por Marcelo Costa
Durante um bate papo em agosto de 2010 (publicado aqui no Scream & Yell), o produtor Iuri Freiberger contava animado sobre “A Paixão Segundo Cabaret”, segundo disco dos cariocas do Cabaret, um álbum que havia acabado de produzir: “Creio que chegamos a um nível de trabalho que, comparativamente, não deixa a desejar a nenhum disco feito fora do Brasil, e com qualidade que não é costume ser ouvido nas produções realizadas por aqui”.
Finada a gravação e a mixagem, com o disco pronto, o tempo foi passando, passando, passando, e nada do álbum ganhar as ruas (ainda que, desde 2011, aparecesse aqui e ali em listas de melhores do ano). No primeiro semestre de 2014, Márvio dos Anjos (voz e letras) decidiu colocar o disco para streaming, contando ao Amplificador, do O Globo: “A gente enfrentou diversos problemas internos, de várias naturezas”.
O lançamento oficial de “A Paixão Segundo Cabaret”, porém, foi na virada de 2014 para 2015, quando, finalmente, os discos físicos chegaram da fábrica, tornando o álbum realidade. “Chegou mesmo? Rapaz, eu nem fui avisado, hehehe”, brinca Márvio em uma troca de e-mails que aprofunda a temática conceitual de um álbum que percorre as etapas da paixão. “Cada canção seria uma etapa, uma fase vivida por alguém que se deixa apaixonar”, explica Marvio.
A temática escolhida permite que o disco soe atemporal fazendo com que “A Paixão Segundo Cabaret” continue tão urgente hoje quanto em 2010/2011. Gravado por Iuri Freiberger na Toca do Bandido, no Rio, mixado no Estúdio Casona, em Recife, e masterizado por Alex Wharton e Júlio Porto nos estúdios Abbey Road, em Londres, “A Paixão Segundo Cabaret” soa potente, arisco, nervoso, excelente. E merece ser ouvido alto, muito alto.
No papo abaixo, Márvio fala sobre o disco, relacionamentos, mercado, grandes gravadoras, rock nacional e muito mais. Acompanhado de Felipe Aranha (guitarras) e Marcelo Caldas (baixo) mais bateristas convidados, ele bate no peito: “Situo o Cabaret como uma banda de rock, refrão e palco. E aí te digo: onde houver espaço para tudo isso, eu subo, canto e provo a você que existe espaço para nós”. Como diria uma canção do primeiro disco deles, o palco não pode ser pouco. Com você, Cabaret.
Finalmente, “A Paixão Segundo Cabaret” é uma realidade. Lembro que ele chegou a aparecer em listas de Melhores do Ano em 2012 e 2013, e ainda nem tinha sido lançado oficialmente. O que aconteceu entre o final da produção e o disco realmente sair?
Chegou mesmo? Rapaz, eu nem fui avisado, hehehehehe. Pessoalmente, posso dizer que tenho boa parcela de culpa nisso. O Cabaret sempre foi uma banda autoproduzida, e quase sempre eu era o responsável pela produção, agendamento de shows etc. O que aconteceu foi que, depois de termos feito um disco que consumiu muito de mim no processo criativo, eu não tinha condições de retomar essa função. Eu sabia que tinha me tornado mais frágil psicologicamente depois da composição desse disco, que não ia aguentar receber os “nãos” habituais da produção, de batalhar espaço em shows e festivais e ouvir recusas sem sofrer muito. Foi uma época difícil, cheguei até a subir ao palco com uma sensação de baixa autoconfiança. Além disso, eu também fui promovido como jornalista e assumi responsabilidades a mais no jornal Destak. Abri o jogo para a banda e disse que não tinha mais como arcar com a produção, que isso tinha que sair da minha mão e ser terceirizado. Isso levou a discussões, desânimos, até o então baterista, Marcos Hermes, saiu da banda. No fim, só no ano passado conseguimos contornar isso.
Isso parece um “Some Kind of Monster”, do Metallica, versão independente brasileira (risos). Como está a formação atual? A Cabaret está pronta para voltar aos palcos? Esse disco deve soar muito bem ao vivo.
