entrevista por Carime Elmor
A segunda faixa do álbum “Bingo” parece ser o que prevalece há 20 anos na vida de Marcelo Colares, vocalista, guitarrista e compositor da The Cigarettes, banda indie brasileira que surgiu no início dos anos 1990. “We’re gonna make a sound”. Marcelo mora em Itaperuna (RJ), e após pouco mais de duas décadas à frente de seu projeto musical, lançando discos e EPs de maneira espaçada e incessante, diz que “por mais que fique alguns meses sem fazer nada, vai chegar uma hora que vou fazer outro disco. Nesse sentido nada vai me parar”. E não vai parar mesmo: só em 2017 foram três lançamentos da The Cigarettes!
“Bingo” foi o primeiro CD, lançado em 1997 após duas fitas cassetes (“Felícia + Foolish Things and Blah Blah Blah”, de 1994, e “Brazil´s Sad Samba”, de 1996) pelo selo carioca midsummer madness. De lá para cá, Marcelo Colares segue produzindo ativamente (e fazendo turnês inusitadas). Entre os lançamentos mais recentes estão “The Cigarettes” (2012), que ganhou registro em vinil, “The Waste Land” (2015), os singles “Impossible Crush” e “Blusky”, de 2016, e o compacto duplo “Dream Baby Dream / 40 Days” (2017), todos pela midsummer madness.
No final de 2017, dois lançamentos marcaram a parceria da The Cigarettes com o selo Pug Records, de Juiz de Fora. Primeiro foi o EP “The Lights” em setembro e, logo na sequencia, o álbum inédito “Saturno Wins”, em novembro, um disco predominantemente acústico (os dois liberados para download gratuito). “Isso de ser acústico foi sendo definido na hora que a gente ia fazer, não foi nada planejado”, conta Marcelo, que defende que nem tudo precisa seguir uma lógica de mercado e que, 20 anos depois, “ao mesmo tempo que Cigarettes não é uma banda importante, ela tem uma importância, ainda que seja só para algumas pessoas”. Confira o bate papo.
Recentemente comecei a ler o livro “Our Band Could Be Your Life” [Nossa banda pode se tornar sua vida], do Michael Azerrad. Tem mais de 20 anos que o The Cigarettes existe. Então, primeiramente, gostaria de saber se você pensava que a banda poderia se tornar a sua vida? Quando você começou, em 1994, como era esse sonho?
É bem louco, porque você começa a tocar e o impulso inicial é tocar, simplesmente. E depois vão ou não vão acontecendo coisas. Mas o que percebo é que mesmo que eu deixe de lado por algum tempo, a música acaba sempre voltando. Quando vejo, estou compondo, gravando, tocando. Costumo dizer que esse movimento é involuntário em certa medida. Quando você vê, você já está fazendo as coisas e, pelo menos comigo, não tem muito planejamento ou um processo de decisão. Talvez eu quisesse que a banda fosse mais a minha vida, minha vida não é só o Cigarettes, eu tenho que me virar para dar conta da sobrevivência. Mas é uma grande parte da minha vida, sem dúvida. Todo mundo que é envolvido e faz música de alguma forma, ela te toma um espaço bem grande, independente de terem uma projeção maior ou menor. Sobre a banda poder ser a minha vida, acho que sim, de alguma forma ela tem sido. The Cigarettes não é uma banda importante, sabe? Sou mais eu que faço umas músicas e gravo. Percebo, não sei porque, que algumas pessoas ficam incomodadas com isso, por exemplo, de não eu ter uma banda fixa e de eu estar fazendo as coisas do jeito que eu faço esse tempo todo. De alguma forma, mesmo assim, o Cigarettes acaba conquistando a atenção de algumas pessoas. Então, acredito que, ao mesmo tempo que Cigarettes não é uma banda importante, ela tem uma importância, ainda que seja só para algumas pessoas.
