Textos por Gil Luiz Mendes
Fotos por Mídia Ninja (Confira galeria)
DIA 1 – 08/05/2017 – SEGUNDA-FEIRA
Quem esperou uma primeira noite de guitarras distorcidas na abertura da 19ª edição do Bananada, dia 08 de maio em Goiânia, pode ter encontrado isso em outras casas que recebem essa primeira etapa do festival, dedicada a showscases em bares, boates e teatros de Goiânia somando no total 10 shows, mas não na ROCK. Em um palco dominado pelas mulheres, o que seu ouviu no espaço, que é misto de bar e galeria de arte, foram levadas folks, um pop promissor e cadências sensoriais. Boa parte dos grupos que se apresentam nesses três primeiros dias são da nova safra de artistas da capital goiana. E aí percebe-se que um festival, que já ultrapassou a maioridade, começa a colher uma segunda ou terceira safra de sementes que foram plantadas em décadas anteriores. Isso deve ser louvado por manter uma cena viva, dentro de um contexto de uma cidade que é considerada a capital da música sertaneja no país.
Uma prova de que o Bananada está dando espaço para novos nomes é a cantora Chell. A primeira atração da noite na ROCK fazia seu segundo show de toda a breve carreira. Com 24 anos e um EP lançado há menos de dois meses, Chell era a responsável por atrair boa parte do público que chegou cedo ao espaço, muitas já sabendo cantar suas músicas. Se ela é neófita nos palcos, por outro lado tem uma larga experiência na internet com um canal no Youtube, junto com a namorada, que trata de temas LGBT, que em uma primeira audição parecem estar nas letras de suas músicas, mas aos poucos percebe-se que são situações e desilusões amorosas comuns a meninas de vinte e poucos anos embalados por um folk juvenil, bem ao estilo Mallu Magalhães, referência evidente para Chell. Mesmo tendo tocado apenas oito canções (as cinco do EP, duas inéditas e uma versão da música “Baba, Baby”, da Kelly Key), a jovem cantora mostrou que tem potencial para ir além do seu nicho na internet. Para isso talvez seja preciso fugir das tentações de fórmulas já conhecidas e arriscar mais para fora do folk. O samba “Vestido” e o quase xote “Meu Bem” mostram que outras vertentes podem ser mais exploradas.
A segunda a se apresentar na noite já estava no palco durante o primeiro show. Niela saiu da condição de guitarrista da banda que acompanha Chell para assumir o centro das atenções. Certamente foi o show que concentrou mais gente em frente ao palco e que em alguns momentos se tornou uma mini pista de dança. Junto com a sua voz grave e acompanhada de uma excelente banda, Niela faz um pop simples, honesto e as vezes suingado. Chama atenção a habilidade que ela tem empunhando a sua Fender Telecaster e som que consegue tirar utilizando apenas um pedal de overdrive e alguns acordes dissonantes.
Encerrando a noite, Sarah Abdala subiu ao palco para mostrar canções do seu segundo álbum “Oeste” lançado no mês passado. O público era menor do que o do show anterior, mas foi seduzido a ficar mais perto da cantora pelo ar intimista que a apresentação propunha. Sentada com uma guitarra e acompanhada por mais dois músicos, sintetizadores e violão, Sarah mostrou canções sensoriais, cheia de efeitos e delays. O show desacelerou de certa forma uma sequência de apresentações que ia numa crescente. Ao mesmo tempo, Sarah só poderia tocar em um lugar fechado e aconchegante como a ROCK. Em um palco maior ou em uma área externa, suas músicas não prenderiam tanto a atenção do publico. Por ter uma carreira mais consolidada do que as meninas que se apresentaram antes, Sarah foi escalada para encerrar a primeira noite, mas talvez seria mais interessante assisti-la antes.