Eu adoro esse documentário, acho obrigatório. Mas o nosso caso é mais simples. Não há milhões de dólares envolvidos, é basicamente estar apaixonado pelas canções e tocar. O Cabaret hoje é Felipe Aranha (guitarra), Marcelo Caldas (baixo) e eu. A gente conta com excelentes ajudas para executar o disco: o onipresente Melvin Ribeiro nas guitarras de base, as backings Natasha Nunes e Tatiana Rojas e, na bateria, temos nos alternado entre Cid Boechat, que foi o primeiro baterista do Cabaret, e o Iuri Freiberger, que produziu o disco. A banda virou um lugar para amigos se encontrarem no palco, e isso oxigenou bastante, principalmente nos momentos mais árduos. E sim, ele soa muito bem ao vivo, porque as músicas são muito diferentes. A cada troca de faixa, muda-se o sentimento, a intenção e a perspectiva. É um show de cenas, as canções pedem um ator e a banda executa a troca de cenários e os movimentos de câmera através do instrumental. A gente explora vários tipos de rock para criar as cenas, coisa que não inventamos: David Bowie, Queen, Blur, Faith No More, Pulp e Nick Cave & the Bad Seeds fazem isso há décadas.
Uma das vantagens do disco é que o tema é absolutamente atemporal: essa porção trágica do amor ainda pode ser vista em milhares de situações românticas. Como surgiu a ideia de um disco temático sobre as desventuras românticas de um personagem?
Surgiu da minha própria experiência. Eu já tinha começado a escrever novas canções – “Dentro de Você”, por exemplo, já estava pronta –, mas foi depois de um fim de relacionamento particularmente amargo que as coisas ficaram muito claras para mim. O nome do disco me tomou de assalto – “A Paixão Segundo Cabaret” – e aí eu propus à banda, e eles aceitaram. Expliquei que ia ser conceitual: eu ia fazer com a paixão algo semelhante ao que a psicanalista Elizabeth Kubler-Ross fez com o processo do luto, que ela dividiu em cinco fases. Cada canção seria uma etapa, uma fase vivida por alguém que se deixa apaixonar. Eu ia ter não apenas que cantar o sentimento como musicalmente a banda iria descrevê-lo. E aí surgiram essas “cenas” – o disco todo é muito teatral.
Muita gente alega que a maneira que as pessoas (principalmente a molecada) ouvem música hoje desconstrói o formato “álbum”: a pessoa ouve 10 segundos de uma canção, pula para outra de outro álbum ou artista e o dia inteiro é uma via-crucis musical. Como é “defender” um disco conceitual (que além de teatral tem também um pouco de ópera) nesse cenário?
Tudo que poderíamos fazer era um encarte que sugerisse a conexão entre as músicas, mas que não obrigasse à imersão na história. Eu tinha claro na cabeça que as músicas teriam que viver por si mesmas, independentemente do conceito do álbum. O que se pode oferecer é uma experiência mais profunda a quem se interessar por essa camada “operística”, encadeada, das músicas, mas que de maneira alguma é determinante. Quem se interessar por ela talvez concorde que a última justificativa para se fazer um disco hoje é contar uma história. E talvez “A Paixão Segundo Cabaret” seja uma autobiografia, sim, mas sobre muita gente.
Apesar desse componente atemporal, o relacionamento romântico entre as pessoas mudou radicalmente nos últimos 100 anos, e nos últimos 20 virou de cabeça pra baixo. Como você vê a paixão na era das redes sociais? Vale outro disco?
É difícil você se desviar de toda uma educação para um modelo de paixão romântica, que nos é passado por literatura, cinema e música, esse em que surge um amor que vale o sacrifício de abandonar a inércia que se vive, seja ela a frustração de uma vida de amores não correspondidos, seja o tédio das relações líquidas, aquilo que os antigos chamavam de devassidão, orgia ou simplesmente promiscuidade. Enfim, um amor que nos salva, nos redime, um ideal que vem desde os romances de cavalaria. O personagem principal do disco vive as duas coisas. Na primeira música, “A Paixão Segundo Cabaret”, ele é um adolescente desiludido com o amor. Na segunda, “O Amor de Ninguém”, ele já virou um trintão acostumado a não se envolver. Sobre a paixão nas redes sociais… não sei se elas jogam algo novo. Acho que as velocidades se intensificam, para o bem e para o mal. Rola tanto a aceleração da pegação via Tinder quanto uma lentidão insuportável do processo de desapego, a coisa de ser atacado no
Facebook pela foto de alguém que você gostaria de estar esquecendo, o que retarda a saída, aprofunda o rancor. Rede social é aquele negócio em que todo mundo está obrigatoriamente bem; numa sociedade em que todo mundo lida muito mal com a ideia de digerir a melancolia, acho que a paixão ali tende a ser profundamente destrutiva quando se instala, porque sua tragédia é travestida com selfies gloriosas, frases de autoestima e todo um mundo de pequenas fraudes, em nome da perpétua euforia. Não sei se vale outro CD, mas ainda precisa no mínimo de um manual de instruções.
