Resenhas por Renan Guerra
“Still On My Mind”, Dido (BMG)
Dido vem ao Brasil pela primeira vez em 2019 para apresentar seu quinto disco de estúdio, “Still On My Mind”, sucessor do bom “Girl Who Got Away”, de 2013. Aqui no Brasil, Dido pode parecer uma espécie de one-hit-wonder da virada do século, mas, em mais de 20 anos de carreira, ela desenvolveu um trabalho sólido e de grande sucesso na Inglaterra, construindo em torno de si um universo muito próprio dentro do pop, que foge dos estigmas mais usuais do mercado. O novo trabalho da britânica ainda traz muitos ecos da música pop de outros tempos, como o trip-hop da virada do século ou aquele cenário meio Everything But The Girl, porém em “Still On My Mind” essas coisas surgem renovadas, modernizadas, sem que pareça um amontoado empoeirado lá de 1999 – somam-se a isso referências de hip-hop, electropop e até new age. Passeando por canções mais lentas e outras incursões mais dançantes, esse novo disco mostra uma Dido mais madura, versando de amor e criando universos que envolvem e acalentam o ouvinte – vale se atentar para os singles “Hurricane” e “Give You Up”, bem como para a faixa “Take You Home”, de batidas eletrônicas pronta para a pista. O disco foi produzido por Dido ao lado de seu irmão, Rollo Armstrong, parceiro habitual de trabalho; além disso, Dido assina todas as composições, com colaborações de Ryan Laubscher, Guy Sigsworth, Rick Nowels e Aqualung. “Still On My Mind” é curto, seguro e direto, mostrando uma artista consciente de seu universo particular e que não busca surfar na onda da estação. Vale ser ouvido com atenção.
Nota: 7,5
“When We All Fall Asleep, Where Do We Go?”, Billie Eilish (Darkroom/Instercope)
É até curioso pensar que estamos analisando aqui um álbum de uma artista nascida depois do 11 de setembro: a norte-americana Billie Eilish tem apenas 17 anos e trabalha com música desde 2015. Ela estourou no SoundCloud em 2016 e acabou assinando contrato com a Insterscope. Seu disco de estreia, “When We All Fall Asleep, Where Do We Go?” chega depois que ela já conquistou um séquito de jovens fãs, já emplacou música em trilhas sonoras e já causou burburinhos por suas escolhas fashion de gosto curioso. Esse primeiro álbum agrupa diferentes facetas de Billie que já eram apontadas em seus singles: uma produção distinta, algo entre o pop e o trap, e um olhar bastante próprio sobre dramas usuais da juventude. “When We All…” parece que foi inteiramente produzido e mixado de dentro de um carro tunado daqueles de “Velozes e Furiosos” e entenda isso não como algo negativo, mas sim curioso: o som de Billie parece quebradiço, ora o áudio parece estourar para logo em seguida parecer distante, lânguido – isso pode explicar o fato de que o disco dela virou uma febre entre os fãs de vídeos de ASMR. Essa produção curiosa, que traz a barulheira do trap (e ecos do dubstep) para o pop, é o que há de mais interessante em Eilish, tanto que os momentos mais agressivos e pulsantes são o ponto alto de seu disco. A jovem compositora versa sobre a juventude, os dramas adolescentes com um olhar bastante dramático (quase over em alguns momentos), algo que lembra o início da carreira de Lorde: jovens meninas brancas mostrando suas esquisitices. Esse universo todo parece não funcionar tão bem quando Billie assume um lado mais introspectivo, flertando com as baladas românticas, sendo “xanny” a única boa exceção nesse sentido. Porém a artista é certeira quando assume sua bizarrice em momentos fortes, por isso mesmo faixas como “bad guy”, “wish you were gay” e “bury a friend” são singles poderosos, que apontam caminhos novos para o pop do futuro. “When We Fall…” não é um álbum extremamente coeso, mas é um ponto que nos diz que devemos ficar bem atentos a Billie.
Nota: 8
“On The Line”, Jenny Lewis (Capitol Records)
Jenny Lewis não é nenhuma novata: cresceu como atriz mirim na TV americana, trabalhou durante anos à frente do Rilo Kiley, lançou um excelente disco na superbanda indie feminina Nice as Fuck, colaborou com o Postal Service e tem três discos em carreira solo. “On The Line” é seu quarto disco solo e, certamente, seu trabalho mais bem estabelecido, em que Lewis soa mais madura, conseguindo conciliar todas as suas experiências anteriores e mostrando a sua mão forte de compositora. Produzido por Jenny ao lado de Beck (que ainda participa de três canções) e Shawn Everett, o disco também tem o auxílio de Ryan Adams, artista que recentemente foi acusado de conduta sexual inadequada por diversas mulheres, incluindo sua ex-esposa Mandy Moore; sobre isso, Jenny se disse extremamente triste e que odeia o fato de ter Ryan em seu disco, mas que ela não pode reescrever o passado. De todo modo, a presença de Ryan em partes da produção não ofusca a grande dona desse trabalho, pois todos os nomes masculinos que colaboram e auxiliam na formatação do disco apenas criam o cenário para que a artista se sobrepuje e mostre seu trabalho mais consistente, em que ela demonstra um domínio amplo do country, do folk, do pop e do rock, criando um amálgama cativante desses gêneros. Canções como “Heads Gonna Roll” (que traz Ringo Starr na bateria, único momento do disco em que o lendário Jim Keltner deixa o banquinho), “Do Si Do” e “Wasted Youth” apresentam uma compositora cuidadosa, que cria canções com um olhar sincero sobre as relações humanas, a própria música e a vida. Isso tudo é latente na dolorosa “Dogwood”, uma balada sobre um relacionamento abusivo, cantado de forma quase mínima. “On The Line” é o ponto alto de uma carreira complexa e multiforme, que mostra que a maturidade só tem favorecido Jenny Lewis, tanto que desde já podemos classificar esse como um dos grandes discos do ano.
Nota: 9,5
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o site A Escotilha.