DIA 2 – 09/05/2017 – TERÇA-FEIRA
A segunda noite do Festival Bananada 2017 prometia 16 eventos divididos em vários lugares, e uma das casas, o Cafofo Estúdio, deixou a desejar: abriu as portas com 40 minutos de atraso e ainda fez quem chegou no horário marcado para os shows (ou seja, 40 minutos antes) assistir a passagem de som das bandas (e passagem de som é uma das 10 coisas mais chatas do mundo). Não bastassem os deslizes da casa, teve gente de imprensa pisando na bola também, postando-se dentro do palco com câmera fotográfica a poucos centímetros do rosto do artista, numa atitude nada agradável para quem toca e para quem assiste. Tais problemas se mostraram pequenos com relação à alta qualidade das três bandas que se apresentaram na noite: Lutre, Components e Manso trazem artistas jovens, mas que impressionam pela força sonora que demonstram.
Seis dias após colocar seu primeiro disco no mundo, a Lutre subiu no palco para mostrar as vigorosas canções do álbum “Apego”. O power trio mostrou toda força, barulho e experimentalismo que guitarra, baixo e bateria podem fazer e soar melodicamente bem. A potência instrumental cheia de drives contrasta com timbre quase limpo da voz do cantor Marcello Victor. Com o palco montado nos fundos do Cafofo Estúdio, o espaço acolhedor e um público com vários rostos conhecidos fez o bom show parecer uma grande reunião de amigos e não há nada melhor para que faz música do que tocar para quem se gosta. Mesmo em pequeno número, o público mostrou conhecer boa parte das canções, mesmo as menos cantadas e mais declamadas.
Quatro moleques cabeludos com cara de quem acabou de sair do ensino médio. Essa é a primeira impressão que se tem ao ver os integrantes da Components. Isso até eles começarem a tocar. Com os instrumentos ligados percebe-se que, mesmo com a pouca idade, eles já tocam há algum tempo juntos tamanho o entrosamento que mostram. No segundo show da noite não se ouviu uma nota fora do lugar. Além do som maduro e bem feito, destaca-se a performance do vocalista Matheus Azevedo, que mistura desengonçadas danças, ao melhor estilo Renato Russo, e a segurança de ser o front leader, mesmo que as vezes mostre uma pretensa timidez ao se dirigir ao público. O “Peso do Papel”, single lançado em 2016, talvez seja um resumo do que é o personagem que ele encarna durante o show.
A última atração da noite era a formada por músicos mais velhos e fez um show para um público maior e mais participativo. Manso é uma banda de hard rock tradicional que pesa a mão nas baladas românticas e anda por cima de uma linha tênue que divide padrões clichês e bregas da autenticidade que muitas vezes uma banda autoral precisa mostrar. Fãs da Banda Malta, Bon Jovi e música sertaneja amorosa podem se identificar com o som honesto feito pela Manso. Prova disso foi a grande participação do público na canção “Palhaço”. Mas a escalação da banda para encerrar a sequência de shows talvez não tenha sido acertada. Ficou estranho terminar a noite ouvindo violão e uma voz dramática depois de ouvir apresentações que tiveram nas guitarras altas e distorcidas como ponto em comum.
DIA 3 – 10/05/2017 – QUARTA-FEIRA
A melhor noite, até o momento, do Bananada 2017 levou à Diablo três bandas diferentes em seus conceitos musicais, mas que tem em comum uma energia e entrega no palco até então não vista no festival. Quem compareceu ao local na noite desta quarta feira pode ver estilos de rock diferentes, mas que de alguma forma dialogam entre si. Por isso deve-se parabenizar a curadoria que escalou Trem Fantasma, Black Drawing Chalks e Far From Alaska. A relação das bandas, cada uma ao seu modo, com o público goiano é algo que deve ser levado em conta.
Os curitibanos da Trem Fantasma faziam naquele momento o seu primeiro show na cidade e responsáveis por abrir a noite pegaram uma casa que ainda não estava na sua lotação máxima. O show seguro pautado em cima do álbum “Lapso” (2016) agradou quem chegou cedo na Diablo. O visual e os timbres das guitarras e sintetizador deixam clara a influência do rock psicodélico do final dos anos 60, principalmente nos primeiros discos do Pink Floyd.
