entrevista por Leonardo Vinhas
Leonardo Vivan, proprietário da Space Guys Produções, e Juliano Mengatto, fotógrafo, sempre estiveram envolvidos com a cena musical de Caxias do Sul (RS), e desse envolvimento saiu a ideia de conciliar a música com suas “vidas civis” em um programa de televisão dirigido por Vivan e com produção cultural de Mengatto. Não seria uma surpresa tão grande caso o programa não fosse dedicado exclusivamente ao músicos autorais de sua cidade, onde viceja uma das cenas mais produtivas e melhor organizadas do nosso underground (termo datado, mas ainda pertinente).
“360cxs”, o programa em questão, é uma produção da Space Guys em parceria com a também caxiense Noise Áudio, e vai ao ar pelo canal pago Music Box Brazil. A primeira temporada foi ao ar em 2016 e teve 15 artistas em 12 episódios – os três primeiros eram pilotos, e apresentavam dois convidados em cada um deles. Participaram CCOMA, Cuscobayo, Velho Hippie, Spangled Shore, Magabarat e a hoje finada Bob ShuT (da qual faziam parte Vivan e Mengatto), dentre outros.
A segunda, que se iniciou em outubro de 2017, apresenta outros 12 nomes, que vão da neopsicodelia da Catavento ao pagode noventista do Pura Curtição, da releitura de milongas e chamamés feita pela Yangos ao blues de Cristian Rigón mais Grandfúria, Rafael Willms, Tatiéli Bueno, Southern, JL, Canteriando, André Viegas e Não Alimente os Animais. Aproveitando a estreia dessa nova leva de episódios, o Scream & Yell entrevistou Leonardo Vivan para entender como eles conseguiram o feitio – até hoje sem par – de ter um programa de alcance nacional, mesmo que em canal pago, dedicado à cena musical de uma única cidade.
“360cxs” vai ao ar toda quinta-feira às 23h30, com reprise às 17h30 de sábado. A primeira temporada está integralmente disponível no YouTube e também na página do programa: https://360cxs.wordpress.com/
No que essa temporada difere da primeira?
A estrutura do programa segue a mesma dinâmica da primeira temporada, até porque temos um planejamento de realizar cinco temporadas nesse formato, e depois iremos alterar a estética e o conteúdo. Então, pouca coisa foi alterada. A principal diferença é que conseguimos gravar todas as bandas nos estúdios da Acit, que devido ao seu tamanho, é ideal para rodar esse programa. A equipe também ficou maior, e isso trouxe mais qualidade ao resultado final. A primeira temporada estava centralizada em mim e no Juliano. Na segunda temporada, o produtor musical Carlos Balbinot se juntou diretamente na produção e nas decisões do “360”. Também, conseguimos manter a mesma equipe de trabalho, isso trouxe um ganho e agilidade em todo o processo de gravação e finalização dos episódios.
Qual o critério para a seleção dos artistas? Você e o Juliano vêm do rock, mas tem muita gêneros contemplados.
O nome do programa já mostra a nosso intenção: “360” vem desse olhar amplo, de dar uma volta completa em todos os gêneros musicais e convergir em um programa que unifica a música de Caxias do Sul. O programa já nasceu com essa premissa. A ideia surgiu em um encontro da Incubadora da Música de Caxias, onde discutíamos a cena da nossa cidade, os pontos positivos e negativos, e o que havia de positivo em outras cenas musicais no Brasil e no exterior. Então, tentamos juntar vários pontos em um objetivo comum para auxiliar, de alguma forma, todos envolvidos e comprometidos no desenvolvimento musical de Caxias. O principal critério para participar é que as bandas tenham músicas autorais e que apostem em seu trabalho. Outros critérios como capacidade de executar as músicas ao vivo, a postura dos integrantes e o envolvimento dos músicos na cena da nossa cidade também são considerados.
Deu para perceber alguma movimentação causada pelo programa? Nem que seja maior procura online pelos artistas.
Claro. Recebemos feedback de algumas bandas que tiveram o retorno do Recife, Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo – um público novo que assistiu essas bandas pelo Music Box Brazil e que dificilmente acessaria pela Internet. Além dessa exposição, muitas bandas não tinham nenhum material gravado executando suas músicas ao vivo e com uma qualidade de áudio e vídeo legal. Esse é outro objetivo do “360”: fornecer um material com qualidade que as bandas possam utilizar como portfólio. Sei de vários grupos que utilizaram os programas para se inscrever em festivais ou projetos de Lei de Incentivo à Cultura. Em alguns casos, até liberamos o programa antes de ir ao ar para que as bandas não perdessem o prazo de inscrição.
Como músicos e como documentaristas, qual a percepção que vocês tem da produção musical de Caxias do Sul?
É uma cena em crescimento. Acredito que estamos no caminho certo. Percebo uma grande vontade e dedicação de músicos, produtores e agentes, tanto nas questões artísticas como nas de music business, em aprender e se desenvolver nas diversas esferas que envolvem esse mercado. Porém, também percebo algumas questões bem características de cidade do interior, como dificuldade de apoio, falta de locais para apresentação, o desinteresse do público pelos artistas locais e a supervalorização do que vem de fora. Enfim, obstáculos que aos poucos estamos conseguindo ultrapassar. Não temos uma cena musical que aconteceu de repente e se populariza rapidamente. Aqui, estamos caminhando degrau por degrau, conquistando cada etapa de maneira coerente, e deixando um caminho para que outros possam seguir.
Como o programa foi viabilizado? Afinal, é raro ver um canal apostar em uma cena fora dos grandes centros.
A primeira temporada contamos com o apoio do Financiarte (Financiamento da Arte e Cultura Caxiense) para gravar os três primeiros episódios. Os outros nove foram todos investimento próprio. Nesse processo, conseguimos um grande parceiro que é a Noise Audio, do Carlos Balbinot e do Fabrício Zanco, que forneceram os estúdios, fizeram toda a captação, mix e master dos áudios. Para a segunda temporada, conseguimos aprovar um projeto no Financiarte que contemplou toda a produção. Atualmente, já estamos captando verbas para conseguir rodar a terceira temporada. Para viabilizar o 360 necessitamos dos mecanismos de financiamento para manter o programa na grade da emissora. E quanto ao canal, o Music Box Brazil tem sido um grande incentivador da música brasileira. Quando pensamos no programa, já tínhamos como meta exibi-lo ali devido a programação que eles apresentam. Desde os primeiros contatos, a emissora sempre se mostrou interessada um exibir o 360 e forneceu total apoio para tornar realidade. Para nós, a aceitação de um canal nacional em exibir a música daqui é um balizador de que a nossa cena está no caminho certo.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.