Três perguntas: Letícia Marques (“Faça Você Mesma”)

entrevista por Bruno Lisboa

O Riot Grrrl é um movimento musical que nasceu no estado de Washington, nos EUA, no início dos anos 90 e trouxe a tona uma série de discussões ligadas ao universo feminista que, alinhadas ao manifesto político e ao discurso punk de nomes como Bikini Kill, Bratmobile e Heavens to Betsy, entre outros, acabaram por resultar numa das mais consistes e influentes manifestações artísticas da época, reverberando com impacto nas décadas seguintes.

O barulho gerado no período reverberou a nível mundial, gerando inclusive uma sólida influência na cena brasileira com diversas bandas como Domintrix, Bulimia e Lava, entre tantas outras, que acabaram por protagonizar iniciativas próprias e fizeram história na musica underground brasileira. E para trazer a tona à história destas mulheres está em processo de construção (com crowdfunding em aberto no Catarse) o documentário “Faça Você Mesma”.

Em entrevista ao Scream & Yell, a diretora Letícia Marques conta como nasceu a iniciativa de produzir o filme (“A ideia vem da percepção de que esta cena não tinha sido inscrita na história musical brasileira”), a influência da cena Riot Grrrl e os seus efeitos até hoje, o revival cinematográfico da cena musical brasileira dos anos 90 (via “Time Will burn” e “Guitar Days”) e a necessidade de documentar este importante movimento musical brasileiro.

Participe do crowdfunding: https://www.catarse.me/faca_voce_mesma_filme_9b8b

Em “Faça Você Mesma” você promove um olhar para a cena musical brasileira feminina dos anos 90. Como se deu esta iniciativa?
Em 2013, depois que eu li o livro “Riot Grrrl Revolution Grrrl Style Now”, de Nadine Monem, escrevi um esboço e deixei a ideia guardada até que, entre conversas no Facebook sobre a representatividade feminina na cena musical, a Patrícia Saltara me deu um salve pra eu fazer um filme na nossa versão riot e entrei de cabeça instantaneamente. Foi em um momento de reflexão sobre a própria cena, onde até então não existia nenhum registro “documentário” e sim materiais de arquivo de algumas pessoas espalhadas por aí. A ideia então vem de querer juntar este material, e da percepção de que até então esta cena não tinha sido contada ou inscrita na história da cena musical brasileira. Então decidi levar este projeto em uma residência em NYC e apresentar o projeto lá, que ainda era uma ideia embrionária. Filmamos então algumas entrevistas em maio de 2016 e levei este material comigo para residência e o filme então começou a ganhar forma depois destas 4 semanas no Union Docs, em Nova Iorque.

No início dos anos 90, a influência da cena Riot Grrrl norte-americana foi de suma importância para o movimento. De lá para cá o que mudou?
As cenas tiveram repercussões parecidas até 2008 com festivais como Ladyfest acontecendo nos Estados Unidos e em São Paulo também. Em 2008, algumas bandas terminaram e aí o movimento riot deu uma desacelerada. Até este ano (2017) eu não tinha acompanhado o Girls Rock Camp Brasil e então me dei conta que, em parte, acho que ele é responsável por reunir estas mulheres novamente, as da primeira geração lá dos anos 90 e as que vieram depois dos anos 2000. E o primeiro (evento) aconteceu em 2013. Acho que a partir de 2013 as mulheres começaram a se reunir novamente, dar oficinas, trocar experiências e, de um ano para cá, esta cena ressurgiu com mais festivais de musica em SP e BH, entre outras cidades, com bandas da terceira geração também tomando mais a cena. E esta cena se reconfigura muito pelo advento da internet onde a comunicação ficou mais fácil, direta e instantânea. Então hoje se você quer conhecer as bandas, ouvir as musicas, ter infos de shows, você acha facilmente e isso fortaleceu a rede entre elas, o contato e a extensão do movimento riot. Agora em termos de representação feminina (e gêneros) acho que há mais bandas, mais representatividade, e isso se liga a Primavera Feminista também, momentos de reflexão e de mudança de padrões e paradigmas porque não da mais pra viver no mundo velho. Mais mulheres ocupando os fronts dos palcos, mas também dos escritórios, de qualquer forma de se ser no mundo. E vale lembrar que algumas bandas brasileiras nunca pararam como Dominatrix e The Biggs. E nos Estados Unidos, a Kahtleen Hanna voltou com The Julie Ruin e o Sleater Kinney também retornou depois de 10 anos em hiato.

O recente documentário “Time Will Burn” (de Marko Panayotis e Otávio Sousa) e o ainda inédito “Guitar Days” (de Caio Augusto Braga) também rememoram a mesma época, cada um com seu viés. Por que você acha que o interesse por esta época veio à tona?
Acredito que, 20 anos depois, percebi o potencial e impacto que o Riot Grrrl teve na minha vida e como foi um movimento que moveu muitas meninas também. Perceber a importância que teve na cena underground, perceber que me formou e formou as pessoas que conheço até hoje foi crucial para querer contar estas histórias e, pra mim, coincidiu com o fato de querer escrever e fazer documentários, algo que eu tinha deixado de lado desde 2008. A Patrícia Saltara (Wee, Hidra, Las Dirces) comenta que por terem lançado estes dois documentários que você cita e as mulheres e bandas femininas não serem de fato representadas nele é que ela resolveu me chamar atenção para fazermos um filme, e esse comentário dela veio depois de um post da Mari Crestani (Fishlips, Pullovers, Wee, Bloody Mary una chica band) sobre essa atual documentação da cena brasileira e de não se sentirem representadas. E finalizando, como vivemos estas histórias acho que foi um momento de amadurecimento e de poder se distanciar destas experiências para poder olhar pra trás, refletir e conseguir fazer um filme. O momento também acompanha esse ressurgimento do riot grrrl e do movimento feminista.

– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator/colunista do Pigner e do O Poder do Resumão. Na foto que abre o texto, a equipe do filme entrevista Debora Bianna, em maio de 2016 / Divulgação

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