Se fosse um time de futebol poderíamos assegurar que o Black Drawing Chalks estava jogando em casa, dando olé e levando a arquibancada ao delírio. O quarteto era o dono da festa e fez a pista da Diablo ferver. A alegria dos caras em cima do palco era nítida por tocar para um público tão fiel e conhecido. O clima de confraternização era tão grande que os integrantes dividiam goles em uma garrafa de uísque entre si e com parte público, e ainda abriram espaço para convidar amigos para tocar algumas músicas com eles.
Distante alguns milhares de quilômetros do seu lugar de origem, os potiguares da Far From Alaska podem considerar Goiânia como uma segunda casa. Com cinco anos de existência, mas fazendo seu sétimo show na cidade, a FFA tem um bom número de fãs fiéis que cantam a plenos pulmões cada hit e vibram mesmo com as músicas novas que tomaram conta de boa parte do repertório. O som que vem do palco tem o peso de um Metallica ao mesmo tempo que tem o pop chiclete de uma Selena Gomes. O resultado disso pode parecer estranho, mas agrada até os ouvidos mais desatentos. Há de se destacar a presença de palco e a potência de voz de Emmily Barreto, vocalista do grupo.
DIA 4 – 11/05/2017 – QUINTA-FEIRA
É quinta-feira e o Bananada abriu as portas do principal espaço do festival. O Centro Cultural Oscar Niemeyer recebeu um bom público para conferir as apresentações da Orquestra Filarmônica de Goiás, Rollin Chama e Boogarins. Dos cinco palcos que abrigarão shows no espaço, apenas um foi utilizado. Segundo o idealizador do evento, Fabrício Nobre, apenas 30% dos serviços e atrações foram mostrados nesse primeiro dia. Longe da capacidade total, o que foi apresentado satisfez quem esteve presente no CECON. Algumas ações da organização merecem ser destacadas. Tem água pra quem quiser e sem precisar pagar nada. Pode passar no balcão dos bares e pedir um copo que será concedido gratuitamente. Ainda na parte da alimentação a ideia de colocar dos produtos em valores múltiplos de cinco. Cerveja R$ 5, chopp R$10, yakissoba R$ 15… Parece besteira, mas isso faz as filas fluírem mais rápido e minimiza bastante aquele perrengue eterno por conta de troco. Pista de skate, chapelaria e espaço para crianças também são outras regalias que o evento oferece.
Passava um pouco das 21h quando Carlos Eduardo Miranda subiu ao palco, com seu habitual traje branco, para anunciar o início do festival apresentando a Orquestra Filarmônica de Goiás. Umas das bandeiras que o Bananada quer empunhar é o da diversidade. O line up e a escalação de uma orquestra demonstra isso e há quem torça o nariz para dizer que o festival goiano tem muito pouco de rock atualmente. Sob a regência do maestro britânico Neil Thomsom, a promessa da OFG era tocar músicas populares para uma assimilação mais fácil de um público que não está acostumado a um repertório mais clássico. Era difícil esperar o silêncio sepulcral que normalmente há em teatros em dias de concertos, mesmo assim a atenção do público estava presa no palco. Se não estavam habituados com os temas, pelo menos os ritmos eram familiares para parte da plateia. A orquestra acertou em cheio ao fazer uma grande variação de gêneros. De mambo à valsa passando pelo jazz uma boa parte do tempo. Mas como o festival é de rock, a OFG conseguiu colocar as pessoas para dançar nas duas últimas músicas com o hit da disco music “Dancing Queen”, do ABBA (que mereceu bis) e o clássico “All You Need Is Love”, dos Beatles.
Minutos depois de violinos, violoncelos, e flautas se calarem, começou um carnaval nonsense que pegou o público do CECON de surpresa. Um trio elétrico surgiu em meio a plateia, trazendo em cima a Rollin Chama, banda veterana da cena goiana. Não foram poucas as vezes que o vocalista Fal, trajando um vestido de estampa de pele de onça, disse se sentir a própria Ivete Sangalo. Letras escrachadas que falam sobre maconha, ditadura militar e mulheres foram entoados e bem aceitos pelo público, que tinha uma grande identificação com a banda, mesmo com o excesso de discursos e piadas do cantor. Era previsível, mas o grupo fez uma grande exaltação a terra natal e de cima do trio elétrico jogava pequenas bandeiras do estado de Goiás com a frase “Sou Goiano e Foda-se”, título do último álbum da banda.
