes musicais (do baião ao rock) e problematiza nas letras temas pertinentes à contemporaneidade como sustentabilidade, a infância e a diversidade. Nas alas das participações temos as presenças especiais de André Abujamra, André González (colega do Móveis), Ellen Oléria, Maurício Pereira e o duo Mundo Aflora.
Na conversa abaixo, Beto fala sobre o processo de composição do disco, a sua relação com o universo musical, a receptividade do novo trabalho, o caráter multimídia da obra (livro/show), inspirações, participações especiais, a importância da musicalização para crianças, paternidade e o Brasil de tempos nebulosos onde o absurdo discurso do trabalho infantil feito pelo presidente é validado por uma parcela da sociedade. Confira abaixo!
“Onde o Infinito é Som” é a sua primeira imersão no universo infantil. Como foi o processo de criação do álbum?
O álbum demorou cerca de 5 anos até sua finalização. Quase foi um projeto do Móveis. Mas acabou ficando de lado. Minha filha nasceu e daí a paternidade me pegou de jeito. Fazer o disco foi uma coisa incrível. Um processo de conexão e reconhecimento da energia e criança que todo mundo tem. Além disso, como compositor, foi um lugar onde me encontrei desde que minha filha está conosco. O disco sai de um momento muito mais contemplativo dessa vivência inicial de vida. Entender e compreender a infância de um ponto de vista paterno, musical e social é extremamente desafiador. O disco vem pra ajudar a me compreender e ajudar outros pais e famílias a proporem afeto a seus filhos e crianças que os rodeiam.
Musicalmente no álbum você dialoga com diversas matizes musicais, indo do baião ao rock. Como se deu a sua relação com a música?
Foram alguns anos de pesquisa mesmo… ouvindo música dita infantil para compreender a linguagem. No fim, a estética pode ser infinita, mas a textualidade tem que ter muita responsabilidade e nexo. Esse foi o grande desafio pra mim. E a gente sabe que pra musicalizar a criançada, quanto mais diversidade, melhor. Por isso, nada mais interessante que buscar nossas origens musicais brasileiras. Tem coisa que não acaba mais.
Neste novo trabalho, para além de abordar, didaticamente, o universo da música você traz à tona questões ligadas a sustentabilidade, a infância e a diversidade. Acredito que ao abordar estes temas você dá a sua contribuição para a formação de um mundo melhor. Mas por um outro vivemos tempos nebulosos onde muitas pessoas insistem em reafirmar ideias ultrapassadas. Nesse sentido, como tem sido a receptividade do público?
A criança é um espelho do que observa. Se a gente trata com carinho e respeito, ela se comporta da mesma maneira. Ver a criançada recebendo canções que ela pode brincar e interagir com discurso positivo é realmente transformador. Nosso papel como artista e educador é esse… continuar mostrando e sensibilizando com conteúdo que divirta, transforme e eduque com autonomia e diversidade. A gente tem essa obrigação, né? É como tenho percebido que posso ajudar a vivermos nesse mundo tão nebuloso como você disse…
O projeto deste disco tem caráter multimídia, pois além de ter virado espetáculo teatral também ganhará versão livro em outubro deste ano. Como se deu o diálogo e a transposição para estes formatos?
Na realidade, não tem formato teatral… tem sim um show brincante e um livro pra sair até outubro. A correlação entre eles foi meio que natural… vendo como cada conteúdo poderia sensibilizar dentro do seu limite e como cada ferramenta poderia gerar afeto. No fim, tudo é arte e tudo funciona quando você propõe a ação, seja musica, literatura ou o show!
A música popular brasileira é rica em opções direcionadas ao público infantil. De onde se originou sua fonte de inspiração para este formato?
A concepção inicial do projeto se deu depois de revisitar o Saltimbancos e a Arca de Noé. Cresci ouvindo esses discos. Revisitar e reviver as canções foi demais. Gostaria que as canções desse disco tivessem esse mesmo impacto emocional… que as famílias daqui a alguns anos se encontrassem e ouvissem num almoço de domingo as canções do meu disco. Que possibilitasse conexão, amor e empatia.
O disco é cheio de participações especiais. Como funcionou o processo de seleção dos convidados e quais contribuições eles trouxeram para o resultado final?
Quando compus as músicas, eu já ouvia cada voz dos convidados nas canções. Ter o Abu e o Mauricio no projeto foi um sonho mesmo. Ter a pressão e força da Ellen é coisa divina. Uma das músicas que o André Gonzales canta já tinha toda a vibe soul que ele faz muito bem… E ainda, contar com a delicadeza do Mundo Aflora foi impressionante. Cada um como sua potência. Cada um com sua voz e alcance. Lindo.
Você também atua como educador musical. Hoje em dia é cada vez mais comum ver crianças frequentando aulas de musicalização. O que a música pode trazer de positivo para a formação desta molecada?
Pra mim, o maior benefício que a musicalização pode trazer é apresentar conceitos de valores morais que se vivem na prática, como escuta social, compartilhamento e trabalho em grupo e empatia. É muito mais que somente música. É educação pra vida e pra criação de uma sociedade mais diversa e melhor.
Como pai de duas crianças vejo que a paternidade é uma das maiores realizações da vida. Como tem sido esta experiência para você?
Cara… tem sido a mais incrível experiência da todas. Realmente transformadora.
Em tempos onde o presidente do Brasil fala abertamente sobre trabalho infantil, validando-o sob o discurso que esse trabalho “dignifica o homem e a mulher”, e acaba por encontrar (assustadoramente) uma boa parcela da sociedade concordando com ele, qual será o futuro desta nova geração?
Realmente torço para que anos de luta em direitos humanos sejam legitimados na prática. Na minha visão, aceito e vejo que o trabalho de um educador é um trabalho de trincheira. A batalha tá acontecendo e não tem como parar. Se você para, esse tipo de pensamento absurdo ganha mais força e cresce mais. Não podemos nunca desistir. Que o futuro dessas gerações seja diferente desse discurso asqueroso. Continuamos na luta e com esperança.
– Bruno Lisboa é redator/colunista do O Poder do Resumão. Escreve no Scream & Yell desde 2014. A foto que abre o texto é de Calu Corazzi / Divulgação