Texto por Bruno Capelas
Fotos de Carol Mendonça
A despeito da fase de bonança vivida pelo Brasil no que diz respeito a shows de artistas estrangeiros na última década, ainda há uma série de bandas e cantores que tocam insistentemente nas rádios locais e, mesmo assim, nunca colocaram seus pés por aqui. Na última terça-feira, 11 de junho, em plena prévia de Dia dos Namorados, a dupla americana Hall & Oates teve a chance de sair dessa incômoda lista ao pousar em São Paulo após mais de quatro décadas de carreira. No palco do Espaço das Américas, ao longo de uma hora e meia de show, foi possível entender ao vivo porque o duo é o favorito da Alpha FM e outras estações de nostalgia easy listening, sempre nas mais tocadas em consultórios de dentista e táxis pelo país afora. Mais: é um entendimento que vale para o bem e para o mal.
Isso porque a dupla não teve vergonha de trazer a São Paulo uma série de hits românticos, quase bregas, em plena prévia do Dia dos Namorados. Afinal, quem abre um show com “Maneater” não tem muito medo da reação do público de cerca de 6 mil pessoas – formado, em sua maioria, por uma curiosa distribuição de tiozões e hipsters, alguns até ocupando as duas categorias ao mesmo tempo. No entanto, havia algo na sonoridade sofisticada (alguns diriam “até demais”) da dupla que impedia a plateia de entrar em combustão com refrães pop, um dos materiais mais explosivos que existe.
Talvez porque tenha faltado química entre artistas e espectadores: John Oates, munido de seu simbólico bigode, tem uma presença quase discreta, fazendo solos de guitarra ou entrando no coro com a banda. Daryl Hall, que brilha um pouco mais, aparece mais pela timidez do que qualquer coisa: ele assume os vocais em quase todas as canções, varia entre teclados, piano e guitarra, mas pouco diz além de falar que está empolgado em tocar no Brasil pela primeira vez. Além disso, se encantam e grudam na cabeça, os refrães da dupla nem sempre são fáceis de se acompanhar ao vivo, com as mãozinhas pro alto e fazendo um “lá lá lá”. É algo que atrapalha bonitas canções, como “Out of Touch” ou “She’s Gone”, por exemplo.
Em outros momentos, o que afeta o som da dupla é mesmo a qualidade do áudio no Espaço das Américas, apresentando problemas como há tempos não se via na casa da Barra Funda. Faltou de tudo: da equalização que permitisse aos pratos da bateria terem o impacto devido, passando por white noise nas caixas em várias músicas. Até uma incômoda microfonia deu suas caras, durante a releitura em papel carbono de “You’ve Lost that Lovin’ Feelin’”, alguns furos abaixo das versões dos Righteous Brothers, Elvis Presley ou até mesmo outro campeão das FMs – Johnny Rivers.
O mesmo, porém, não se pode dizer da competentíssima banda que acompanhava o conjunto – em especial, pelo versátil Charlie DeChant, misto de flautista, saxofonista e homem dos figurinos maravilhosos, trajando um portentoso blazer dourado. Ele é quem brilha (literalmente) em diversos momentos, como na música que fecha o set inicial com classe e alguma faísca do público: “I Can’t Go For That (No Can Do)”. Depois de algum tempo em temperatura morna (ou até gelada, no caso de “Is It a Star”, única canção cantada por Oates), ali a platéia pega fogo, a ponto de que o retorno para o bis ensaiado parece até espontâneo.
É no bis que Daryl Hall e John Oates fazem valer, finalmente, o ingresso. Ali, sem sofrer (tanto) com o som do Espaço das Américas, eles disparam quatro petardos rumo ao público – e quem é diplomado na escola da música pop sabe: “não se pode brigar com um hit”. Primeiro, veio “Rich Girl” e sua carinha de power pop, seguida pela canção que todo mundo queria cantar para o crush depois da meia-noite: “Kiss On My List”. Na sequência, em uma semana marcada por investigações e ‘vazamentos’, “Private Eyes” fez a festa dos presentes em uma só voz, como se o País não estivesse dividido pelos usuários do Telegram ou do WhatsApp.
Para fechar, “You Make My Dreams” botou todo mundo para dançar como se o Espaço das Américas estivesse em uma cena de “(500) Dias Com Ela” – o filme de Marc Webb, lançado em 2008, foi provavelmente o grande responsável pelos raros presentes abaixo dos 25 anos. A canção é ainda um exemplo do pop perfeito cometido pelo duo, uma banana split em formato de música, mesmo com certa glicose a mais como cobertura. Também serve como ótima metáfora de como foi a noite em São Paulo: um show morno, entre momentos frios e mordidas deliciosas, em que foi possível esquecer por alguns instantes o que se passava no mundo lá fora.
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista do Estadão. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.