por Leonardo Vinhas
André Pagnossim já gravou mais discos do que ele é capaz de contar. E em tempos de tecnologia avançada, gravações caseiras estão longe de significar baixa qualidade. O curioso é que, embora tenha um alto padrão de registro, Pagnossim prefere trabalhar com formatos e recursos que estão longe de ser “state of the art”. Afinal, não é todo mundo que faz música com um console Game Boy.
Pois é: Pagnossim é um dos precursores da chipmusic no Brasil. Sob o nome de Pulselooper, gravou cinco discos desde que começou sua carreira em 2009 (“Cheap Pills for Thirlls” e “II”, de 2009; “Grayscale Skyline” e “A Síndrome do Vídeo”, de 2010; e “80486”, de 2011 – alguns deles disponiveis para download aqui). Ao lado de Eduardo Melo (Droid-On) e Kurt Rizzo (Subway Sonicbeat), fundou o selo Chippanze, para lançar os discos não só dos três como de outros artistas nacionais e estrangeiros que se aventurassem no estilo.
Música feita com o auxílio de trackers, softwares que foram criados para compor músicas para os primeiros videogames, a chipmusic e tocada ao vivo com consoles de videogames portáteis ou computadores old school. É, portanto, mais uma estética que um gênero musical, já que é possível fazer rock, samba, heavy metal, EBM e até jazz com esses recursos. Digamos que é uma nova instrumentação que permite reimaginar as “velhas” músicas.
Nesse sentido, o Pulselooper tem elementos de rock, ambiente e kraut rock, mas ao mesmo tempo privilegia composições mais breves e assimiláveis, algumas para a pista, outras para o lounge, e quase todas para fritar o cérebro.
Em paralelo a esse trabalho, André Pagnossim mantém (ou, em alguns casos, manteve) uma série de projetos paralelos. Com o amigo Daniel Ferraz (ex-Name It Yourself) foram da moda de viola à psicodelia ruidosa com a dupla Os Almeida – que, por dessas peculiaridades da internet, caiu no gosto do romancista e autor de quadrinhos norte-americano Warren Ellis (nada a ver com o parceiro de Nick Cave).
Sozinho, responde também pelo Palace Hotel, um projeto semiacústico aparentado do folk – que é uma continuidade de outro projeto seu mais antigo, o Black Barn Music. Também foi integrante da finada banda de “agropunk” McQuade (que gravou um excelente disco pessimamente produzido, “Meu Mundo Perfeito”, o que talvez tenha feito seu apreço pela qualidade de registro, mesmo quando lo-fi, virar quase uma obsessão).
Uma carreira extensa, que inclui ainda a direção do curta-metragem de ”podolatria gore” “Sozinho” (se for assistir ao link no final do texto, esteja avisado de que é totalmente impróprio para ambientes profissionais), do média-metragem cômico “Crônicas de um Zumbi Adolescente” e do clipe “Eu Não Bato Palmas”, da barulhenta Name It Yourself (da qual Ferraz fazia parte).
De volta de uma breve turnê europeia, e preparando novos temas tanto para o Palace Hotel como para o Pulselooper (o único projeto que, efetivamente, lhe dá algum dinheiro), ele separou uma manhã para dar uma geral nessa carreira para o Scream & Yell.
Quando você começou a compor chipmusic?
Faço música eletrônica desde 2000, mas comecei a compor chipmusic mais ou menos em 2003, utilizando emuladores de chip no PC. Mas não gostei de nada e acabei apagando tudo no final. Em dezembro de 2008 comprei um cartucho regravável de Game Boy, e comecei a programar batidas utilizando o software nativo Little Sound DJ, já com o alias Pulselooper.
Como rolou o convite para os shows recentes na Europa?
Eu já ia pra lá de qualquer jeito, e pensei que seria legal aproveitar isso pra tocar nas cidades. Entrei em contato com alguns artistas de cada país, e eles toparam organizar alguma festa ou minifestival em suas cidades pra me encaixarem. Toquei em Berlim e Colônia na Alemanha em 2011, e agora em 2013 repeti Alemanha e toquei também em Edinburgo, na Escócia.
Que tal a repercussão?
Os shows foram todos ótimos, principalmente pelo intercâmbio com o público. Na Europa há uma cena muito forte, principalmente com a demoscene, que nasceu lá e continua de pé até hoje. E a chipmusic me possibilitou uma experiência única, que foi tocar com minhas duas maiores influências: Bit Shifter no Blip New York ano passado, e goto80 em Berlim neste ano [2013]. Essa experiência de tocar com seus ídolos de uma forma natural e simples era algo que acontecia nos anos 80 com o hip hop, mas com a “industrialização” do gênero isso foi se perdendo, muitos que ficavam famosos adquiriam status de estrelas e ficavam inacessíveis. E é bom que os estilos musicais mais underground ainda possibilitem essa integração, mesmo quem é “estabelecido” está no mesmo nível de “acesso” que um iniciante.
Como funciona o lançamento de artistas estrangeiros pelo Chippanze?
