entrevista por Homero Pivotto Jr.
A razão para o título do mais recente lançamento do Vader ser “Dark Age” (idade da treva, em tradução livre) tem a ver com direitos autorais. No entanto, o próprio líder da banda, Piotr “Peter” Wiwczarek, sabe que é praticamente impossível dissociar um nome como esse dos tempos em que vivemos. Religião, guerra e estupidez humana — temas recorrentes nas composições do quarteto — reforçam tal percepção.
Formado na Olsztyn, na Polônia, em 1983, com nome inspirado no grande vilão de “Guerra nas Estrelas”, o Vader começou praticando heavy e speed metal tradicionais, mas, com o tempo, enveredou pelo thrash metal “extremo”, desembocando no death metal. Da formação original apenas Piotr permanece na banda – Marek “Spider” Paj?k (guitarra) entrou em 2010 enquanto a cozinha de Tomasz “Hal” Halicki (baixo) e James Stewart (bateria) data de 2011.
12º álbum da banda, “Dark Age” foi lançado em 2017 e a base dos shows que o Vader fará na América Latina no mês de maio passando por Montevideo, Buenos Aires, Santa Cruz de La Sierra, Santiago, Concepcion, Temuco, Bogotá e Quito. A turnê começa no Brasil: dia 18 de maio, o quarteto polonês baixa em Porto Alegre para um show no Opinião; no dia seguinte, 19 de maio, eles levam seu death metal para o Manifesto Bar, em São Paulo. Confira o bate papo!
“Dark Age” (2017) é o nome do último lançamento do Vader — uma coletânea com regravações do disco de estreia “The Ultimate Incantation” (1992). E o título se encaixa perfeitamente no tempo em que vivemos. Houve algum evento em específico que o levou a escolher essa expressão para batizar o álbum?
O título é muito apropriado ao nosso momento atual, de fato. Porém, a razão para termos escolhido esse nome foi outra. Queríamos fazer uma reedição do nosso debut, mas a Earache Records (gravadora que detém os direitos da obra) não queria deixar. Mesmo que fosse uma tiragem bem limitada. Estávamos prontos para pagar o dobro e licenciar o material ou encontrar outra solução. Tudo em vão. O único jeito de celebrarmos os 25 anos de “The Ultimate Incantation” foi regravando-o, dando um nome diferente e fazendo outra capa. E foi o que fizemos.
Mesmo que o título não seja especificamente um reflexo dos dias atuais, é impossível não fazer relação com isso. Logo, você pensa que há uma luz que possa nos guiar por essa era da escuridão? Ou, como previu o Terrorizer ao batizar seu segundo disco: “darker days ahead” (dias mais trevosos pela frente, em tradução livre)?
O mundo, como sabemos, está há tempos sem uma grande encrenca. Há conflitos, claro, em diversas partes do globo. Contudo, nada muito espetacular ocorrendo na Europa ou na América do Norte. As novas gerações não têm ideia de o que é uma guerra real e as mortes que ela provoca. O que está acontecendo agora na Europa vai levar a outra guerra mundial se as pessoas não pararem de seguir políticos estúpidos e gananciosos. Nos anos 1990, nós acabamos com diversas fronteiras. Com isso, cidadãos de vários países puderam conhecer o continente e nações que foram oponentes 50 anos antes. Muitos têm tentado (e conseguido) curar velhas feridas. Mas seus filhos estão querendo abri-las novamente, e isso é realmente idiota e perigoso. Depois que o fogo começa, não há como retroceder. E a era da treva vai comandar o mundo.
O tema das letras do Vader não é apenas antirreligião, mas esse assunto é frequente na discografia da banda. O quanto você acha que a religião influencia uma sociedade que caminha pela era da treva?