Vocês estavam com a ideia de relançar o “Bingo” [primeiro álbum de estúdio do The Cigarettes de 1997]. O Eduardo Ramos estava fazendo uma remixagem. Recentemente, colocaram o disco no Spotify, mas foi a versão original. Ainda há essa intenção? Queria que me falasse sobre a importância de se fazer um “revival” de um disco que, para a música independente brasileira, tem uma história muito legal até nas entrelinhas, sobre você ficar indo ao estúdio para fazer a pós produção do seu jeito, na marra, para ficar com a identidade que gostaria.
Em meados de 2017, o Rodrigo Lariú (midsummer madness) me escreveu falando dos planos dele de relançar o “Bingo”, de talvez lançar uma outra versão. Eu cheguei a enviar para o Eduardo as fitas VHS onde o disco foi gravado. O disco foi gravado em dois gravadores ADAT, um formato que ninguém usa mais. A gente usava umas fitas chamadas de Super VHS. Ele chegou a digitalizar tudo e começaria a remixar. Tinha essa ideia de relançar, talvez mesmo em CD. A gente estava tocando essa ideia, tinha a ideia de fazer um fanzine com depoimentos de galera que curte, a gente chegou a receber alguns destes depoimentos. Tinha essa ideia de relançamento, eu não sei se ele vai retomar isso ou não. O disco, eu acredito que tenha alguma importância. Tem gente que gosta dele, outras pessoas focam em supostos problemas de gravação, sobre ser mal gravado. Mas eu acho isso uma bobagem, porque o pouco de projeção que o disco teve, foi do jeito que ele é. Eu não acredito que isso seja algo que torne o disco pior. Eu acho que é um disco importante, e não sou só eu que acho isso, tanto é que estamos falando dele agora. Você não ia perder seu tempo de me ligar para falar sobre algo ruim, acredito. Acho que o “Bingo” tem uma força, tanto é que se passaram 20 anos, e ainda que sejam poucas pessoas que curtem, são pessoas ligadas nesse tipo de som, então é algo digno de nota.
Sim, e essa característica que ele tem da gravação e produção, isso mostra o quanto que era verdade o movimento que estava rolando. E hoje, os músicos estão tendo muito mais noção de produção musical, mixagem, porque facilitou. Tem mais conteúdo disponível e mais programas acessíveis. Então, essa gravação do “Bingo” é uma marca da época, de como era feito.
Claro, é muito mais fácil hoje, você tem mais ferramentas, tudo está mais disponível. Naquela época era mais complicado, meio que a gente ia abrindo caminho na foice. Era um pouco mais pesado de se conseguir fazer as coisas do que é hoje.
Só de vocês terem gravado em um estúdio, já é muita coisa para a época.
Sim, a gente conseguir um estúdio naquele momento para gravar, já era um salto. Antes a gente gravava em portastudio e até duplo deck, gravava no que dava. Era sempre aquela coisa de fazer com o que se tinha, sem deixar que as limitações tecnológicas ou de equipamentos acabassem te impedindo de fazer. Eu vou fazer de um jeito ou de outro. O “Bingo” é um passo a mais nessa caminhada. Tinha um estúdio de verdade, mas eu não sabia operar, só tinha noções e fui meio que fazendo, aprendendo enquanto fazia. Então dá para notar, tem algumas músicas, por exemplo, que o bumbo não aparece, coisas assim. Mas o que se percebe, passado duas décadas, é que isso não impediu as pessoas de continuarem a se lembrar do disco, e mesmo com todas essas limitações, as pessoas ainda se lembram do Cigarettes, do “Bingo”, e tinha uma porrada de bandas naquela época que ninguém se lembra mais, e na época eram faladas. Fico muito contente com isso tudo, tenho orgulho, claro, de ter feito aquele disco.
E foi importante vocês colocarem ele disponível, agora, em plataformas que as pessoas usam mais. Acaba que é quase um relançamento.