Nesse quesito “manual de instruções”, pode-se dizer que “A Paixão Segundo Cabaret” é um compêndio para entender a cabeça (e o coração) de um homem? Ou seja, é um disco muito mais masculino que feminino (pra entrarmos num dos grandes debates atuais)?
Não sei, eu ainda me impressiono com os limites disso. Vejo que muitas mulheres gostam, por exemplo, de “Nada Vai Ser Amor”, que tem versos como “Garota, hoje eu chego às dez/e quero você nua aos meus pés” e “eu tenho coisas a propor:/vou te ensinar uma outra dor/e nada vai ser amor”. Se bem que, com o sucesso de “Cinquenta Tons de Cinza”, não deveria me surpreender. Talvez a separação do lugar entre o masculino e o feminino hoje seja cada vez menos possível. Eu tava pensando aqui: “Um Dia no Paraíso” é uma música sobre obsessão, que eu escrevi um pouco sob efeito do trágico sequestro de Eloá, em Santo André (ela foi sequestrada pelo namorado em casa e acabou morta durante o resgate: “Invado teu edifício e não tenho pressa de ir embora/e agora o maior perigo é você me querer do lado de fora”). Ela me parecia uma música masculina, mas depois eu percebi que vários relacionamentos lésbicos que acompanhei tinham a obsessão e a urgência. E aí acho que não é tanto o masculino e feminino, porque a paixão doentia anula o apaixonado, subtrai a essência do que ele é: ele se deixa definir pelo alvo da paixão. Homens deixam de ser homens e mulheres deixam de ser mulheres para serem oferendas, no altar de um deus ou deusa que quase nunca escuta.
Uma pergunta inevitável: como você se sente ouvindo Ney Matogrosso cantando uma canção sua? Como rolou a aproximação e a gravação?
Absolutamente realizado. A música era perfeita para ele, ele foi generoso demais ouvindo e topando gravar e isso foi o carimbo que eu precisava como compositor. Era o selo de garantia dado por um ídolo, um cara que continua absolutamente necessário e atual. O lançamento do disco era algo que a gente devia no mínimo a ele. E digo mais: de lá para cá, ele gravou com muita gente, mas o Cabaret deu sorte: nenhum desses duetos ficou tão sensual, perigoso e roqueiro quanto “Dentro de Você”. Uma amiga me levou ao camarim de um show dele, em 2006. Ali eu pedi o contato dele e ele topou ouvir o primeiro disco do Cabaret, sem que houvesse qualquer compromisso. Depois, eu o entrevistei para a Rolling Stone em 2007, batemos um grande papo, mas eu ainda não tinha escrito “Dentro de Você”. No ano seguinte, a banda começou a pensar o repertório do disco, e eu resolvi oferecer a música pra ele, e ela já era a melhor do álbum. Gravamos a base com a minha voz e eu deixei na casa dele. Quando ele me ligou dizendo que topava, eu estava trabalhando no “Jornal do Brasil”. Minha vontade foi de sair gritando, largar a porra do jornal e correr pelado.
A sonoridade de “A Paixão Segundo Cabaret” depura o modelo de rock que vocês utilizaram no álbum de estreia deixando as canções ainda mais cruas, diretas. O rock tem espaço num país em que a Banda Malta é modelo de rock, o Capital Inicial é um dinossauro oitentista e fãs lamentam o fim do Restart, um símbolo de rock para eles?
O rock foi assaltado no dia em que o Chorão deu o soco no Marcelo Camelo; ali ficou claro que dois mundos se afastariam para sempre. De um lado, o rock de guitarra alta, de rádio e refrão, de moleque. Do outro, o rock diluído em música brasileira e erudição, o rock que já não era mais rock e que já tinha a bênção da linha evolutiva da MPB. Era um processo que já vinha acontecendo, mas ali a coisa se escancara, porque esse cenário costuma levar artistas, críticos e público a escolher lados, a coisa mais “certa” a se comprometer. Depois, rolou todo o sequestro de uma cena de rock, quando o primeiro circuito independente de festivais falhou em se tornar autossustentável por diversos motivos, coincidentemente no momento em que o Brasil entrou na rota internacional de qualquer show. E aí, como o que resistiu foi a velharia e a molecagem industrial, o rock nacional virou esse subgênero semelhante ao cinema nacional e ao uísque nacional: precisa ter coragem para encarar e nada garante que dê certo, é o que todo mundo pensa. Se a pergunta for “o rock vai voltar a ser um fenômeno de massas no Brasil como foi nos anos 1980?”, aí duvido. Talvez dependa de uma conjunção de fatores muito distante do momento atual.