A religião carrega as ideias mais envenenadas da humanidade. Bem ao contrário das suposições. Não tem nada a ver com a crença das pessoas, mas usar isso para lucrar. Essa é a principal razão pela qual odeio política e escrevo tanto sobre isso em minhas letras. Respeito quem tem crença, pessoas que escolhem um poder supremo, que cria e destrói tudo aquilo que chamamos de vida. Isso é uma opção pessoal e deve ser respeitada nesse sentido. Como era o cristianismo, o judaísmo e o islamismo. Obrigar as pessoas a ter uma única verdade e ameaçá-las para isso é muito ruim. É esse tipo de situação que conduz à guerra em nome de ‘Deus’, que nada mais é do que dizimar e invadir. A religião está ficando mais forte atualmente porque fiéis cegos encontraram uma boa razão para eliminar todos os inimigos de seu Deus.
Ser de um país que já deu ao mundo um Papa (João Paulo II) fez com que você aprendesse a lidar com a questão religiosa cedo? Quando se deu conta de que o lance de ‘obedeça’, ‘faça isso, faça aquilo’ era algo prejudicial à humanidade?
Essa é a razão pela qual escolhi o cristianismo como o ideário mais nocivo do mundo. Eu conheço isso desde criança. A religião é o grande problema da Polônia atualmente. O que escrevo nas letras é uma opinião geral sobre a religião em si.
Outro tema comum na parte lírica do Vader é a guerra. Questão com a qual a Polônia também teve mais proximidade do que muitos países — considerando que a invasão do seu país foi o estopim para Segunda Guerra Mundial, por exemplo. Falando como alguém que esteve sempre tão perto do assunto, o quão longe acredita que estamos de um novo conflito mundial e qual o reflexo disso nas letras?
O problema é que o povo polonês vive das lendas criadas pela propaganda ou por filmes como “Corações de Ferro” (2014), no qual o que é retratado (embora bem feito) é diferente da realidade da guerra. E isso é uma tendência mundial hoje em dia. Apenas preste a atenção e vai perceber o que estou falando. É clara a intenção de reconstruir fronteiras. Logo, aparecem assuntos mal resolvidos no passado e os antagonismos disso. Políticos ganham dinheiro com o ódio. Sempre! É por isso que política e religião mantêm as pessoas longe da educação. É muito mais fácil manipular e controlar quem não tem conhecimento. Triste, mas verdade. A força faz sentido, mas só se conectada ao cérebro. Se é que você me entende…
A atual turnê celebra os 25 anos de lançamento do disco de estreia “The Ultimate Incantation”. Sabemos que a indústria da música mudou bastante durante este quarto de século, mas como isso afeta diretamente o cenário da música extrema?
Mesma situação de qualquer outro ‘negócio’ que envolva arte. Em vez de ajudar e desenvolver, o viés escolhido foi o comercialismo, a corrupção, a falta de conexão emocional etc. Temos mais bandas e menos paixão. Mais nomes, menos qualidade na música. As pessoas tocam melhor seus instrumentos, mas não conseguem criar as próprias composições. Apenas compare os anos 1980 e a década atual do século XXI. Não se trata apenas de uma opinião subjetiva, é drasticamente visível. Pelo menos existem algumas bandas boas tocando hoje em dia, e isso é esperança para mim e para quem pensa da mesma forma. Há quem faça seu som e não dê a mínima para o lado comercial. Power Trip, Hellbringer, Decapitated, Evile… apenas para citar algumas.
O lançamento mais recente traz as mesmas músicas do disco de estreia. Por que refazer isso? Havia algo que não gostava no jeito que as faixas soavam?
A decisão da Earache (de não liberar o lançamento) nos forçou a fazer isso. Além disso, nunca gostei da sonoridade do nosso debut. Estávamos em um estúdio profissional pela primeira vez e não tínhamos nosso equipamento. Guitarras, pedais… era tudo alugado. Não havia tempo para experimentar ou conhecer o que tínhamos disponível. Imagine “The Ultimate Incarnation” soando como “Dark Age” em 1993. 😉 De qualquer maneira, a sonoridade nunca esteve em discussão. Goste ou não, é parte do pacote. Mesmo no metal, estilo no qual o que se ouve é crucial.