Sim, quase que um relançamento… Acho importante deixar claro que não estou reivindicando nada, vou continuar fazendo as minhas músicas, gravar quando der, lançar quando der, do jeito que der. E é isso. Não estou querendo dizer que fui o criador de tudo, nada disso, sabe? Às vezes as pessoas podem ter essa impressão e não quero convencer ninguém disso. É só uma experiência que vai se encaminhando. Só quero fazer as minhas músicas, e quem quiser ouvir, ouve, e quem não quiser, não escuta, não tem essa. Nunca vou brigar com ninguém para me afirmar, nunca tive ganhos materiais com a música. Pelo contrário até, se for considerar o lado prático da coisa, a música mais atrapalhou. Mas isso não me desestimula de forma alguma.
Tanto é que você gravou o “Saturno Wins” (2017).
Tanto é que continuo fazendo. Acho que para se fazer qualquer coisa é difícil, a vida é difícil. As dificuldades que enfrentei não me tornam melhor do que ninguém. Sou alguém que faz música e que mostra pro mundo. Fico muito feliz quando as pessoas gostam. É basicamente isso. Não estou reivindicando nenhum papel de destaque, de precursor de nada, embora seja possível verificar que, olhando retrospectivamente, talvez tenha havido algum pioneirismo no The Cigarettes, talvez. Mas isso não faz diferença para a minha vida, porque não se trata disso. Por que um artista faz o que ele faz? Essa é outra questão que não é fácil de responder. Não é por um motivo só, não existe uma única explicação, são várias coisas que vão se mostrando ao longo do tempo, eu estou nesse processo ainda, desde sei lá quando.
Vamos falar agora sobre o novo disco. “Saturno Wins” (2017), lançado em novembro de 2017 pela Pug Records, é voz e violão, mais cru, e não tão “obscuro”. É um som mais limpo e claro do que os seus outros trabalhos. Como foi construindo a ideia deste disco?
É, ele teve uma masterização boa, feita com um gringo, eu e Eduardo Ramos pagamos para o Alan Douches fazer, o Eduardo indicou esse cara para masterizar. Isso deu um som mais cristalino, acho que ajudou a dar essa clareza a mais para o som. Gravei esse disco ano passado (2016) com a Bruna Buzollo, lá de Uberaba, ela manja bastante de áudio e fez a captação dos violões, fez tudo com bastante cuidado, a gente se entendia muito bem e isso acabou refletindo no disco. Mas essa coisa de ser mais acústico, isso foi sendo definido na hora que a gente ia fazer, não foi nada planejado também. Fui para o Triângulo Mineiro fazer uns shows já com essa ideia de gravar com ela. Fiz quatro shows com a Nathalia Motta (Derrota) na bateria, e o Eddie Shumway (Lava Divers) no baixo, e toquei guitarra e cantei. Depois de quatro shows fui gravar. A ideia inicial era usar bateria eletrônica, só que quando comecei a tocar as músicas para a Bruna, que produziu e deu uns toques, ela falou: “O que você acha da gente fazer só voz e violão?”. Eu falei “Bora!”. E ficou desse jeito. Ela ia mixar também, só que ela tem uma casa em Uberaba, o Laboratório 96, e é muito corrido o dia dela, então acabou que ela ficou sem tempo e o Eduardo Ramos, em 2017, pegou para fazer, ficou mixando durante uns dois ou três meses, depois a gente mandou para o Alan Douches, ele masterizou e eu lancei pela Pug Records, selo do Eduardo Vasconcelos. Ele tem me dado muita atenção e tido muito cuidado com a forma que os lançamentos se dão, e é também uma pessoa empolgada com esse universo, pelo menos aparenta ser. Sou muito grato a ele por isso. As pessoas parece que não entendem, eu vou lançar um disco para quem quiser ouvir, não é que eu vou lançar um disco e dominar o mundo. Eu vou lançar um disco porque as músicas estão prontas, gravadas, mixadas. Quem quiser ouvir, ouve, é simples. As pessoas ficam esperando que eu vá fazer uma caralhada de shows ou vá divulgar de mil formas, mas não. É um pouco estranho que nos dias de hoje aconteça isso ainda. Rola um discurso de que a música não é o mais importante ou que a música só não é tudo, você tem que se apresentar de determinada forma, fazer isso e aquilo, e quase transformar sua vida em um reality show para divulgar a música. Mas estou em outra, vou fazer o que quiser, o que tiver vontade e sentir que posso fazer sem me agredir, sem forçar uma barra absurda. Você só quer dizer alguma coisa, sabe? E você encontra formas de dizer. Nem tudo tem que ser guiado por uma lógica de mercado. Esse discurso de que você tem que fazer e acontecer, mesmo a música independente, que se diz progressista, acaba repetindo uma lógica neoliberal de meritocracia, de que só se dá bem quem faz por onde, o que é meio incongruente. Independente de querer ou não, vou continuar fazendo música. Por mais que eu fique alguns meses sem fazer nada, vai chegar uma hora que eu vou fazer outro disco, nesse sentido nada vai me parar.
