Oito perguntas do jornalista Yuri de Castro (de março de 2014) “tateando para ir definindo um trabalho futuro”.
Lembro-me de uma impressão do show de estreia de “Cavalo”, de Rodrigo Amarante. Cito esse por ser o lançamento mais recente da geração do bode jornalístico. Os adjetivos para com a obra deram a impressão de monotonia, sonolência e até uma certa pretensão enrustida de despretensão. Não é regra, mas boa parte dos seus pares de redação se aproximaram dessa visão sobre o álbum e show. No entanto, meus pares (nascidos quase em 90) demonstraram uma certa vontade de interpretar o álbum como um movimento avante ainda que de passos lentos. Experimental. Como se não houvesse ali uma obrigação de fazer sucesso. Me desculpando pelo tamanho da questão e colocando em cheque uma certa intolerância da crônica musical mais tradicional no Brasil com o som da galera barbudinha-descolada, pergunto-lhe: você acha que o pós-Los Hermanos já nasceu mal fadado para quem não aceitou o jeito de uma geração em transição com conceitos de indústria musical?
Mais ou menos. O Los Hermanos foi aceito e respeitado, mas criou uma redoma em torno de si que fez com que imprensa se afastasse e o público os idolatrasse. Criou-se uma certa birra da imprensa com a pretensa intelectualização da música (e da atitude) desses caras, mas não vejo conflito de geração, pelo contrário, vejo a reafirmação da brasilidade que o rock nacional dos anos 80 começou negando, e que Paralamas acabou abraçando (ainda que fizesse mais reggae que samba). O Los Hermanos tinha público e imprensa nas mãos. Rodrigo Amarante e Marcelo Camelo ainda tem o público nas mãos. No fim das contas, cada geração olha para um objeto de arte com a bagagem que tem. Costumo brincar (falando a verdade) que um texto pode dizer mais sobre quem escreve do que, necessariamente, sobre o objeto que o inspirou.
Se faltou empolgação para o trato com bandas como Mombojó, sobram mimos para o som de novatos como o SILVA, a Mahmundi (particulamente sou pouco simpático aos últimos). Você crê em alguma preguiça dos mais calejados em relação a um certo resgate de alguma “brasilidade” (“filhos do manguebeat”, já li certa vez para o Mombojó) e mais boa vontade com quem se aproxima de uma estética mais etérea e internacional?
Quem diz que faltou empolgação com o Mombojó? “Nadadenovo” foi celebradissimo, e na votação de Melhores dos Anos 00 ficou atrás apenas de Cidadão Instigado e Los Hermanos. O que acontece é que havia uma expectativa que esse disco fizesse o crossover do indie para o mainstream, o que não aconteceu porque a banda pegou a indústria em um momento de queda. Ou seja, eles foram atrapalhados pela bolha (e também pela inocência daqueles que acreditavam que um disco encartado numa revista pudesse chegar às rádios por si só, sem jabá). SILVA surgiu em um outro momento. Se fosse o contrário, com SILVA lançando seu primeiro disco em 2004 por uma revista e Mombojó estreando em 2010, as coisas seriam diferentes para cada um deles.
Eu queria saber o que você acha muito ruim hoje em dia.
Tento não perder tempo com coisas ruins, pois nem as boas eu consigo prestar atenção.
Não é difícil separar um punhado de artistas que vão ficar no caminho do esquecimento. No Rio, o Letuce mesmo conseguindo soar um tantinho experimental pop nunca conseguiu o mínimo de expressão; em São Paulo, Fábio Goes escreveu belas canções pro nada. É claro que todo mundo conhece Nação Zumbi, mas poucas pessoas talvez saibam o quão ainda forte é esta banda em cima do palco e, inclusive, nos álbuns recentes. A culpa é nossa? A culpa é de um todo? A culpa é de um público que demorou a entender os canais de busca independente?
Artistas bacanas ficam no esquecimento desde sempre. Big Star é um caso desses. O fato é que o mundo mudou, a internet entrou na vida das pessoas e a relação com a música é outra. Não há juízo de valor aqui. Além é preciso pensar em como a música chega para o público. As rádios, desde que a Abril Music entrou no mercado aumentando o valor do jabá (e estourando Los Hermanos), estão falidas, viraram dial de publicidade, em que uma música x está ali para vender tanto quanto uma propaganda de margarina. Como Letuce vai chegar ao grande publico se não toca na rádio e nem na TV? O público consome o que lhe é oferecido. A grande massa não quer ir atrás do novo, ela quer pagar aluguel, trabalhar, viver e, no tempo livre, ter algo que a conecte com os outros ao seu redor. Desde sempre vivemos em nichos e precisamos de conexão. Torcidas organizadas, partidos políticos, fã-clube, a turma do boteco, o baile funk, tudo isso é uma forma de cada pessoa se sentir parte de algo, sentir que existe. Todos vivem em uma enorme zona de conforto, mas não dá para culpar ninguém. Ou será que dá?
Se formos montar uma linha do tempo, não creio ser algo chocho uma linha de frente com Curumin, Emicida, Criolo, Tulipa Ruiz, Metá Metá (estes só em SP). Todos possuem boas assessorias, obras que explicam um período de música pop no Brasil, estão na maior cidade do Brasil. Afinal, por que ainda reclamamos que não se faz música interessante no Brasil? Por que ainda há resquícios de implicância com um certo “circuito SESC” se este é o único que consegue fazê-los tocar? Há culpa artística nesse processo? Ou é apenas “deu azar de nascer agora em tempos de vacas magras”?