O Vader é conhecido por misturar estilos extremos do metal, como death e thrash metal — embora o primeiro seja preponderante. Como você vê o death e a música extrema em geral atualmente? Não apenas musicalmente, mas falando também de mercado, receptividade da audiência e qualidade das bandas.
Nunca gostei dessas categorizações no metal. Todos os gêneros aparecem com o tempo. Escolhemos death metal para descrever o Vader porque nossa música fecha com tal definição. Apesar de que o Vader já foi considerado thrash e até black metal por alguns. Nós definitivamente tocamos metal extremo com influências de thrash, grind ou heavy clássico. Metal hoje em dia é um território vasto. Há bandas classificadas como metal que nunca seriam chamadas assim nos anos 1980 e 1990. Tanto pela música quanto pela imagem. Eu aceito isso, mas não gosto. Há uma onda de revival do real metal ultimamente, e fico feliz com isso. Vejo novamente novas geraçõe de metaleiros na primeira fila, bangueando e gritando, com cabelos longos e jaquetas de couro com rebites. Isso é metal para mim! E sinto falta disso.
O que você pensa sobre os tantos rótulos que apareceram durante os anos para descrever as bandas de metal? Tipo OSDM (old school death metal), brutal death metal, deathcore… Isso ajuda a espalhar a palavra ou segrega ainda mais?
Não curto toda essa segregação no metal. Quando eu era um jovem metalhead, ouvia com a mesma empolgação Black Sabbath, Slayer, Exploited ou Saxon. Logo, fiquei mais ortodoxo e focado na velocidade e nos temas obscuros. Os últimos anos, no entanto, me trouxeram de volta ao que eu costumava escutar antigamente.
Como era a cena da música extrema na Polônia quando o Vader iniciou as atividades, na primeira metade dos anos 1980? Quais bandas influenciaram vocês?
O Vader foi uma das bandas que começou o cenário de música extrema na Polônia. Éramos todos pirados com hordas como Saxon, Priest ou Maiden, mas queríamos tocar mais rápido. Venom, Slayer e Kreator foram divisores de água em nosso país no começo dos 80’s. Quando iniciamos, entre 1982-83, o Vader era mais heavy/speed, mas ficamos mais radicais logo em seguida. Fomos pioneiros no cenário underground junto com alguns amigos com os quais nos encontrávamos para ouvir metal e beber. Havia bandas como Imperator, Ghost, Merciless Death e Scarecrow, além de outras bem promissoras. Quase todas desapareceram. É por isso que quis recordar a cena do metal extremo polonês gravando “Future of the Past 2: Hell in the East” há alguns anos. Não havia apoio nenhum e estávamos tentando cooperar e nos ajudar. Foram ótimos e felizes dias.
Quais considera as grandes realizações que alcançou sendo músico?
Seguimos ativos e ocupados desde que começamos, há 35 anos. Existe uma legião de fãs fiéis e dedicados ao Vader por todo o mundo. Estamos na terceira geração de Vadermaníacos e vejo com frequência jovens nos shows com seus pais. O que posso pedir mais? O respeito dos fãs é o melhor e qualquer banda pode ter isso.
O último trabalho de inéditas é “The Empire” (2016). Há planos para um novo registro?
Temos planos de gravar um novo disco em janeiro de 2019. Então, deve sair antes ou depois do verão europeu. Vai ser realmente brutal. Talvez lancemos um EP antes, no fim de 2018, para manter os fãs ativos com algo novo. Todo este ano é especial para nós. São 35 anos de banda, 25 anos do nosso debut e 20 anos de “Black to the Blind”. Depois disso vamos nos voltar aos tempos modernos e preparar algumas faixas agressivas.
De onde vem a energia para continuar detonando ao vivo depois de três décadas?
Do coração! Eu sou (todos somos, de maneiras diferentes) loucos por metal desde que ouvi Black Sabbath pela primeira vez. Isso foi em 1980. O que veio depois com Judas Priest, Slayer e Morbid Angel só aumentou minha paixão. Sou um doente por metal!
– Homero Pivotto Jr. é jornalista. Entrevista cedida pela Abstratti Produtora.