A grande atração da noite ficou por conta da banda independente brasileira com maior repercussão fora do país. Filhos da terra, o Boogarins era esperado com ansiedade pelo público e não decepcionou com aquilo que eles fazem de melhor: música lisérgica brasileira. O descompasso nas cadências e o uso a exaustão de efeitos sonoros dão todo aspecto de psicodelia tão usado hoje em dia por dezenas de grupos, mas há um groove que traz uma certa brasilidade ao som dos goianos que dá singularidade à música que fazem. Ainda trabalhando o álbum “Manual”, lançado em 2015, o Boogarins trouxe como novidade para esse show o single “A Pattern Repeated On”, que tem a participação no vocais de John Schmersal, do Brainiac, mas que foi cantada em português para a su4presa dos fãs. A apresentação foi encerrado ao melhor estilo da banda: muito noise eversos repetidos em delays infinitos, num bis que durou mais de dez minutos encerrando mais um dia de Festival Bananada, que segue até o domingo aqui em Goiânia.
DIA 5 – 12/05/2017 – SEXTA-FEIRA
23 atrações se apresentaram no quinto dia do Bananada 2017. É claro que seria impossível acompanhar todos os shows dos cinco palcos, até porque alguns ocorreram simultaneamente, mas quem gosta de diversidade de ritmos e passear por vários ambientes em uma única noite, o Centro Cultural Oscar Niemeyer era uma ótima opção na sexta-feira. Os palcos ficam próximos um dos outros – alguns até demais. Os palcos Slap e Spotify são pequenos e ficam frente a frente, numa distância máxima de 30 metros, mas as apresentações são intercaladas, não prejudicando os shows entre deles. Já o palco Skol é mais distante, mas por ser bem maior, às vezes seu som chegava até o espaço dos dois palcos menores, podendo ser ouvido principalmente no intervalo das músicas.
Abrindo o palco Slap com um atraso de meia hora, a banda Branda foi a primeira a se apresentar, e a demora ocasionou um efeito cascata e nenhum dos shows da noite teve início no horário previsto. É um som honesto, mas os goianos fizeram um show morno, para um público ainda pequeno e não mostraram muita coisa de diferente de milhares de bandas fazem mundo afora. Pela primeira vez tocando em um grande festival fora de São Paulo, os paulistanos da Raça mostraram potencial para se tornar uma grande banda. Um vocalista carismático, músicas que são fáceis de cantar em coro, algo que foi feito por quatro vozes em cima do palco Spotify. Apesar do show curto, cerca de 30 minutos, o som hora dançante, hora sensitivo, foi bem recebido pelo público goianiense.
Um palco grande com apenas três músicos e, na plateia, muito espaço para um público ainda pequeno. Assim foi apresentação do pernambucano Barro. Apesar de ter um power trio, a variedade de sons feita pela quantidade de efeitos e samples mostrava um som muito encorpado e sem espaço para silêncios. Em seu show, Barro mostrou porque é uma das gratas surpresas da nova música pop brasileira. Apresentando as canções de “Miocárdio” (2016), seu aclamado disco de estreia, o músico mostrou que sua mistura de sons contemporâneos com leves toque de ritmos regionais tem facilidade de cair no gosto do público.
Os cariocas da Ventre foram os primeiros a subir no palco Chili Beans, o principal do evento, e foram recebidos por um grande público. A banda que já havia tocado no Bananada 2016 em um palco menor (e nessa mesma edição dias atrás no palco do SESC) fez um show competente mostrando que tem som de sobra para grandes festivais. Além de toda técnica com as baquetas, a baterista Larissa Conforto foi um dos destaques da apresentação por seus discurso à cerca do direito das mulheres, dizendo que já foi-se o tempo que as meninas iam para festivais acompanhar os namorados e que o momento agora é delas ocuparem, cada vez mais, os palcos.
