Entrevista: Miguel Olivencia (Premios Grafitti, Uruguai)

entrevista por Leonardo Vinhas

Criado em 2003, os Premios Grafitti são hoje a principal premiação da indústria musical uruguaia. Inicialmente dedicado ao rock, passou a abarcar cada vez mais categorias e hoje, como costuma acontecer em iniciativas semelhantes, abarca uma grande quantidade delas: eletrônica, indie, tango, infantil, música tropical, música urbana, punk, hip hop e outros tantos, além de itens que vão de direção de arte a reconhecimento de trajetória.

A rigor, não há tanta diferença entre “los Grafitti” (como são conhecidos) e outras premiações do continente. Porém, chama a atenção a grande presença de discos independentes entre os indicados, assim como a variedade musical contemplada. Ainda que seja alvo de discussões e polêmicas em todos os anos – como, frise-se, é de praxe em eleições desse tipo – é impressionante notar como uma premiação “da indústria” não se fixa apenas na indústria “oficial”, tampouco trata os independentes com condescendência. O júri, composto de profissionais uruguaios e estrangeiros, contempla a produção musical como um todo, sem estabelecer distinções entre o mainstream e o underground.

A edição de 2017 chama a atenção pela grande presença de artistas independentes. Podem ser os indies da Mushi Mushi Orquesta, o rock sombrio do Chillan Las Bestias, o hip hop de Puchero, o metal do Nameless, o candombe de Diego Jenssen ou o reggae de Pedro y Los Medusa, não importa: disputam igualmente com nomes de peso no país, como Luciano Supervielle (produtor musical, solista e também integrante do Bajofondo), Jaime Roos (possivelmente o maior nome vivo da música uruguaia) ou “supergrupo de cantautores” El Astillero (com Franny Glass, Garo e Diego Presa).

A entrega dos Grafitti ocorre em duas etapas: em 12 de julho e em 9 de agosto (veja a lista de indicados aqui). Antes que elas ocorressem, conversamos com Miguel Olivencia, organizador da premiação, para entender sua visão do momento atual do cenário musical uruguaio, que concentra uma das produções mais diversificadas e instigantes do continente.

Esse é um ano em que há muitos independentes entre os indicados aos Premios Grafitti. Sempre houve um equilíbrio entre o mainstream e o underground, mas em 2017 há, de fato, muitos artistas dessa última porção. Em sua percepção, qual foi a razão para isso?
Os Premios Graffiti sempre incentivaram a participação dos artistas independentes. O acesso às novas tecnologias democratizou a produção musical em todos os seus aspectos: a realização dos discos, a promoção e até a aproximação aos canais de distribuição, o que fomenta ou mesmo obriga a produção independente [a se intensificar]. Também passa pelo encolhimento do orçamento dos selos estabelecidos. Este novo mundo digital potencia as possibilidades dos artistas independentes tanto para o mercado doméstico como para o global.

Comparada à de outros países sul-americanos, como Brasil ou Argentina, a indústria musical uruguaia é menor. Ainda assim, é muito rica, tanto em tradição quanto em novidades. Porém, é difícil para os músicos viverem exclusivamente de música por aí.
A produção cultural uruguaia, e não apenas sua música, deve ser comparativamente menor que a de muitos países com economias mais fortes que a nossa. Porém, acredito que essa fraqueza é nossa maior fortaleza. Saber que viver exclusivamente de sua arte é muito difícil leva [um artista] a ser muito mais criativo na hora de produzir e sustentar-se dividindo suas atividades diárias com a arte.

Há alguns artistas, como Papina de Palma e La Mujer Pájaro, que estão presentes com seus primeiros trabalhos não apenas na categoria “artista novo”, mas também em outras categorias mais – digamos – “estabelecidas”. O que essa nova geração da música uruguaia promete?
Já desde alguns anos, as novas gerações estão somando ao seu talento um nível de profissionalismo e preparação que fazia falta à música popular uruguaia. Um exemplo claro é a estandartização do produtor musical, figura que antes não existia e agora somou um bônus de qualidade nas produções discográficas.

Há muitos entre os indicados que extrapolam as fronteiras do Uruguai. Supervielle é um nome de peso em toda a América do Sul, Nicolás Molina saiu em turnê pelos Estados Unidos e pelo Brasil várias vezes, além de nomes que já são referência no continente, como Francisco Fattoruso e Rubén Rada. Você crê que isso tem mais a ver com a facilidade de acessar a informação musical hoje, ou é algo mais relativo ao esforço dos músicos para chegar a outros públicos?
A internacionalização requer um grande esforço pessoal, mas também é preciso ter uma proposta profissional e um grande produto. Sem canções e sem um respaldo artístico e de talento, não se consegue nada no mundo de hoje.

Hoje, qual a representação artística que os Premios Grafitti têm?
Como todo premio, representam um ano de produção musical, suas virtudes e seus defeitos. Prêmios, em geral, valorizam, promovem e hierarquizam, mas por si só não mudam as realidades do que aconteceu no ano anterior.

Nos últimos anos, as mudanças aconteceram de forma muito rápida na indústria. Hoje, quando o álbum é mais uma questão artística que uma fonte de renda, qual é a maneira mais segura de garantir o crescimento da estrutura da indústria musical para os próximos anos?
Fortalecendo os artistas e sua relação com o público. O disco e suas canções continua sendo o maior elemento físico tangível da relação de um músico com seu entorno, e sua maneira de demonstrar o que quer expressar naquele momento. Ainda que a venda de discos diminua, nunca se escutou tanta música e nunca houve uma relação tão direta entre os músicos e seu público.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell. Fotos do texto por Tomas Faquini / Divulgação. Confira a galeria completa de fotos aqui.

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