por Leonardo Vinhas
“Vulcanidades (single)”, Livia Nery (Independente)
A baiana Livia Nery constrói seu som a base de loop stations, samplers e voz, eventualmente acrescentando instrumentos como guitarra e violão. Apesar de isso sugerir uma eletrônica pouco acessível a quem não é afeito ao gênero, Livia trabalha muito próxima ao formato canção. Com influências discretas, porém precisas, de soul contemporâneo e da tradição vocal brasileira, Lívia mostra em “Vulcanidades” que escapa da armadilha que é confundir eletrônica com um som metido a classudinho e anódino. Produzido por Livia Nery e Rafa Dias e mixado e msterizado por André T, esse single, que traz ainda “Garota Multicor”, antecipa seu álbum de estreia, a ser lançado ainda em 2017, e sugere que ela se livrou dos clichês downtempo mostrados em suas gravações anteriores. O “lado A” traz climas místicos e quase psicodélicos, valorizados pelo arranjo vocal, enquanto o “lado B” alterna gelidez e calor em uma trama mais sensual. Ouça as duas faixas no Soundcloud da cantora.
Nota: 7
“Laya”, Laya (Selo Circus e YBMusic)
Vocalista da banda O Jardim das Horas, a franco-brasileira Laya também tem um trabalho solo, que debuta em um álbum completo homônimo. É surpreendente que um álbum de estreia venha tão bem resolvido, ainda mais quando se propõe a apresentar uma música na qual rock, MPB e jazz têm pesos equivalentes na concepção das estruturas das canções e dos arranjos. De cara, as expectativas já são quebradas: “Mais Brilhantes”, que abre o álbum, insinua uma canção MPB apenas “simpática” em sua introdução, até ter seu revestimento reembalado por apliques jazzísticos cheios de ginga. “A Luz que Corta” a sucede, querendo ser roqueira – e conseguindo, de um jeito que não é muito ortodoxo no rock. E por todo o álbum, essa sensação de que uma discreta estranheza melhora o que poderia ser uma canção bem-comportada (não é por acaso que há uma versão de Jards Macalé, “Hotel das Estrelas”). O produtor Mauricio Tagliari tem participação decisiva nessa sonoridade, inclusive dividindo autoria das canções com Laya. E em “Diosa Pajaro”, parceria dele com Ava Rocha, essa receita se faz perceber com intensidade especial. Sensualidade, transe e liberdade também podem ser associados ao disco. Num álbum que conta com nomes singulares da cena musical nacional como Mariá Portugal, Gabriel Bubu, Jesus Sanchez, o cubano Jorge Ceruto no trompete, Dudu Tsuda e Juliana Perdigão, entre muitos outros, Laya fez um disco malcomportado, tesudo e cheio de quebras de expectativa para o ouvinte. Tem groove, tem apelo pop, e é cabeçudo o suficiente para que você se sinta respeitado em sua inteligência sem sentir que está entrando num disco “cabeção”.
Nota: 8 (ouça o álbum na ONERpm)
“Do Outro Lado”, Carmen Correa (Independente)
Sacanagem chamar Carmen Correa de “MPB”. O trabalho da cantora e compositora gaúcha está mais para um pop de inspirações múltiplas, no qual a música brasileira é elemento secundário – ou nem isso. É possível fazer algumas associações indiretas com a obra de gente como Tori Amos, Fiona Apple ou mesmo Jorge Drexler (o uruguaio mais influente da música brasileira). O fato é que “Do Outro Lado” é um disco decidido em suas propostas musicais, com uma produção (de Marcelo Fruet) que garante a sofisticação sem perder o punch. Para comprovar, basta ouvir “Tempestades de Areia”, canção de voz e piano com uma gravidade que nada tem de solene. As alternâncias de climas contribuem para a dinâmica das dez canções: na parte mais “drexleriana”, por exemplo, há espaço tanto para a cadência bem-humorada de “Borboletas” (com Tati Portella, do Chimarruts) como para as marcadamente rítmicas “De Outro Lado” e “Terra Firme” (essa com a bem-vinda participação do DJ Anderson). Outro que participa do disco é Hique Gomez (Tangos & Tragédias), cujo violino acentua a beleza de “Pardal”. Essa mesma propensão à balada climática aparece mais roqueira em “Mergulhar”, outro dos destaques do disco. O lado mais brasileiro constitui as balizas do disco, com as linhas percussivas de “Paralelo” e “Olha Bem”, mas, frisa-se, é apenas uma influência no pop mais amplo e ambicioso de Carmen. Ela e a banda – que inclui alguns músicos do Quarto Sensorial e do trio que acompanha As Meninas Cantoras de Nova Petrópolis – elaboraram as composições no limite da depuração, e o resultado é um disco sem excessos, mas nem por isso menos belo e sedutor.
Nota: 8,5 (ouça o álbum no Soundcloud)
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.