Texto por Renan Guerra
Em 25 de julho de 1985, o ator Rock Hudson veio a público contar que tinha AIDS. Ele era a primeira grande estrela de Hollywood a contar o fato na mídia, e acabou falecendo em outubro daquele mesmo ano. Em dezembro de 1985, o jornal LA Times fez uma pesquisa com seus leitores e a maioria dos americanos era a favor de que os pacientes com AIDS ficassem em quarentena, separados da sociedade. É no Natal desse ano que o novo filme de Yen Tan se situa.
O jovem Adrian mora em Nova York e não visitava a família há mais de 3 anos, quando decide retornar ao Texas para um último Natal ao lado da mãe, do pai e do irmão mais novo. Essa visita é determinada pelo diagnostico de AIDS que Adrian recebeu, uma espécie de sentença de morte. Durante quase uma hora e meia de filme, a palavra AIDS e a palavra gay nunca são ditas, elas ficam sempre subentendidas, à margem, nas beiradas. É nesse cenário de obscurantismo religioso, preconceito e medo que o filme cria um pequeno e triste conto que foi parte da realidade de inúmeras pessoas nas décadas de 80 e 90.
Com fotografia escura em preto e branco, “O Ano de 1985” não surpreende por ser inovador ou criativo, pois ele recai em histórias que já vimos algumas vezes (especialmente na vida real): a família religiosa e sua quase incomunicabilidade, o jovem gay que foge em busca de liberdade na cidade grande e a busca da arte como subterfúgio de compreensão, entre outros. O diferencial desse filme é a delicadeza e a sinceridade com que todos esses temas são tratados na mão do diretor e roteirista Yen Tan. Yen nasceu na Malásia e emigrou para os Estados Unidos aos 19 anos, lá se estabelecendo como um importante diretor do cinema queer independente americano, assinando longas como “Ciao” (2008) e “Pit Stop” (2013), porém é com este lançamento que ele se mostra mais coeso e seguro.
O ator Coryn Michael Smith (famoso pela série de TV “Gotham”) é também o produtor executivo do filme e saiu do armário publicamente durante as entrevistas de divulgação do longa. Coryn é responsável por dar vida a Adrian, em toda a sua idiossincrasia: o personagem retorna para a família, mas as questões cruciais que o atormentam sempre ficam trancadas, as palavras faltam, são os pequenos detalhes que criam um cenário desolador e quase sufocante.
O religioso pai, um veterano do Vietnã, é interpretado por Michael Chiklis (“Gotham” e “The Shield”), já a mãe, uma dona de casa que assume para o filho que não votou no republicano Reagan, é interpretada magistralmente por Virgina Madsen (indicada ao Oscar de atriz coadjuvante em 2004 pelo excelente “Sideways – Entre Umas e Outras”). Há ainda no filme uma antiga namorada de Adrian, Carly (Jamie Chung), que será um ponto de tensão e apoio para o personagem. De todo modo, a mais forte das relações estabelecidas no filme é de Adrian com seu irmão mais novo (Aidan Langford), que sofre com a repressão do pai. As conversas dos irmãos sobre música, amadurecimento e família são delicados momentos, que fazem o coração apertar; é quase impossível passar incólume pela cena que o irmão mais velho apresenta The Cure e R.E.M. para o mais novo em uma loja de discos.
“O Ano de 1985” foca em um espectro complexo da epidemia da AIDS: a relação desses pacientes com sua família. É como se aqui víssemos um daqueles personagens de “Meu Querido Companheiro” (Norman René, 1989) alguns dias longe de seus amigos e tentando, de alguma forma, comunicar o seu medo e seu drama para a sua família. Até hoje é comum que a comunidade LGBT precise formar a sua família de outras formas, criando laços que não sejam necessariamente os de sangue e, nesse sentido, o filme Yen Tan faz o caminho oposto, é Adrian tentando resgatar seus laços sanguíneos perdidos pelo medo e pelo preconceito.
O longa de Yen Tan é bastante singelo e pontual, diferindo das produções que têm surgido recentemente sobre a AIDS, como o multifacetado “The Normal Heart” (Ryan Murphy, 2014) e o excelente “120 Batimentos por Minuto” (Robin Campillo, 2018), filmes que mostram a complexidade da luta por saúde e dignidade perante a doença e, também, como a comunidade LGBT se uniu para enfrentar o preconceito. Em contraponto, “O Ano de 1985” é sobre aqueles medos que precisam ser enfrentados sozinhos, sobre encarar o passado e sobre a busca de compreensão. Por isso mesmo, esse delicado longa serve como um olhar pontual e pessoal sobre uma doença tão complexa, que precisa ser debatida e repensada ainda hoje.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o site A Escotilha.