por Tiago Faria
O álbum novo do Field Music (cujo título pode ser traduzido como “verticalidade”) é, arquitetonicamente falando, um prédio muito alto feito de andares estreitos. Comprime 15 faixas em 35 minutos de duração. Na capa, mostra um desenho econômico: linhas em diagonal formam uma micropaisagem urbana. As canções, miniaturizadas, às vezes terminam abruptamente, no fim do verso de abertura, antes do refrão. Algo leva a crer que o disco só começa de verdade na faixa 4 — e pode sim ser tratado como um EP de cinco músicas que foi preenchido por pedacinhos de melodia, ainda que se duvide dessa hipótese.
Em tamanho e forma, ele se opõe ao anterior, “Measure” (2010). Aquele era um álbum espaçoso, duplo, com 20 canções preenchendo 1h10 de duração. Era também uma obra assimétrica (feita de duas partes que não se encaixavam muito bem), enquanto “Plumb” deixa a impressão de querer formar uma narrativa completa, inteiriça, um “ciclo de canções”. A referência principal, agora, parece ser “Smile”, dos Beach Boys — como se os irmãos Peter e David Brewis tomassem a jornada de Brian Wilson como um gênero a ser habitado. Só que o Field Music ocupa esse “modelo” com o aparato que tem à disposição: faz, mais uma vez, pop psicodélico usando uma cartela de procedimentos que vem do pós-punk (as faixas são formadas pelo acúmulo de trechos curtos e repetitivos, com variações sutis entre eles). Experiência que — quando notamos a influência (nula) que eles exercem na Inglaterra — só deve instigar a própria banda (e os fãs).
Daí que “Plumb” soa como um disco urbano, duro, de formato pós-punk (na linha da estreia do Futureheads, que dividia o estúdio de gravação do Field Music), mas que contém canções psicodélicas, lúdicas. E estamos falando numa psicodelia “errada”, pragmática em excesso, feita de movimentos precisos demais: sóbria, nerdy, de cabelo cortado, que dorme cedo e faz o dever de casa antes da janta. Aposto que muito fã de “Sgt. Pepper’s” vai descartar este disco e chamá-lo de “chato”, porque é isso que os irmãos Brewis são: metódicos, cartesianos (mesmo quando se aventuram), bons-moços. E, de um jeito britânico, em quatro discos que eles gravaram principalmente para eles próprios, elegantemente discretos.
Há algum tempo, eles diziam numa entrevista que, depois de um hiato que seguiu o fracasso do disco “Tones of Town”, o Field Music resolveu voltar a gravar, mas com uma condição: não se comprometer com expectativas de fãs/jornalistas/rádios/etc. Fracassar dignamente, eis o desafio. Fracassar, digamos, se divertindo. Peter e David são irmãos, têm projetos solo, e viveriam bem sem o Field Music. Mas gostam de conversar sobre música, de compor juntos e… as coisas acabam acontecendo. A sonoridade da banda (formada ainda por Andrew Moore) tem essa aparência home-made porque ela é exatamente isso: irmãos escrevendo canções; irmãos organizando essas canções de forma a criar álbuns. “Plumb” possivelmente será um fracasso de público.
Porque ele é, acima de tudo, um disco que, conscientemente, cria um espaço limitado de atuação: é um épico realista que cabe numa quitinete (inventar limites, para o Field Music, é uma diversão em si). Por isso, pode parecer desimportante, menor. As faixas atendem por nomes como “It’s Ok to Change”, “Sorry Again, Mate” e “Who Will Pay the Bills?” (a primeira, “Start the Day Right”, nos localiza na “trama” do disco com uma precisão exemplar: o protagonista acorda de um sonho e vai viver o dia). E, mesmo quando aparentemente sérias, rejeitam a catarse e estão sempre de olhos muito abertos (a exceção é “Guillotine”, que parece reunir todos os cacos do discos, as miniorquestrações, os coros, o piano e as guitarras, tudo junto dentro do último minuto; e ela impressiona toda vez).
A arte do Field Music não nasce de surtos de inspiração. Não há nada místico ou sobrenatural nela. “Smile” era uma “sinfonia adolescente para Deus”? “Plumb” é, no máximo, um recital para a cidade, observada da janela de um ônibus em movimento (daí os flashes acelerados, as harmonias sobrepostas). “Eloquência é superestimada”, eles dizem, lá pelas tantas. A faixa mais sincera se chama “Just Like Everyone Else”. Um disco como “Plumb” sugere cenas cotidianas: dois irmãos numa mesa, escrevendo num pedaço de papel, dedilhando as guitarras, pensando o rascunho para uma obra. É possível sentir essas imagens do dia a dia (muito bonitas, aliás) no disco. “Plumb” é isso, esse tipo de coisinha. O que não é muito pouco.
– Tiago Faria (siga @superoito) é jornalista e escreve no http://superoito.com
Esse Tiago, ele tem futuro. Devia criar um blog.