Na sequência no mesmo palco, Fióti. O show feito com maestria mostrou que já passou da hora de tratá-lo apenas como o irmão do Emicida ou o grande homem de negócios do underground brasileiro. Todas as influências de música negra de alguém que foi criado na Zona Norte de São Paulo estão no seu show. Reggae, soul, samba, samba-rock… Fióti também é um grande letrista e sua música inspirada nos ensinamentos de Darci Ribeiro mostram isso. Outro destaque da apresentação foi a excelente releitura de “Olha Pipa”, um lado b de Jorge Ben do quase esquecido disco “Alô Alô, Como Vai”, de 1980.
Trazida para uma turnê no Brasil pelo Laboratório Fantasma, do já citado Fióti, a norte-americana Akua Naru mostrou toda força da música negra dos EUA. Com uma banda formada por excelentes músicos, Akua se mostrou muito mais do que uma rapper e fez grande parte da sua apresentação recheada de grooves mais cadenciados do R&B. Mesmo se comunicando em inglês, ela conseguiu ter uma grande interação com o público e um dos grandes momentos do show foi uma homenagem a diva Nina Simone.
Os dois últimos shows da noite foram de artistas que já tem sua legião de fãs consolidadas e que não dão brechas para erros em suas apresentações. Céu enfileirou uma sequência de hits que foram cantados de cabo a rabo pelo público. Não chega a ser um show dançante, mas impressiona pelo fascínio que exerce nos espectadores. Já o Baiana System provou mais uma vez porque é considerado o grupo com a melhor apresentação ao vivo do país (nesta segunda-feira eles recebem o Prêmio APCA de Melhor Show). Não há como ficar parado pela explosão de graves que vem da mistura de dub, samba-reggae e afoxé do grupo. Sem intervalo, Russo Passapusso e sua trupe tocaram as canções do excelente “Duas Cidades”, improvisaram vários temas e não queria deixar o palco. Foi preciso que a produção do evento pedisse para o grupo encerrar apresentação por volta das 3h, mas certamente eles teriam energia para ficar tocando até o dia amanhecer.
DIA 6 – 13/05/2017 – SÁBADO
Chegado o penúltimo dia do festival, já é possível avaliar o Bananada 2017 como um evento que fez de tudo para surpreender e agradar o maior número possível de pessoas. E isso vai de pensar em detalhes de infraestrutura até na escolha das bandas e as noites em que cada uma tocaria. O sábado ficou marcado pela nostalgia de um passado que não se viveu e pelo presente que certamente ficará marcado na história. Dito isto, um tipo de MPB desconstruída é o que pode se falar da proposta da Consuelo, de Brasília. A vocalista Cláudia Daibert é uma performer em todos os sentidos que a palavra possa alcançar. Com overdrives na voz e chifres na cabeça, a cantora dizia ser o próprio diabo nas canções, executadas por grandes músicos candangos, dentre eles Esdras Nogueiras, ex-Móveis Coloniais de Acaju, responsável pelo sax barítono e flauta.
O show seguinte, no palco Spotify, do mineiro JP Cardoso apresentou uma curiosidade dentro do Bananada. Responsável por fazer a curadoria do palco que leva bandas emergentes do underground brasileiro, Mancha Leonel, da celebrada Casa do Mancha, em São Paulo, tocou pela primeira vez no festival, assumindo as baquetas da banda de JP. Indie rock dos bons, com letras em inglês, algo que até então pouco tinha se visto no festival. O indie também foi a tônica da apresentação dos paulistanos da Terno Rei. A banda é aclamada pelo som minimalista que faz, onde quase nunca se ouve as distorções das guitarras. Fizeram um show retilíneio, sem falhas, mas também sem nenhum grande momento que mexesse com o, ainda, pequeno público no palco Skol.