O Los Hermanos seria a lápide do rock brasileiro então?
Não, eu não daria a eles essa relevância toda. O caixão do rock brasileiro tem muito mais pregos. Mas você vê: se ainda surge um Boogarins, se ainda há um Apanhador Só, se um Autoramas viaja pelo exterior, a gente não pode ficar tratando o rock brasileiro como uma civilização perdida, nem ficar avaliando os grupos pela “média” da produção. Isso é burro. Em termos de autoria, chegamos ao melhor momento do rock nacional: a maior parte daqueles que o fazem não vivem dele. Não somos obrigados a lançar álbuns burocráticos por causa de contratos milionários, não temos que viver do Ibope e das demandas de um público. Estamos fora do mercado, nos sustentamos com outros trabalhos e essa é a melhor forma de voltar a ser arte.
Até porque a tecnologia atual possibilita você gravar um disco de forma independente, e ele ter um puta som, algo que antes era praticamente exclusivo da grande indústria. Porém, ela ainda detém o monopólio de divulgação em mídias tradicionais (rádio e TV). Gostei de um tweet seu: “Disco recém-lançado na mão, sinto-me um pouco como aqueles poetas de rua, que abordam pessoas com “GOSTA DE ROCK EM PORTUGUÊS, JOVEM?”. Como chamar a atenção do público sem usar o método das grandes gravadoras?
No meu Twitter eu não resisto a fazer piadas, tu sabe… Acho que a gente tem que acreditar nas possibilidades. Primeiro, porque esses monopólios não são tão impenetráveis assim: sempre há alguém fazendo a revolução por dentro, aberto, querendo se guiar pelo que é novo e relevante. Segundo, que esses monopólios, no ambiente da internet, significam pouco: já está mais do que provado que uma banda que se sabe trabalhar em clipes e sites de compartilhamento consegue acessos, público e impulsiona sua carreira – talvez não a ponto de viver exclusivamente do trabalho autoral, mas, sim, cria-se demanda de shows. Fora isso, você tem os licenciamentos de música para plataformas como videogames e a inclusão em trilhas de audiovisual independente. E no fim, não tem jeito: tem que tocar mesmo. A experiência ao vivo ainda é o maior confirmador da potência do rock, mesmo que toda a babaquice do senso comum diga ao contrário.
Por outro lado, nós vamos ter vários grandes festivais (Lollapalooza, Monsters, Rock in Rio) em que o rock, majoritariamente internacional, é a grande estrela. A sensação é de que se Legião Urbana, Titãs e Paralamas surgissem hoje não teriam o mesmo sucesso e impacto que tiveram quando apareceram nos anos 80. Então é possível imaginar que temos equivalentes a Titãs, Legião e Paralamas “perdidos” nesse momento, e que está faltando alguém que os conecte com a grande massa. Vale fazer uma marcha na Paulista pedindo a cabeça dos presidentes de gravadoras? (risos). Ou, no mínimo, trata-los de igual pra igual: “Eu tenho uma banda com um puta disco foda, e vocês tem canais para fazer isso avançar. Vamos trabalhar juntos?” A sensação é de que, em 2015, as bandas ainda têm medo das grandes gravadoras…
Não acho que passeata ainda seja relevante como gênero artístico (risos). Eu não sei o que fazer das grandes gravadoras, porque vejo que hoje elas se dedicam mais a contratar aquilo que já está garantido na demanda e que só precisa escoar mais. Assim como nos anos 80 sempre tinha gente boa que ficava de fora, assim será nos nossos anos, e o rock tende mesmo a ser esse gênero de números inferiores quando comparados ao pagode, ao funk e ao sertanejo universitário, que são os principais TINDERS musicais do momento, música de pegação. O rock só é música para dançar em países que não desenvolveram as nossas tecnologias de bate-coxa e rebolado, cara! O que é o rock perto do forró? No entanto, o rock tem suas vantagens: é muito mais parente do teatro e da poesia que da dança, no contexto em que vivemos. E outra: o rock fica muito mais importante quando tem um inimigo. Tenho a impressão de que, depois de muitos anos de bonança, nós brasileiros estamos descobrindo que ainda temos inimigos a superar. Talvez o rock tenha a chance de uma nova sobrevida por esse caminho, porque na sua natureza há uma tradição de cronismo, de comentário social. Nos momentos de maior politização, o rock sempre pode ganhar mais espaço.
