Texto por Renan Guerra
Fotos por Fernando Yokota
Rakta e Deafkids são duas das bandas mais interessantes da atualidade. De carreiras quase co-irmãs, as duas formações surgiram em meados do início desta década lançando seus álbuns de maneira independente, apostando no formato físico e em shows catárticos. De lá pra cá, as duas já tiveram diferentes intersecções, sendo a última delas uma longa turnê pela Europa. Dessa parceria surgiu o compacto “Forma/Sigilo”, lançado em show conjunto com os dois trios ao mesmo tempo no palco do Sesc Pompeia, em São Paulo.
Além do compacto, as duas bandas lançaram trabalhos novos em 2019 – e os dois discos, inclusive, são os únicos brasileiros a aparecerem na lista de 100 melhores do ano até o momento da The Quietus. O Rakta é dono do ritualístico “Falha Comum”, disco que marcou a entrada do baterista e percussionista Maurício Takara (que se firmou na banda após a mudança de Nathalia Viccari para Buenos Aires) ao lado de Carla Boregas (baixo e eletrônicos) e Paula Rebellato (sintetizador e voz). Já os Deafkids lançou o barulhento “Metaprogramação”.
As duas bandas têm universos que se comunicam: o punk, o industrial, o jazz, as improvisações, a experimentação sonora. Juntos, é como se esses universos quebradiços se colidissem e tudo ficasse ainda mais estilhaçado. O EP “Forma/Sigilo” foi lançado em vinil de 7 polegadas pela Nada Nada Discos e Dama da Noite Discos e já delineava o tom do que seria esse encontro ao vivo, com uma mistura complexa e barulhenta de sons e gêneros, porém uma hora e 20 minutos de show foram até pouco para a intensidade do que se viu no palco.
As bandas tocaram as duas canções do novo EP, mas também passearam pelo universo dos dois recentes álbuns, com as climáticas canções de “Falha Comum”, do Rakta e a potência noise das faixas de “Metaprogramação”, do Deafkids, soando intensas na Comedoria do Sesc Pompeia. Com som altíssimo, o show potencializa os jogos sonoros dos dois grupos, com as integrantes do Rakta tocando suas distorções ladeadas pelos instrumentos dos Deafkids, que acrescidos das possibilidades de percussão, criaram o clima de ritual pagão para o show.
Existe uma eterna discussão há boas décadas sobre um moribundo rock: morreu ou não morreu? Toda semana algum meio busca colocar qualquer banda com baixo-guitarra-bateria como a nova salvação do rock e de seus três acordes. O encontro de Rakta e Deafkids no palco é quase como uma prova cabal de que essa discussão é datada: os seis músicos reunidos no palco emanam uma energia punk muito mais forte que a maioria das bandas de rock da atualidade e pelo simples fato de que não há qualquer intenção de ser por si só rock.
Jazz, música brasileira, música tribal, noise, música eletrônica e tantas outras tags possíveis se amalgamam numa criação que é muito sensorial e, por isso mesmo, tão forte. Esqueçam essa busca básica por definições, Rakta e Deafkids, juntos ou separados, vem pra confundir, para pensar possibilidades de futuro e colocar abaixo as possibilidades de gênero musical. Ouçam “Forma/Sigilo”, “Falha Comum” e “Metaprogramação” com a atenção devida e, se possível, não percam o próximo encontro incendiário dessas duas bandas! Vale muito a pena.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/