Levando todo experimentalismo que é peculiar a banda, o Aeromoças e Tenistas Russas conseguiu fazer um show dançante e contemplativo ao mesmo tempo. No Palco Chili Beans, o grupo mostrou o repertório que levará nos próximos dias para uma turnê europeia, marcado por moods interessantes com uma grande pegada de trip-hop. É um som eletrônico, feito ao vivo de forma orgânica e que agrada muito aos ouvidos. A boa surpresa e melhor show da noite ficou por conta dos colombianos da Romperayo, quarteto que levou ao palco principal a sonoridade de ritmos caribenhos tradicionais como cumbia e guaracha, mas reproduzidos em novas leituras que somam jazz, pop e altos sintetizadores. O destaque da banda é o baterista, que também faz as funções de percussionista, e posiciona seu instrumento à frente do palco. Superando vários problemas técnicos, o grupo de Bogotá fez o show mais animado da noite.
O pernambucano Tagore encerrou a noite do palco Spotify com um rock nordestino imerso até o pescoço nas referências psicodélicas regionais, como Lula Côrtes e Zé Ramalho. O show bom, curto e direto mostra que o músico pode, em futuras edições do Bananada, tocar em palcos maiores. Já Liniker ostenta revolucionário na história da música brasileira. Anote: no futuro irá se falar dessa segunda década do século XXI, período onde uma artista superou o raso discurso da sexualidade para entrar de vez para o hall dos grandes nomes da música brasileira. A apresentação impecável no Bananada e a reação do público, principalmente na forma emocionada que participou da canção “Zero”, mostram isso.
É quase certo que grande parte todo público presente no Centro Cultural Oscar Niemeyer nunca tinha visto ao vivo uma das bandas mais importantes da história do rock nacional e, por isso, era explicada a expectativa por ver os Mutantes, que se apresentaria com apenas um integrante da formação original. Sérgio Dias é uma lenda viva e poder vê-lo atuando ainda como um grande virtuose da guitarra é um privilégio. Começando o show dando uma bronca pública no seu roadie e contando das lembranças de um longínquo festival em 1972, no parque Água Branca, em São Paulo, o líder da banda chamou Fabrício Nobre ao palco para homenageá-lo antes de tocar a primeira música do show. Com poucas músicas novas no set, Os Mutantes fizeram no Bananada o que o público mais ansiava: uma apresentação recheada de clássicos como “Batmacumba”, “Minha Menina”, “Top Top”, “Balada do Louco”, “Ando Meio Desligado” e, encerrando com um bis emocionante, “Panis et Circenses”
DIA 7 – 14/05/2017 – DOMINGO
A sensação clara do espectador atento é de que a edição 2017 do Bananada foi feita para ser marcante. Durante os sete dias do evento, a produção mostrou que está atento ao que de melhor está acontecendo na música pop brasileira, sem deixar de lado o underground, abrindo o palco para novas bandas, e reverenciando grandes nomes. Essa fórmula parece ter dado certo e deve se repetir ainda por algum tempo. A última noite de shows foi, inclusive, um resumo disso. Com o dia ainda claro e algumas bandas passando o som em outros palcos, os mineiros do El Toro Fuerte começaram seu show no palco Spotify com um público pequeno formado por parentes, amigos e algumas pessoas que queriam aproveitar cada momento do último dia. O quarteto é de uma geração que teve seu primeiro contato com a música em meados dos anos 2000, durante a explosão do emo, e que pouco tempo depois encontrou a MPB e o rock. O resultado disso é bem confuso, assim como a voz de um dos vocalistas que soa idêntica em timbre e métrica a de Rodrigo Amarante.
No horário previsto para o início do show do Rakta, a banda já estava no palco Skol, mas ainda passando o som. Demorou cerca de 30 minutos para o início da apresentação de um dos nomes mais badalados de 2016, e a sonoridade No Wave, com batidas retas e sintetizadores, do trio paulistano rendeu um show honesto, mas abaixo da expectativa do público que, em pequeno número, até ensaiou pequenos gestos de entusiasmo. O início da noite foi o momento mais pesado do festival. Enquanto o Far From Alaska fazia no palco Chili Beans seu oitavo show em Goiânia, o Mad Monkee oferecia distorção para que estivesse disposto a bater cabeça. A banda cearense mostrou canções do disco lançado este ano, produzido Carlos Eduardo Miranda, um dos apresentadores do Bananada, com um forte de pegada de metal e stoner rock, no melhor estilo Red Fang.