As 10 faixas do “Saturno Wins” tornam o disco bem coerente dentro de uma estética sonora. Você ouve o disco todo e ele tem um caminho. E é legal a última música, somente, ser em português, porque é uma surpresa. Queria saber dos momentos dessas composições, se elas são recentes, nasceram em um mesmo fluxo, ou algumas são antigas que você foi escolhendo e montando essa história?
É meio que as duas coisas, acaba que conta uma história, mas como eu estava falando, é intencional, mas é inconsciente, também. É como se eu viesse planejando aquilo em um segundo plano, como se houvesse um processamento em segundo plano que vai montando as coisas sem que eu perceba. Até a música 6 foi tudo feito entre o finalzinho de 2015 e meados de 2016. Mas vai chegando ao final e tem duas músicas mais antigas, de 2001, 2002. A faixa 9, “Sunflower”, é do início de 2015. E a última, “Comunhão de Bens”, não é minha, é da Laura Wrona. Fui decidindo lá na hora, eu não tinha planejado, sinceramente, e acabou que ficou meio uniforme o disco. Fui mexendo nas músicas mais antigas durante esse tempo, acertando detalhes, mas isso tudo é de uma forma meio espontânea, sem eu perceber. Todo o meu processo de criação é assim, vou mexendo e chega uma hora que vou gravar. Essa hora, às vezes, é surpresa, às vezes, é esperada. O processo de criação é quase sempre involuntário e até misterioso, você não tem como explicar porque fez daquele jeito e só depois de ter saído de você, você começa a perceber: “Ah, isso pode ter a ver com aquela outra coisa”. Raramente é uma motivação deliberada, “eu vou falar sobre isso” ou “fazer dessa maneira para soar desse jeito”, normalmente é espontâneo e involuntário.
Uma história legal de se contar é sobre as turnês. A última do The Cigarettes foi aquela no Nordeste, em 2015? Como foram esses shows, a viagem, o encontro da banda com diferentes públicos?
Teve essa em novembro de 2015 e aquela no Triângulo Mineiro, que foi depois, em três cidades. Teve essa turnê maluca no Nordeste que quando eu vi estava o Mancha (Leonel) na banda, o Ugeda, uma banda muito maluca, o Gordinho, que toca na Pelvs – e é DJ – ele era o mais, vamos dizer, o mais careta da turma. Essa banda surgiu assim: eu gravei “The Waste Land” (2015), o disco anterior ao “Saturno Wins”, no estúdio do Sérgio Ugeda, um estúdio que ele tinha, não tem mais. A gente acabou de gravar o disco e eu ajudei ele a esvaziar o imóvel. Foi uma coisa muito louca porque a gente estava terminando de mixar e ele recebeu um e-mail falando que ia ter que entregar o imóvel. Sendo que o disco anterior, o “The Cigarettes” (2012), foi o último também gravado em um estúdio no Rio. Eu gravo um disco e o estúdio fecha, duas vezes seguidas aconteceu isso, uma vibe bem intensa. Mas retomando, rolou isso, gravei o disco com o Ugeda, foi maneiro, passou um tempo a gente ia lançar o disco e eu chamei o Ugeda para tocar bateria comigo, ele também tinha gravado no disco. Fizemos show no Rio e BH com baixistas do Rio que fui convidando. O Gordinho já estava tocando também, e tinham outros shows marcados, o próximo seria na Casa do Mancha. Eu e Ugeda ficamos tentando encontrar outro baixista. Eu chamei o Ricardo Spencer, e ao mesmo tempo ele chamou o Mancha. Os