Respondo com o abre do texto que escrevi para o site português Bodyspace: “A música brasileira vive um de seus melhores períodos em toda sua história”. Ou seja, não me encaixo nesse “ainda reclamamos”. Sobre a implicância com o circuito SESC, acho que surge mais da “concorrência”, de gente que não consegue manter o mesmo padrão de cachês. Claro, o circuito SESC também colaborou no que tange abraçar um certo número de sonoridades e de artistas, seguir uma linha de “indie sambinha”, mas até isso já ficou para trás e vejo cada vez mais espaços dentro dessa programação para estilos variados. Todos os estilos precisam ter espaço, até o indie sambinha.
Tentou-se emplacar Cachorro Grande; teve Gram. Hoje, temos Nevilton. Tivemos uma leva mais mainstream-Bonadio: CPM22, Hateen. É possível que hoje todos toquem nas mesmas casas noturnas (vazias). Esvaziamos o rock no Brasil com tantas tentativas?
Quando você escreve “esvaziamos”, você diz respeito a quem? Não sou dono de gravadora, não pago jabá e não me importo se o cara é rock, rap ou samba, mas sim se ele é bom. A questão, no entanto, é: será que o rock representa a molecada de 12, 14 anos, de hoje em dia? O que as representa? A grande sacada da música pop, e talvez o que a faça especial, é que não há fórmula, e por mais que gravadoras tentem colocar goela abaixo do público artistas x e y, o público vai consumir o que ele quiser. E precisamos lidar com isso. Precisamos respeitar um público que escolhe CPM 22 a Nevilton. Porém, eu gostaria que o Nevilton tivesse o mesmo espaço que o CPM 22 teve (e o mesmo investimento). Dai talvez poderíamos mapear melhor os anseios da massa.
Aqui em SP. há uma parte da imprensa que implica a galera afrobeat. Se você citar Vanguart, ixi, pronto. Você reconhece que há uma má vontade? Se sim, por que? É assessoria voraz? No caso do Vanguart e congêneres é uma certa necessidade de convencimento que torna tudo mais grandioso do que é realmente — e isso afasta? Enfim, queria que você me falasse se reconhece que há já uma coisa contra — menos pelo talento, mais pelas impressões geradas. Não preciso citar que boa parte do jornalismo mais tradicional, por exemplo, não pode nem escutar o nome do Criolo. “Afetado”, “falso”, “fantoche”, é o que se ouve. Fique à vontade pra dizer o que pensa.
Há um gueto geracional que surgiu nos cadernos culturais dos grandes jornais no final dos anos 80, e que, naquele época, só admitia música estrangeira. É um fato. Mas precisamos sempre lembrar que imprensa são pessoas, e dai quando você começa a destrinchar as ideias desse ou daquele cara, talvez entenda que o fato de ele não gostar de Vanguart, por exemplo, é extremamente cabível no universo que ele vive – e que, muitas vezes, não tem nada a ver com o mundo real, que é o da noite, o dos shows, o das lojas de discos. Seria legal vasculhar as redações e perguntar para quem escreve de música a quantos shows ele foi no último ano, quantas vezes ele foi numa loja de discos nos últimos seis meses? Será que uma análise pode ser real feita dentro da redoma da redação? Há como entender o mundo observando tudo de sua baia? Embora alguns possam achar divertido, conhecer Amsterdam pelo Street View é bem diferente de caminhar por ela.
Volto um pouco. Não é difícil pra mim, mais novo, perceber uma certa falta de vontade com uma geração classe média, acostumada com as trocas de gosto no campus da faculdade pública. Hoje, no Twitter, caçoamos chamandos-os de “humanas.jpg”. Mas é uma geração que aprendeu a valorizar Novos Bahianos, sabe o valor do “Transa”, do Caetano Veloso e parece muito mais disposta a entender propostas menos retas, menos MTV — e por isso, parece disposta a tornar “Sou” de Marcelo Camelo um disco cult no prazo de 10 anos — justamente porque a mídia fez pouco caso. Qual seu grau de pessimismo em relação a tudo isso aí dessa pergunta?
Primeiro que colocar “Sou” na mesma frase que “Acabou Chorare” e “Transa” é uma heresia (risos). Cult? Não acredito. Marcelo Camelo só existe porque é um ex-Los Hermanos, e a banda teve uma carreira muito foda. A mídia não fez pouco caso: o disco tem lampejos de criatividade. Ainda assim, Camelo é responsável direto por essa geração aprender a valorizar Caetano, Chico, Novos Baianos. Nos anos 80, pré-abertura política, o cenário estava afundado na mesmice porque a Ditadura calou nossos maiores artistas. Após abertura política, o rock predominantemente inglês se traduziu como válvula de escape e, naquele momento, era importante fazer barulho, não dava para ser indie sambinha. A história vai seguir com Paralamas deixando Police pra trás e se tornando brasileiro, com Picassos Falsos, Raimundos e Mangue Beat (tudo crossover), mas o Brasil só se redescobre de verdade com “Bloco do Eu Sozinho”. Foi como se o Congresso Nacional baixasse uma lei: está permitido gostar de música brasileira. Exemplo prático: Maybees virando Ludov. O que acontece na sequencia é a derrocada da indústria, a falência das rádios e da MTv e, por fim, dos próprios Los Hermanos. Poucos setores da mídia hoje tem a força para respaldar uma cena. Ainda assim, o futuro é magnifico porque essa geração é excelente. Só que o mercado mudou. É preciso, agora, criar um novo mercado.