por Marcelo Costa
“O Rei do Show”, de Michael Gracey (2017)
Em Hollywood uma coisa é certa: se algo deu certo ano passado, pode acreditar que vão tentar enfiar goela abaixo do público uma versão requentada do acerto neste ano. Com produção iniciada em 2009, mas sinal verde para seguir em frente após o sucesso de “La La Land” (2016), de quem a produção inclusive utilizou a mesma dupla de compositores Benj Pasek e Justin Paul, “The Greatest Showman” (no original) peca gravemente por se preocupar com o formato e esquecer um item importante na trama de um grande filme: o roteiro. Piegas, açucarado e por vezes melosamente indigesto, “O Rei do Show” inspira-se (livremente) na história de P. T. Barnum, um dos pioneiros do circo no século 19 nos Estados Unidos. Interpretado por um esforçado Hugh Jackman, P. T. Barnum tem sua trajetória revista com todos os elementos que formam uma narrativa melosa: garoto pobre apaixonado reciprocamente por uma menina rica, Barnum e Charity (interpretada por Michelle Williams na fase adulta) se casam à revelia da família dela e se mudam para Nova York, onde têm dois filhos e vivem modestamente. Charity se sente feliz, mas Barnum quer mais. Ele quer dar conforto à família e… alegria para as pessoas (é sério!). Sua primeira ideia, uma espécie de museu de curiosidades, fracassa, mas na segunda ele acerta em cheio: um grande show estrelado por freaks, bizarrices e rejeitados de todos os tipos. Com romance, tragédia, final feliz e canções que poderiam estar em um disco de remixes ruim de uma clone de terceira categoria de Katy Perry (uma delas indicada ao Oscar), “O Rei do Show” custou US$ 84 milhões e faturou US$ 378 milhões nas bilheterias. Ratinho e Gugu Liberato aplaudem.
Nota: 1
“Marshall”, de Reginald Hudlin (2017)
Também indicado ao Oscar 2018 na categoria Melhor Canção Original (a boa “Stand Up for Something”, interpretada por Andra Day e Common, só toca nos créditos), uma desculpa esfarrapada da Academia para lançar luz sobre um ótimo filme que merecia muito mais destaque do que teve (numa comparação direta, coloca “Selma”, indicado ao Oscar como Melhor Filme em 2015, no bolso), ainda que tenha surgido em um ano repleto de boas produções (nota 8), “Marshall” foca em uma trama, inspirada em fatos reais, que apresenta ao público Thurgood Marshall, o primeiro afro-americano juiz da Corte Suprema dos Estados Unidos, e se concentra em um dos primeiros casos de sua carreira. Trabalhando em uma ONG (NAACP: The National Association for the Advancement of Colored People) que defendia a justiça para afro-americanos, Thurgood é enviado a Bridgeport, na área metropolitana de Nova York, para defender um homem negro (Sterling K. Brown) acusado de estuprar e tentar assassinar uma mulher branca (Kate Hudson). O juiz local não aceita que um advogado de outra comarca trabalhe no caso, e Thurgood se vê obrigado a aconselhar o inexperiente advogado local (branco) especialista em casos de seguros Sam Friedman (Josh Gad) durante todo o processo. Com elenco competente e uma história forte, “Marshall” é daqueles filmes de tribunal que não só honram o estilo, como também aprofundam o olhar sobre a ferida do racismo na América, uma luta contínua que está muito distante do fim, e da qual o importante documentário “Strong Island” (também indicado ao Oscar 2018) também faz parte. Por mais Marshalls e menos Trumps na sociedade.
Nota: 8 (já disponível em canais de aluguel como Now e Youtube)
“Uma Espécie de Família”, de Diego Lurman (2017)
A médica Malena (Bárbara Lennie) decide adotar um bebê. O espectador não percebe isso com muita rapidez, pois o trecho inicial da trama de “Una Especie de Familia” foca no desespero, na agonia e nas dúvidas da personagem principal, sempre à beira de um ataque de nervos. O roteiro (premiado no Festival de San Sebastian) é meticuloso e só vai soltando migalhas da história (dolorosa): residente de Buenos Aires, Malena dirige cerca de oito horas de carro até o pobre povoado de Misiones, fronteira do Brasil e Paraguai com a Argentina. Lá ela encontra Marcela (a excelente Yanina Ávila, responsável por um dos grandes momentos do filme), uma garota humilde que está prestes a dar a luz a seu terceiro filho. A relação das duas denota, num primeiro momento, amizade e cuidados médicos, mas Malena, na verdade, não é a médica de Marcela, e sim a mulher que irá adotar o filho prestes a nascer. A agonia tanto de Malena quanto de Marcela afeta o espectador, e o roteiro não alivia acrescentando camada de drama sobre camada de drama numa história que se tornará, a cada segundo, mais dolorosa, discutindo a máfia do comércio de bebês, o papel da família, em primeiro plano, e da sociedade, num âmbito maior, na questão da adoção, e dos limites morais e éticos da personagem central. Produção argentina (coproduzida por Brasil, França, Polônia e Dinamarca) vencedora do prêmio de Melhor Filme no Festival Internacional de Chicago, “Uma Espécie de Família” tem na sutileza de sua condução (que contrasta com o caos polido de toda a situação, prestes a explodir a qualquer segundo) um de seus maiores méritos.
Nota: 9 (em cartaz nos cinemas)
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne