entrevista por Gil Luiz Mendes
A trajetória da Nação Zumbi tem várias nuances, desde se reinventar depois de perder seu líder e frontman até se firmar como uma das bandas mais inventivas e originais já surgidas na história da música brasileira. Com mais de duas décadas mostrando músicas com a assinatura particular do grupo, os pernambucanos decidiram em 2017 mostrar essa versatilidade criativa fazendo releituras, algumas improváveis, de canções de outros artistas.
O repertório escolhido para o recém-lançado “Radiola Volume 1” (presente na lista de 50 melhores discos de 2017 da APCA) vai de Erasmo Carlos à David Bowie, passa por Tim Maia e Beatles e alcança Gilberto Gil e Marvin Gaye, porém passa longe de ser um disco de meros covers. A propriedade das guitarras de Lúcio Maia e o vocal de Jorge Du Peixe podem fazer um ouvinte desavisado achar que a Nação criou as canções por eles interpretadas.
“A ideia de inicial foi de Lúcio”, conta Dengue ao Scream & Yell. “Mas o engraçado é que na sequencia ele mesmo queria desistir do projeto”, revela. No papo abaixo, o baixista fala sobre o processo de gravação de “Radiola Volume 1”, a escolha da músicas e a desobrigatoriedade de soar como uma banda que veio de Pernambuco. Ele ainda conta que o próximo ano verá um novo álbum autoral da Nação e que outros volumes do Radiola podem vir no futuro.
Como surgiu a ideia de fazer esse disco de releituras?
A ideia de inicial foi de Lúcio, mas o engraçado é que na sequencia ele mesmo queria desistir do projeto. Só que eu e Jorge já tínhamos gostado da ideia e falamos que queríamos fazer. Acho que fomos felizes em manter essa opinião.
Todos os componentes da banda tem algum projeto paralelo que também faz releituras. Isso influenciou para fazer o “Radiola Volume 1”?
Então, a gente sempre teve isso. Exercitamos muito com o Los Sebosos Postizos (que regrava canções de Jorge Ben) já há muitos anos. “Radiola Volume 1” é um tipo de Los Sebosos da Nação (risos). A gente adorou a ideia de fazer esse disco por ser uma oportunidade de tocar essas versões. Não sei se o nosso público percebe isso, mas adoramos fazer versões. No primeiro disco da banda não tem nenhuma, mas a partir do segundo todo álbum tem, pelo menos, uma versão. Até digo que nossos principais hits não são músicas nossas. Brinco que a gente não sabe compor (risos).
E como é o processo de fazer essas releituras?
Pra mim é muito confortável, não tenho medo de mexer nessas músicas. Sinto a responsa, mas sem medo de meter a mão ou desrespeitar. Quanto mais próximo do original, mais você corre o risco de ficar uma merda. Acho que tem que correr pro outro lado mesmo, seja lá que lado for esse.
E como surgiu o repertório do disco?
Veio de uma enxurrada de sugestões. Eram sempre coisas que todos gostavam e foi muito difícil, antes do primeiro dia de gravação, parar e escolher o repertório. Lembro quando a gente chegou a Fortaleza para o primeiro dia de gravação, havia 300 sugestões e nenhuma completa. Mas a primeira música que saiu foi “Refazenda” (que também foi o primeiro single do álbum). Sobraram muitas que gravamos e não entraram no disco e bilhões que a gente apenas cogitou. Por isso que esse é “Volume 1”. A gente pretende fazer um segundo e talvez um terceiro. São muitas coisas que a gente quer tocar além do óbvio.
O que vocês vão fazer com essas gravações que não entraram no disco?
A gente nem sabe se isso vai entrar no “Volume 2”. A gente sempre gosta de fazer coisa nova. Acho que pro segundo volume a gente vai entrar em estúdio de novo e fazer mais 10 músicas novas e aí vai sobrar música de novo e um belo dia a gente faz o “3” (risos).
Já existe um cronograma para os próximos discos de releituras?