dois aceitaram. Aí o Spencer se ofereceu de tocar teclado, ele começou a tocar, e também umas maracas, foi bem divertido. O Spencer arrasando nas maracas. Conheço ele há muito tempo, desde os anos 1990, ele chegou a tocar comigo em Aracajú e Salvador uma vez. Ficamos eu, guitarra e voz, Gordinho na outra guitarra, Ugeda na bateria e Mancha no Baixo. E aí rolou da gente tocar no DoSol, em Natal, o Lariú deu uma força para a gente conseguir marcar esse show. E a gente tinha tocado antes no Festival Mundo, em João Pessoa, mas foi furada, não tinha ninguém no lugar. Tanto é que íamos dormir lá, mas decidimos sair do show e ir direto para Natal. Eu lembro que nessa ida, de João Pessoa para lá, o Ugeda estava dirigindo. A gente indo, fumando, o Ugeda, no volante, fumando também, e virando para trás para pegar o beck. Aí de noite, a gente no meio do Nordeste, chega uma hora, ele vira para pegar, solta uma mão do volante e o carro sai da estrada. Aí todo mundo “caralho! caralho!”. Aí o Gordinho, que não fuma, falou: “parou, parou com isso agora, vamos dar um tempo”. Porque (o carro) saiu, mas ele conseguiu voltar, mas foi um susto muito grande. A gente alugou o carro em Maceió, na praia. A gente tentou em locadora, mas era muita burocracia. Chegamos na praia perguntando “onde a gente aluga um carro aqui?” e apareceu um maluco dizendo que sabia. Era uma Fiorino e o cara que estava alugando o carro perguntou: “Vocês querem beck também?”. Tinha tudo, a gente alugou o carro, comprou beck e o cara ainda perguntou se a gente queria mais coisa. Mas não, só isso mesmo. Fomos para a casa do Coletivo Pop Fuzz, galera muito gente fina, eles acolheram a gente lá. Voltando para essa casa, tinha um acesso por uma rua bem estreita e a gente não sabia se dava para passar. Na hora de fazer uma curva ficou em uma situação que se não batesse na parede, caía em um penhasco. Aí o Mancha estava no volante e ele preferiu bater na parede. Ainda bem. Então, arrebentou a porta um pouco, mas a gente deu um jeito lá, mas foi surreal porque a gente não tinha feito nenhum show ainda e o carro já tinha batido. Maceió foi o primeiro show, no Pup Fiction, depois fomos para João Pessoa, Natal, no DoSol era muita molecada, tinha uma galera que nunca tinha ouvido falar. A percepção de cada um varia muito, depois lendo as críticas, teve desde gente que achou o show mais chato do festival, até o melhor show. Isso de alguém não gostar do seu som é muito relativo, porque cada um acha uma coisa e que bom que é assim. Depois de Natal, fomos para Recife, e o Mancha não tocou com a gente, porque era em um Museu, um formato de banda menor, e para um público mais velho que ia para lá ouvir música sábado de tarde. Foi o único show desses três que tinha cachê e a gente demorou pra caramba pra receber. E essa galera que, supostamente, não era o nosso público, nos receberam muito bem. Umas senhoras chegaram depois pra conversar com a gente e comprar o CD falando “som bem gostosinho dos anos 1990” (risos). Foi massa, porque meio que o “nosso público” a gente já conhece, ter contato com uma galera diferente é sempre bem interessante. Foram esses quatro shows.
Então essa turnê acabou sendo a mais “rock’n’roll” da trajetória do The Cigarettes?
