Resenha por Renato Caliman
Nas mãos de outro diretor, “Dunkirk” (2017) correria sério risco de ser apenas mais um filme de guerra. Talvez um dos bons, mas a narrativa (provavelmente) seguiria por outro caminho, focando numa romantização dos personagens e apelo emocional (típico de Spielberg), ou na ação, por meio de combates coreografados, cheios de cortes e sangue pra todo o lado (típico de Mel Gibson). Para a felicidade de todos o projeto foi pensado e comandado por uma pessoa a qual a gente aprendeu a confiar, afinal, ‘In Nolan We Trust’. O diretor anglo-americano, que de tão cerebral algumas vezes se perde em sua própria complexidade (“Interestelar” prova isso), em “Dunkirk” surge mais intimista, porém não menos ambicioso e sagaz. Usando do seu conhecido estilo não-linear de narração, Nolan faz da história de guerra, onde a maior vitória foi sobreviver, um tenso quebra-cabeças, cuja as peças vão se encaixando com fluidez, e ao lado do maestro Hans Zimmer, do montador Lee Smith e do diretor de fotografia Hoyte Van Hoytema entrega uma obra tecnicamente impecável, facilmente admirada plano a plano.
Durante a Segunda Guerra Mundial, soldados franceses e britânicos, sem força para resistirem, são encurralados na região francesa de Dunkirk após o avanço das tropas nazistas. Numa notável operação de risco, também conhecida como Operação Dínamo, mais de 300 mil soldados aliados foram evacuados da ilha, sob ameaças constantes por terra e mar, até a cidade inglesa de Dover, graças a ajuda do exercito e de civis. Um dos grandes méritos da produção está no modo como Nolan constrói sua narrativa. Guerras não possuem apenas um ponto de vista, elas são testemunhadas por incontáveis par de olhos, e o diretor não só demonstra entender muito bem essa questão, como também enxerga nela a possibilidade de empregar sua marca, que é justamente ‘brincar’ com a cronologia, dessa vez de uma maneira menos didática. Em “Dunkirk”, ele separa a narrativa por ambientes diferentes (molhe, mar e ar), em tempos diferentes (semana, dia e hora) e com ‘protagonistas’ diferentes. Por meio desse artifício, o argumento enriquece a experiência e a jornada soa muito mais envolvente.
Mas para o roteiro engenhoso de Nolan funcionar é preciso alguém capaz de montar conforme o diretor imaginou, e essa coerência é sentida graças ao ótimo trabalho de Lee Smith (que vem trabalhando com Nolan desde “Batman Begins”, 2005), responsável por montar o filme de uma forma que não quebre o ritmo e ainda seja fácil para o público de acompanhar o desenvolvimento e estabelecer com facilidade o tempo em que as situações estão ocorrendo. A mesma importância deve ser dada ao trabalho de Van Hoytema e a configuração de seus planos abertos, que justificam a necessidade de Dunkirk em ser visto numa tela IMAX ou no mínimo maior do que as das salas convencionais. São inúmeros planos que poderiam ser emoldurados e colocados para exposição num museu, falando apenas da questão estética, pois como parte da narrativa também cumprem uma função dramática com êxito, delineando com precisão os ambientes e realçando a solidão e o clima hostil que aqueles que estão em terra enfrentam ao se verem cercados, aparentemente sem saída e sob a condição de sofrerem um ataque a qualquer instante sem saber de onde.
E se o filme pede para ser assistido na maior tela que você possa encontrar, é indispensável também que o espectador o assista numa sala que possa oferecer o som de melhor qualidade e o mais potente possível, já que este é sem sombra de dúvidas o ponto alto da obra. O músico Hans Zimmer comanda uma ‘orquestra’ que não descansa um minuto sequer, e que se encarrega de criar a tensão e mantê-la durante toda a narrativa. Ainda de maneira harmoniosa, Zimmer fabrica uma conexão maravilhosa entre a trilha sonora -não-diegética, e a sonoridade diegética, fazendo com que os barulhos causados através do impacto dos tiros e bombas soem ritmados e funcionem cada qual como instrumentos distintos da sinfonia composta pelo maestro, juntamente com os incumbidos do design de som. Bem executado do jeito que é, o som torna a experiência muito mais sensitiva e descomplicada a imersão. No entanto, apesar do visual primoroso, o som arrebatador e a montagem certeira, “Dunkirk” ‘apenas’ impressiona, não sendo capaz de evocar emoção daquela tragédia.
Para essa ausência de comoção existem quatro explicações: elenco, diálogos, a história e adivinha o quê mais? Sim, o próprio Christopher Nolan. O elenco é bem misturado. Existem nele muitas caras novas e outras muito conhecidas. Kenneth Branagh, Mark Rylance e Tom Hardy servem de sustentação para os novatos, com este último entregando mais uma atuação consistente somente com o olhar. Já os mais jovens ostentam interpretações regulares, e por não terem tanta bagagem para carregar um filme apenas na troca de olhares, precisariam de diálogos, que por sua vez estão em pequena quantidade no roteiro, e os que estão nele não tem a qualidade requisitada. Com relação a história, a falta de referência ou conhecimento do contexto sobre esse episódio prejudica a experiência. Conquistar um espectador não-europeu que nunca ouviu falar de Dunkirk é uma missão árdua, porém, poderia ter sido corrigida por Nolan, caso ele desse profundidade aos seus heróis. E olha que nem as câmeras subjetivas resolveram esse problema. Visualmente cativante e tecnicamente perfeito, falta ao filme coração.
Nota: ****
– Renato Caliman (fb.com/renato.caliman) escreve no #CineMarmita: https://cinemarmita.wordpress.com
Faltou apenas citar o Harry Styles (One Direction), kkk
Achei um bom filme, a participação dele aliás podia ter sido catastrófica, mas até que não.
Historicamente o filme foi um pouco criticado, não citou por exemplo o apoio que outros países deram às tropas inglesas.