Cronograma zero. Não tem prazo, mas acho que não vai vir logo. Em 2018 vamos lançar um álbum autoral que está sendo composto ainda. Já gravamos algumas coisas instrumentais e depois Jorge pega para trabalhar em cima, coloca as letras, depois volta para a gente. É um processo bem demorado. Por isso que a gente demorou sete anos para lançar um disco e está demorando cada vez mais para lançar um disco autoral. A gente não ensaia mais como antigamente e a gente também não se preocupa. O nosso tempo é outro. Por isso pode ser que o “Radiola Volume 2” só venha daqui há 10 anos.
Dividir o disco com metade de músicas nacionais e metade de músicas internacionais foi proposital?
Isso surgiu no processo de decupagem mesmo. A gente gravou até mais nacionais do que internacionais, mas que ficaram nas sobras. Na verdade, o critério foi o que se encaixava melhor. Teve também pessoas como Carlos Trilha e Pedro Baby que nos ajudaram a escolher as músicas dando a opinião deles. Por acaso, quando a gente chegou nesse denominador comum, “Ashes to Ashes” quase ficou de fora porque como Bowie morreu, mesmo eu não acreditando que ele tenha morrido (risos), demorou muito para chegar a autorização. Fizemos pedido para editora e para família e estava naquele momento de fazer o espólio. Até o último momento ainda não havia chegado, então a gente já estava preparado para tira-la do disco, mas ainda bem que chegou a tempo.
Por que gravar esse disco em três cidades diferentes?
A banda está se encontrando menos, cada um morando num lugar diferente. A gente aproveitou shows que faríamos em Fortaleza e no Rio Janeiro para se juntar e gravar. Em Fortaleza chegamos dois dias antes do show para fazer isso. Em São Paulo não lembro se tinha show, talvez tenha rolado ir apenas para gravar mesmo. Não foi tão funcional gravar em três estúdios diferentes, mas foi do jeito que deu para a gente agilizar. Se fosse esperar para todo mundo ficar semanas em um estúdio em qualquer lugar do país não ia dar certo. Já havia uma conversa entre nós para não gravar em Recife, São Paulo ou Rio de Janeiro. Acabou que ainda gravamos algumas poucas coisas no Rio e em São Paulo, mas a maioria das coisas foi em Fortaleza. A gente queria descentralizar isso e buscar outro tipo de ar para inspiração. Várias músicas bem legais saíram dessas sessões de Fortaleza.
Não regravar nenhuma música pernambucana também tem a ver com essa fuga dos padrões tradicionais?
Na verdade a gente se desobrigou disso. A gente quis fazer coisas que a gente ouviu de rock. A base desse disco é rock. A gente quis realmente fazer isso e se desobrigar (de gravar música pernambucana). Todo mundo sabe que a gente é pernambucano, tem 200 discos cheio de músicas próprias que fala da cultura e dessas paradas (do Estado) o tempo todo. Então a gente quis mesmo ir pra esse lado nosso que muita gente não sabe que a gente tem, e é um lado muito importante e bem grande. Tem música brasileira no disco, mas não quisemos puxar a sardinha para Pernambuco não.
Como o público está recebendo essas versões feitas pela Nação?
A gente testou esse repertório em um show no Circo Voador no Rio e sentiu o poder do hit. Posso dizer que o disco é um disco de hits. “Sexual Healing” não é um tipo de música que o público da Nação Zumbi está acostumado. Parte do nosso público gosta de bater cabeça e andamentos mais rápidos. E uma das nossas dúvidas era se as pessoas iriam gostar quando tocássemos essa música. Foi um engano absurdo nosso! Essa música está tão no subconsciente das pessoas que elas cantaram como se estivessem num show do Los Hermanos ou do O Rappa, desses que as pessoas cantam as músicas do começo ao fim. Uma música em inglês e todo mundo cantando foi um dos pontos altos desse show do Rio.
– Gil Luiz Mendes (https://www.facebook.com/gil.luizmendes), jornalista, 32 anos, viveu boa parte da vida no Recife e hoje mistura a sua loucura com a de São Paulo. Tem passagens pelas rádios Jornal do Commercio, CBN , Central3 e tem textos publicados no IG e na Carta Capital. É skatista e músico quando dá tempo. A foto que abre o texto é de Dovilé Babraviciuté / Divulgação.
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