entrevista por Janaina Azevedo
Ex-integrante de duas bandas seminais do que veio a ser conhecido como Rock Gaúcho, a TNT e Os Cascavelletes, o guitarrista, vocalista e compositor Nei Van Soria segue em carreira solo desde 1992 somando oito álbuns de estúdio (entre eles o belíssimo “Jardim Inglês”, de 1998, e “Neblina”, o mais recente, lançado em 2017) e dois ao vivo numa carreira respeitada no Sul do país.
Após uma viagem a Londres em março de 2017 surgiu a ideia de realizar a primeira edição de um festival com alguns dos principais nomes do rock gaúcho: “Levantei o telefone e liguei pra todo mundo que compôs o line up do palco principal do FRG”, conta Nei Van Soria. O FRG – Edição Independência aconteceu nos dias 23 e 24 de setembro e lotou, nas duas noites, o Auditório Araujo Vianna.
Tendo no line-up nomes consagrados como Pouca Vogal, Cachorro Grande, Nenhum de Nós e o próprio Nei Van Soria ao lado de novatos badalados como Lara Rossato, Jéf e Akeem, entre outros, a escalação de 22 artistas mostrou a variedade da nova música gaúcha, algo que o site (https://festivalrockgaucho.com.br), como plataforma, amplia: “Todo mundo que curte Rock Gaúcho, passou a ter um local (site) onde pode encontrar o que tá rolando de novo!”, garante Nei.
Como surgiu a ideia para o festival?
A ideia do Festival Rock Gaúcho estava na minha cabeça há anos! Mas o formato ainda não estava concebido. Em março, fui a Londres visitar alguns amigos e tive alguns dias de ócio que acabaram virando o tal do ócio criativo! Voltei com o conceito e formato claros, na minha cabeça. Tinha convicção que deveria ser uma movimentação artística e não com um viés contratante/ contratado com patrocínios de refrigerantes e trashfood… nada disso! Levantei o telefone e liguei pra todo mundo que compôs o line up do palco principal do FRG. Apesar de alguns terem achado que era uma brincadeira, no início, logo se deram conta do que eu estava falando e perceberam como era importante fazer parte disso! Assim surgiu o FRG –edição Independência.
Quais as diferenças entre a cena musical roqueira de Porto Alegre atual e a da época em que TNT e Cascavelettes estavam na ativa?
Hoje estamos mais experientes! rsrs. Falando sério: tivemos uma radical mudança dos meios que levam a música até as pessoas e isso influenciou muito o comportamento dos músicos e artistas que, hoje, dedicam muito do seu tempo para os meios, essencialmente, redes sociais, e produzem muita coisa que não música. Perdemos um pouco, senão a maior parte, do isolamento que é uma ferramenta fundamental, artisticamente falando, para a criação. Hoje é muito difícil criar silêncio e ter tempo sem ser importunado com futilidades e banalidades criadas por estas mesmas redes. A retroalimentação dos meios reverberando na música e no público tornou “menos importante” e até substituiu parte do processo criativo. Ainda assim, nesse quesito, sou otimista e vejo que temos uma característica cultural persistente e que sobrevive a esses assaltos! Sempre me impressiono com a quantidade de bandas e a qualidade do trabalho que fazem aqui no sul. A cena de hoje, essencialmente, é mais diversa do que a que tínhamos nos tempos do TNT e Cascavelletes…
Há uma relação entre a cena musical e o local escolhido para receber o festival, como diz o release. Qual o legado que o Bom Fim dos anos 80 deixou para a música porto-alegrense? Ainda é possível localizar alguma movimentação no bairro, hoje em dia?
Sem dúvidas que há essa relação da cena com o local escolhido. Nos anos 1980 estávamos no Bar Ocidente, que fica no Bom Fim, em frente ao Araújo Vianna, todos os dias da semana! Era ponto de encontro de uma tribo que aprofundava laços todas as noites! O pessoal do teatro também estava lá! Bandas surgiram e estrearam por ali, Os Cascavelletes, inclusive! O grande legado que o Bom Fim dos anos ’80 deixou foi a miríade de histórias que temos pra contar! Ainda hoje em dia dá pra sentir a pulsação das ruas do Bom Fim… a energia pulsa!
Houve uma seleção para as bandas do palco alternativo, inscritas a partir do site. Quais os critérios para essa seleção?
O Festival Rock Gaúcho – edição Independência prima pela informalidade e a proposição de colocar a música em primeiro plano, sem espaço para imposições de patrocinadores ou essa enorme chatice, tão presente nos dias de hoje, das patrulhas ideológicas dos pretos, índios, mulheres, gays, homens, bichos, etc….O FRG é um Festival de música e este foi o único critério que usei para selecionar quem está dentro desta edição. Sem cotas, sem chatices, apenas o que interessa! Apenas música. O site do FRG foi o ponto de partida para que as bandas interessadas cadastrassem seu som e, ao mesmo tempo, todo mundo que curte Rock Gaúcho, passou a ter um local (site) onde pode encontrar o que tá rolando de novo!
Como foi o festival foi financiado?
Tivemos muitos apoiadores que nos ajudaram a colocar o FRG de pé! Especialmente, a Harman, que é uma empresa do ramo de áudio , e da Impacto/Vento Norte que é a empresa que está fazendo toda a parte de som e luz do evento. Mas a principal fonte de renda é a venda de ingressos. Claro que num país onde há uma lei intervencionista e burra, que nos obriga a cobrar mais caro de algumas pessoas, dá mais trabalho, pois essa lei penaliza as pessoas, em geral, sendo nada mais do que um grande fardo para o meio artístico e para a população. O governo, sem nenhuma contrapartida, nos obriga a vender meia entrada às custas do ingresso mais caro aos que não tem esse “direito”. As pessoas não se dão conta da perversidade dessa lei! Está mais do que na hora de revermos mais esse abuso intervencionista por parte dos governantes.
– Janaina Azevedo (www.facebook.com/janaisapunk) é jornalista.