Com a novidade de ter o ex-guitarrista Chucky Hipótilo na bateria, o Forgotten Boys fez um show dentro do esperado, com riffs e melodias que seus fãs mais dedicados já conhecem há um bom tempo. A volta de Chucky para banda parece ter dado um som mais cru e direto para o grupo, vide o set de bateria simples e a ausência de viradas virtuosas desnecessárias. Já a apresentação da aclamada Teto Preto foi mais visual do que auditiva. Não que o som estivesse ruim, mas a vocalista Laura Diaz subiu ao palco Skol com uma grande capa plástica amarela e em poucos minutos ficou nua em pelo. A atitude transgressora aumentou o interesse de parte do público pelo show.
Na sequencia, Tulipa Ruiz surgiu para se apresentar diante da grande legião de fãs que tem na capital goiana. A identificação do público feminino com suas canções que tratam sobre relacionamentos cresceu e fez mais sentido nas três músicas que ela cantou com a participação surpresa de Liniker, que realçou uma apresentação que já era bem ótima. A maior aglomeração de pessoas na frente de um palco durante a noite, porém, aconteceu na apresentação de Karol Conka, e toda essa multidão não só assistiu ao show como dançou em todas as músicas da rapper, que deu uma prévia do single que será lançado nos próximos dias e que tem como temática o sexo oral feminino.
A grande expectativa da noite (e do festival) era para o show de Mano Brown e seu “Boogie Naipe” – essa seria apenas a segunda vez que o líder do Racionais Mcs apresentaria seu show solo, lançado dias antes em São Paulo. Acostumado a ter ao seu lado em cima do palco os três parceiros que formam o maior grupo de rap da história do Brasil, dessa vez Brown surge acompanhado de um big band formada por nada mais que 13 músicos. E é a banda Boogie Naipe que dá ao show um aspecto de baile black paulistano dos anos 70, com pesados funks, soul e R&B. É nesse clima de festa que surge um outro Mano Brown, que ri, dança, bebe e fuma no palco, diferente daquele que se apresenta nos shows do Racionais sempre de cara emburrada e com grandes discursos sociais. Seu Jorge, que faria apenas uma participação durante o show, não saiu mais do palco depois que entrou e passou a ser mais um integrante da banda se revezando entre a flauta transversa e os backing vocals. Muita gente esperava que um dos grandes nomes da música negra brasileira entoasse algum clássico dos Racionais, mas ao invés de frustração, a maior parte do público deixou o Centro Cultural Oscar Niemeyer com uma grande satisfação e uma grata surpresa.
Após sete dias de shows, a sensação é de que o Bananada tem o mérito de ser um festival que preza pela diversidade e isso conta a favor tanto das pessoas que vão à Goiânia em busca de novidades, como para aquelas que são fãs de determinado estilo, pois é certo que o evento de alguma forma vai agradar em algum momento. O saldo final do festival é bastante positivo, reunindo alguns dos melhores shows do país na atualidade, mas, para os próximos anos, a organização precisa ter mais cuidado com a questão dos horários, afinal de contas o público não paga ingresso para assistir passagem de som, e um atraso em um palco atrapalha quem sai de casa com os horários planejados antecipadamente. É um problema menor, mas que precisa ser sanado para que o festival se torne impecável.
– Gil Luiz Mendes (https://www.facebook.com/gil.luizmendes), jornalista, 32 anos, viveu boa parte da vida no Recife e hoje mistura a sua loucura com a de São Paulo. Tem passagens pelas rádios Jornal do Commercio, CBN , Central3 e tem textos publicados no IG e na Carta Capital. É skatista e músico quando dá tempo.