É bem simples: se a gente gosta de algum som, entramos em contato com o autor e perguntamos se ele tem interesse em lançar algo inédito pelo selo. A resposta é geralmente positiva, pois o selo é bastante reconhecido lá fora e é uma boa forma desses artistas divulgarem sua música na América Latina. Eles mandam o disco, e lançamos sob uma licença Creative Commons.
Fora o pessoal do Chippanze, quem mais você respeita na chipmusic no Brasil?
Infelizmente, apesar do nosso esforço para reverter esse quadro (com oficinas de chipmusic e pixelart, por exemplo), desde 2009 com a criação do selo/coletivo, a cena no Brasil se limita ao Chippanze. Algumas pessoas fazem/fizeram alguns trabalhos dentro da chipmusic, mas ninguém ficou na ativa, tocando e produzindo. Mesmo assim, continuamos dando murro em prego e continuamos com o trabalho do selo. Principalmente com as oficinas e showcases.
Em 2009 e 2010, parecia haver uma grande demanda por shows de chipmusic. Você, o Droid-On e o Subway Sonicbeat tocaram bastante. Depois, parece ter miado um pouco o mercado de shows por aqui. Procede?
Sim, o que é de certa forma compreensível. A grande maioria dos convites para tocar vinha de instituições como o SESC, e festivais como o FILE. Era uma novidade por aqui, e esse setor mais “acadêmico” está sempre procurando por novidades. Contou também o fato de só ter a gente fazendo isso, o que geraria uma repetição na programação desses lugares. Mas continuamos tocando em alguns buracos, lugares underground, que eu particularmente prefiro, apesar de obviamente não terem a estrutura dessas instituições “acadêmicas”.
O equipamento conta tanto quanto a criatividade na hora de compor e, principalmente, executar as músicas?
Não conta tanto como a criatividade, mas conta muito na estrutura da música. Afinal, não estamos utilizando um notebook com mouse, e sim um console portátil com apenas um direcional e dois botões, ou então um computador dos anos 80 sem mouse e com processador rodando a menos de 1MHz. No final, é essa limitação e o jogo de cintura que ela demanda que ditam o rumo que a música toma.
O formato canção é possível dentro da chipmusic?
Sim, vários artistas fazem chipmusic dessa forma. Mas são poucos os que têm um resultado bom, pois geralmente essas músicas são mal mixadas. O ideal é comprimir bem o vocal, tirar as frequências graves e adicionar um pouco de distorção, para que a voz tenha um timbre que se assemelhe mais ao som rudimentar do chip, e quase nunca isso acontece: a voz fica muito à frente, e o som do chip fica lá no fundo. Já fiz algumas músicas com trechos de voz, mas utilizando um vocoder.
Como anda a cena de música eletrônica em São Paulo? A chipmusic faz parte dela?
A cena hoje é muito maior do que era anos atrás. O fato de algumas festas estarem rolando a céu aberto, nas ruas, é algo muito legal que há dez anos simplesmente era impossível imaginar. E isso é bacana principalmente porque o público não precisa deixar metade do salário no Clash ou no D-Edge [clubes muito frequentados na zona oeste da capital paulista] pra curtir um som. Mas, musicalmente, pouca coisa me agrada. Gosto bastante de alguns poucos produtores/DJs, mas a maioria parece estar fazendo ou tocando apenas variações mais underground de estilos estabelecidos da dance music e do hip hop. O que no final é compreensível, porque grande parte do público apenas vai a eventos de música eletrônica pra ficar louco e passar o rodo. E isso acontece não só nos clubes que citei acima, mas também nessas festas de rua. A música eletrônica hoje é mais facilmente encontrada na noite paulistana, mas continua em segundo plano. E isso, infelizmente, é como era há dez anos
Você faz shows como Pulselooper, mas não faz como Palace Hotel. Por que?
Porque no Palace Hotel eu gravo vários instrumentos, e teria que ter uma banda para executar as músicas. Com o Pulselooper, o que toco ao vivo é exatamente o que tá no disco. Já fiz alguns shows como Palace Hotel, inclusive nessa última viagem à Europa, mas foram versões “peladas” das músicas, apenas voz e guitarra. Apesar de ter agradado o público, não me agrada muito.
Por fim: banda nunca mais?
Fiquei muitos anos sem ter banda, mas voltei a gostar do processo nesse ano, quando reuni amigos para fazermos uma banda de apoio para o show do Daniel Johnston em São Paulo. O que irrita um pouco em ter banda em São Paulo é ter que ensaiar e gravar em estúdio. Quando você finalmente entra no transe do som, olha para o relógio e vê que faltam 15 minutos pra acabar o tempo, e já tem uns emos do lado de fora da porta esperando pra entrar. Gosto mesmo é do esquema de ensaiar e gravar em casa, mas é claro que em São Paulo isso é quase impossível. De qualquer forma, no momento tenho uma banda de krautrock e uma de noise/metal com amigos do interior, e conseguimos tocar e gravar em casa. Mas eu estou gravando um disco novo do Palace Hotel e gostaria, sim, de tocar essas músicas com uma banda. Quem sabe?
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yel