por Eduardo Lemos e Yuri de Castro
Talvez tenha sido difícil para Marcelo Camelo e Mallu Magalhães reconhecerem Jesse Harris, o rapaz por trás de simpáticos e efusivos gestos e gritos com que cumprimentava o casal então em visita à Broadway. Mal sabem os brasileiros, mas esse homem atento a qualquer palavra sua que escape em português (“Tchudo Beim, Tchudo Baum”) admite não ser fã apenas do hermano carioca, mas também de toda a discografia setentista da música brasileira.
“Acho que é tudo. A vibe, a forma de se compor. Eu amo as harmonias, os arranjos, o jeito como foram gravadas”, diz o cantor e compositor enquanto andamos pelo Museu do Futebol, em São Paulo (“Acompanho o futebol, mas não tenho time. Você sabe como é o soccer nos EUA”).
Jesse é de uma simpatia ímpar, que ganha contornos tímidos por trás das armações grossas dos óculos. Sua mais recente estadia no país foi motivada pela gravação de “Sub Rosa” (Som Livre/slap), disco em que persegue a sonoridade vintage presente nos discos brasileiros de que tanto gosta. Para isso, cercou-se de amigos e músicos brasileiros no estúdio Monoaural, de Berna Ceppas e Kassin. “E eu achei muito bom. Me tornei amigo do Dadi (renomado contrabaixista) e depois do Maycon Ananias (tecladista). O Guilherme (Monteiro, guitarrista) mora em Nova Iorque e tocou em meu último álbum”, detalha.
Mais do que acolhido no Rio de Janeiro, Jesse mergulhou na produção contemporânea da música brasileira e, além de Marcelo Camelo (“‘Toque Dela’ é incrível”, não se cansa de repetir), está a par das últimas reviravoltas que Caetano Veloso provocou na própria discografia.
“Dadi me apresentou Daniel Carvalho, seu filho. Eu adorei a forma como ele manipula o som e como trabalhou nos discos recentes de Caetano”. Isso sem contar a hospedagem que recebeu do botafoguense Vinicius Cantuária e a já antiga amizade com Maria Gadú. “Grande cantora e violonista. Faz tudo com uma paixão incrível. É forte e pop ao mesmo tempo”, afirma ao informar os atributos da moça quando lhe digo que a crítica especializada a considera superestimada.
Acostumado a ser tratado como o compositor que ganhou um Grammy por “Don’t Know Why”, famosa na voz de sua amiga Norah Jones, Harris lida bem com o tema ainda recorrente quase dez anos depois. “Claro, passei a ter mais oportunidades para trabalhar depois disso [do prêmio]. Mas qualquer carreira nessa indústria está longe ser sólida. Não importa quem você é. Será sólida o tanto quanto você trabalha”, crava.
A naturalidade com que fala de música transforma o que era pra ser um “senhor” clichê em um traço de personalidade em Harris. Do sorriso ao jeito “curta-metragem” que imprime em suas letras, Jesse é soft.
“Cada música minha tem sua própria personalidade. Como compositor, você dá um nascimento às letras, deixa que sigam seu próprio instinto e, assim, venham à vida. Eu tento fazer isso em cada canção”. A essa altura da conversa (e sacando como o cantor encara a música), ficaria fácil entender o porquê de “Sub Rosa” conter tantos refrães fáceis (de se assobiar).
“Eu tento! Crio sempre de forma muito rápida, sem pensar muito nesse processo. Penso que o que é composto bem rápido combina mais com o que está em seu coração e, consequentemente, pode ser uma coisa catchy. Então, eu tento criar o que pode soar bem, sentir bem”, explica quem só não se tornou escritor por temer uma solidão necessária aos autores literários.
“Acho que foi uma escolha que me permitiu mais interatividade. O compositor toca para todos ou para uma plateia, ao menos. Pode parecer óbvio, mas isso me fascina. Quando eu era mais jovem, já me imaginava nesse lugar, nesses círculos sociais, conhecendo pessoas. Se você é um escritor mesmo, acaba gastando dias solitários consigo mesmo, dentro de um quarto com os personagens da sua mente. Me parece que, como músico, eu posso passar mais tempo com as outras pessoas”.
Harris nasceu em 1970 (lembra-se bem do New York Cosmos) e começou sua carreira em 1995, no Once Blue, ao lado de Rebecca Martin (“Minhas prioridades mudaram. Ali, eu era um guitarrista que compunha”, ele diz). Com o fim do duo, lançou-se sob a alcunha “Jesse Harris and the Ferdinandos” e tornou-se compositor da Sony Music até o prêmio maior da indústria entrar em sua vida.
O Jesse pré-Grammy não era um tanto aleatório artisticamente? “Não acho. Acredito que criei minhas próprias oportunidades, inclusive após o Grammy. Música é algo muito ligado à criatividade e também ao exercício de manter esse processo de criação. Deve-se criar algo. E isso é pra todos, não importa muito o que você é ou o que ganhou”, afirma.
Mesmo com o lançamento de “Sub Rosa”, Harris ousa falar do próximo CD quando questionado sobre sua proximidade com temas menos soft da música contemporânea de seu país. O hip-hop rascante dos californianos do coletivo Odd Future, por exemplo.
“Não ouço. Costumava ouvir a Tribe Called Quest. Mas não hoje. Muita raiva, violência e vulgaridade. Eu gosto de artes diversas, mas hoje não consigo mais”. E o contemporâneo daqui? O funk? O tecnobrega? “Se eu estiver em uma festa, OK”. E o contemporâneo de outros lugares? James Blake e a relação da música com o silêncio, talvez?
“Sim, concordo! Gosto dele. Aliás, meu próximo álbum será quase quieto”. Esse poderia ser mais um clichê. Mas ao compartilhar com o baterista Bill Dobrow sua fascinação com a possibilidade de tocar nas peças do museu, Harris está confirmando que seu contato com o passado vai se tornando desculpa para desconstruir sua carreira.
– Entrevista publicada pelos jornalistas Eduardo Lemos (@pitacosperdidos) e Yuri de Castro (@yuridecastro) originalmente no site da Saraiva Conteúdo, e liberada para republicação aqui pelos autores