Na categoria “cronismo”, o rap está, segundo alguns, tomando esse espaço comportamental do rock. Essa semana alguém cravou: “O rock não morreu, ele virou hip-hop”. Dai Jack White já gravou um blues rap (“Blues On Two Trees”) e Emicida foi crucificado por feministas enquanto Lobão, Roger e Dinho Ouro Preto são alvos de piadas. O rap é o novo rock? Criolo é o novo Ozzy? Por fim, você vê o Cabaret gravando um rap futuramente?
Vou te fazer outra pergunta: será que Lou Reed foi o primeiro rapper, com “Walk on the Wild Side”? Ou terá sido Bob Dylan, com suas letras quilométricas e melodias de notas mortas no “Highway 61”? Quantas notas uma melodia precisa NÃO ter para deixar de ser rock? Canção de protesto é um estilo datado, é quase um blazer de ombreiras, fica ridículo quando você vê esses grupos de rock fazendo “o som das manifestações” hoje. Mas o cronismo-falado-na-canção é coisa do rock de muito tempo atrás. Como gênero esteticamente estabelecido, o rap é hoje muito mais contundente no cronismo, sem dúvida. O funk-ostentação do MC Guimê é muito mais representativo da nova classe média brasileira do que qualquer texto da esquerda ligada ao governo. E agora nos EUA os caras tão vendo o poder do cronismo ambicioso, como o Kanye West, coisa de quem tá no topo do mundo. Respondendo tua última pergunta: não vejo problema algum em compor um rap. Esses territórios são decididos pelo que se quer dizer, na minha opinião. Por isso que no disco do Cabaret nós tratamos obsessão como metal, arrependimento como sertanejo universitário e conciliação com a memória como psicodelia.
Como você situa o Cabaret nesse cenário?
Eu situo o Cabaret como uma banda de rock, refrão e palco. E aí te digo: onde houver espaço para tudo isso, eu subo, canto e provo a você que existe espaço para nós. Vai ter gente gritando o refrão de “Nada Vai Ser Amor”, dançando o refrão de “Animal” e se identificando com “Já É Tarde”, e que vai se lembrar do poder transformador que só o rock tem.
O disco está pronto, mas como coloca-lo nas mãos (e nos ouvidos) do público? Ele está disponível para download? Como encontrar “A Paixão Segundo Cabaret” para comprar?
Vamos oferecer em breve o download pago nas melhores vendas do ramo, além de vender em shows e em lojas especializadas. Mas quem quiser o disco físico é só entrar em contato comigo pelo Twitter @marvio, pelo Facebook. Sem atravessadores.
Passado o trauma “Chinese Democracy”, quais os próximos passos do Cabaret? O próximo disco só em 2020?
A gente tem discutido esse assunto. Não sei mesmo, Marcelo. Gosto de pensar em lançar singles mensais e escoá-los pela web, talvez reunindo-os depois. Até para nos obrigar a produzir música com mais frequência, talvez mensalmente, como um comentário periódico. Mas ainda precisamos sistematizar isso, conversar entre nós e experimentar. “A Paixão Segundo Cabaret” foi pensado para ser o último LP com razões para ser um LP, o último conjunto de músicas que tinha que ser um CD físico, com um encarte elucidador, que permitisse uma experiência maior – e olha que o planeta música já estava na era do single quando o conceito ordenou o formato, que moldou o conteúdo. Agora é ver com que ideias a gente esbarrará pela frente. Na minha opinião, são elas que mandam.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Leia também:
– Iuri Freiberger: “Música hoje pode ser bem mais sincera” (aqui)
– Márvio dos Anjos: “Nick Cave é o artista que mais me impressiona” (aqui)
Ótima entrevista com uma ótima banda!
Conheci-os há apenas 6 dias, num show que decidi ir de última hora em Ipanema. Foi excelente! Assim que acabou comprei o CD, que é muito bem produzido e me fez ver retrospectivamente como o show (e o disco) era conceitual, tinha um enredo. Na hora já tinha reparado a diversidade estilística, mas foi ouvindo o álbum (e lendo essa entrevista) que saquei melhor.
Tomara que façam mais shows no Rio, irei em todos que puder!