Da história recente acho que foi, nos anos 1990 também teve umas histórias bem curiosas, mas acho que essa foi campeã. Voltando pra São Paulo ainda fiquei na casa da Bruna Buzollo, com quem gravei o “Saturno Wins”, e gravei umas três músicas com ela nesses dias. Conheci a Bruna por causa da Letícia Rezende, namorada dela. As duas abriram juntas o Laboratório 96 em Uberaba. A Letícia era produtora, eu a conheci em um belo dia, início de 2015, quando ela chegou falando que adorava meu som, veio me perguntar sobre um show acústico em São Paulo. E me perguntou, depois, se eu nunca tinha pensado em fazer algumas coisas maiores. Respondi que não estava rolando muito e perguntei se ela não queria me ajudar, e acabou que muitos destes shows que eu falei, a Letícia que me ajudou a marcar. Conheci a Bruna por conta da Letícia que foi produtora do The Cigarettes por um tempo. A Bruna compõe também e a gente gravou várias coisas, inclusive no EP “The Lights”, que saiu antes do “Saturno Wins”. Das seis músicas, quatro eu gravei com a Bruna Buzollo. Foi um bom encontro, tem rendido bastante coisa.
A The Cigarettes, querendo ou não, é considerada uma pioneira no movimento de guitar bands indie brasileiras. Depois de vocês surgiram várias legais, até porque foi em 1994 que começaram. Então, por mais que esse último disco tenha sido mais gravado com violão, eu fico curiosa de te perguntar sobre a sua guitarra. Qual é a guitarra que você mais usa? Existe um som de guitarra que persegue a sua cabeça, por uma busca de identidade sua?
Foram várias guitarras, a última que usei na gravação do disco que saiu em vinil, o “The Cigarettes” (2012), eu comprei em 2008. É uma guitarra simples, uma Fender Squier Jagmaster, uma mistura da Jaguar com a Jazz Master. Acho que é possível tirar o som que você quer de uma guitarra independente do instrumento. É possível tirar som legal de qualquer guitarra. Já gravei com Giannini, Yamaha, que é bem fuleira. A que tenho usado nos últimos 10 anos tem sido essa, ela é uma versão standard, uma versão de estudo da Fender. A Squier é uma série mais barata. Mas tem Giannini que tem som muito bom, acho que dá para se virar independente da sua ferramenta. “O artesão não pode culpar a ferramenta”, tem esse ditado, acho que dá para encontrar formas de se chegar em um resultado bom. É claro que se você puder ter os melhores instrumentos, melhor, claro. Sobre som de guitarra, a questão dos timbres, tem vários. O som de guitarra do The Jesus and Mary Chain é uma coisa que sempre tentei. The Raveonettes também é uma banda com som de guitarra muito bom. Dinosaur Jr., The Smiths, tem uma infinidade de bandas. Nem dou conta mais de tanta banda que tem, as que falei são antigas, mas tem muita banda nova, já desisti de acompanhar tudo. Não tem como, se você for fazer isso você não faz outra coisa da vida. O que acabo descobrindo costuma ser mais por acidente, não fico garimpando a última novidade, tem muito tempo que não faço isso. Por mais que você persiga um determinado som, o que você consegue acaba sendo uma outra coisa, uma aproximação daquilo e ao mesmo tempo uma coisa diferente e na melhor das hipóteses, em algum momento, você acaba conseguindo criar alguma coisa que seja mais a sua identidade.
A graça de ser músico e persistir compondo parece ser justamente essa. Talvez nunca encontrar e, enquanto isso, não parar de compor e buscar esse “almejado” som.
O Fábio Leopoldino (ex-Second Come), que já morreu, e fez a capa do “Bingo”, ele falava que o que ele queria era fazer um som que a pessoa ouvisse e falasse: “Ah, isso é do Fábio”, e esse é um bom alvo. Você conseguir criar uma marca, isso é uma coisa que você vai perseguindo e uma hora você acaba conseguindo. Pode ser por mil coisas: o jeito que a pessoa toca, o jeito que a pessoa canta, o jeito que ela compõe, alguma falha que a pessoa tenha.
– Carime Elmor (fb/carime.elmor) é jornalista da Tribuna de Minas e fazedora dos zines Malditas