Susan Boyle e a vingança dos feios

por Igor Nishikiori

Todo mundo sabe quem é Susan Boyle, certo: Susan é aquela mulher feia e gorda que ficou famosa em um programa de calouros britânico por ser feia e gorda, mas ter uma baita voz. Seria a vingança dos feios? Pois bem, esse fait-diver ambulante lançou um CD, fato que foi noticiado com estardalhaço no mundo inteiro, mas que, aparentemente, poucos se prestaram a ouvi-lo. Decidimos dar uma chance a ela e ouvimos “I Dreamed a Dream”.

A maior surpresa é que “I Dreamed a Dream” não chega a ser ruim e isso já é bastante coisa.  Não vai durar, mas isso é outra história. A verdade é que ninguém esperava muito de Susan Boyle além daquilo que ela representava no Britain’s Got Talent, mas ela resolveu mirar para o pop com covers de Rolling Stones (“Wild Horses”), Madonna (“You’ll See”) e Monkees (“Daydream Believer”) visando atingir massas de ignaros e aculturadas que vivem em seu mundinho pós-YouTube.

Todas as músicas seguem aquele estilão clássico modernoso, mas sem muita personalidade. O problema é que, embora Susan cante muito bem e todas as faixas sejam impecavelmente bem produzidas, faltou a Susan e também ao produtor e padrinho Simon Cowell ousarem mais, mostrarem um estilo próprio da interprete – o que talvez ela não tenha ainda, já que se iniciou deveras amadurecida para a música.

Não há qualquer alteração na melodia da voz, no estilo ou coisa assim – a única exceção é o jazz “Cry Me a River”, canção que já havia sido gravada por Susan em 1999 em um CD de caridade, mas que ainda não bate a versão de Ella Fritzgerald. A impressão que fica é que “I Dreamed a Dream” é um álbum conservador para um público muito conservador. A grande verdade é que o disco não traz qualquer diferencial a não ser o tal fenômeno Susan Boyle – e a culpa é da própria cantora.

Isso fica claro quando se compara as versões originais com as boyledianas. A interpretação da supracitada “Wild Horses”, por exemplo, faixa que abre o CD, é interessante porque lembra pouco a do Mick Jagger e parece ter um toque mais pessoal (em entrevista, ela falou que se identificava muito com essa música). Mas, no restante, falhou-se enormemente neste sentido. Falta personalidade.

“You’ll See” praticamente segue o arranjo original de Madonna – muito mais apoteótico, é verdade, mas em termos de ritmo e estilo as duas versões são muito semelhantes. Ora bolas, isso até o Emerson Nogueira faz. Todo mundo sabe que o que torna uma versão cover legal é exatamente quando o artista dá uma cara pessoal à música homenageada, como faz o Me First and The Gimme Gimmes.

Porém, é preciso reconhecer que o disco tem as suas qualidades. A produção é bem feita e Susan tem talento. Portanto, não tem muito segredo: o produtor só precisa seguir o script e jogar com o regulamento debaixo do braço, sem precisar fazer grandes revoluções na mesa de som. Os arranjos, mesmo os feitos só pelo piano, são muito bons. Quando outros instrumentos se unem, o resultado fica quase cartático.

Para o bem ou para o mal, esse álbum de estreia mostrou a verdadeira face de Susan Boyle. Ela canta bem e de forma natural, mas seu estilo é cru. É óbvio que a gravadora quis lançá-la o quanto antes no mercado (ao invés de esperá-la se aperfeiçoar) para aproveitar o máximo do fenômeno em torno de sua imagem – e, de quebra, descolar uma boa publicidade viral. Mas ele não deixa de ser uma boa opção de presente para o amigo secreto no Natal, ao lado de um disco do Roberto Carlos.

Apesar de ter vendido bem, algo em torno de 700 mil cópias em uma semana, a recepção dos críticos foi bem fria. A impressão que deu é que o pessoal considerou o álbum como mais uma desssas farsas da indústria fonográfica, do tipo Mallu Magalhães ou Lilly Allen, só que estas foram abraçadas pela mídia especializada. Não que Susan não seja uma farsa, mas tudo isso ajuda a mostrar qual é a real da música pop.

O fato é que em tempos de Auto-Tune, saber cantar ou ter um mínimo de talento musical é um detalhe (Lady Gaga que o diga). Com algumas exceções, o que se dissemina no mundo pop é uma imagem estilosa, uma atitude de porralouquice e uma jovialidade rebelde de James Dean. Já Susan não passa de uma caipira de meia idade do interior da Escócia cujo único aditivo deve ser uma xícara de chá com leite, mas é quase impossível que ela consiga uma carreira musical sólida.

Como aconteceu com o Rick Astley, no futuro será mais fácil lembrar de Susan Boyle pelo viral da internet do que por sua música (ou versões, já que das doze faixas de “I Dreamed a Dream”, apenas uma é assinada por ela). È natural que o hype em torno desses fenômenos midiáticos decresça com o tempo, então bem provável que antes do fim do mundo, em 2012, ninguém se lembre dela. Não foi desta vez que a cultura pop ganhou mais um símbolo da resistência dos feios.

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Igor Nishikiori é jornalista e escreve no blog Barbitúrico com Fanta

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Leia também:
– “Falta dor e maldade para Mallu Magalhães”, por Marcelo Costa (aqui)

11 thoughts on “Susan Boyle e a vingança dos feios

  1. O album é bem conservador de fato, mas não acho que ela seja mais, ou menos, uma farsa do que Arctic Monkeys, por exemplo. Claro que existe a indústria musical louca para lucrar muito em cima de qualquer coisa e que muitos artistas se sujeitam a condiçoes específicas para agarrar a chance. Na situação dela então, nem se diga. Ela me parece talentosa, como o texto ressalta, e quem sabe o que pode vir após a onda? Existem públicos diversos, nem todos querem ouvir Arctic Monkeys ou Grizzly Bear, sei lá. E a versão de Wild Horses ficou bem legal, embora lembre bastante a do Sundays.

  2. Arctic Monkeys é uma farsa? Não me faça rir! E outra, esses números sobre a venda do disco merecem ser vistos com outros olhos (tá vendendo horrores nos EUA até o presente momento e quase batendo a Taylor Swift). Não curto a Susan Boyle mas o cara aí acima comentar que Arctic Monkeys é uma farsa só pode ser opinião de quem não curte ou desconhece absolutamente “TUDO” sobre música. Esse aí “bitolô” de vez! Sem mais!

  3. Eduardo, eu não disse que Arctic Monkeys É uma farsa. Eu disse que a banda, e apenas como um exemplo pois praticamente todo artista entra nisso, tem todo um esquema de marketing em cima. Mesmo sabendo como eles começaram. Então não acho que isso desmereça uma obra totalmente. Eu ouço muita música e leio muito sobre música também, e justamente porisso (vezes os números de anos da minha idade, rss) é que enche o saco tanta valorização da ¨atitude¨ como se às vezes não fosse muito mais legal ouvir Abba do que Velvet Underground, parafraseando Renato Russo. Sem bitolamento, é isso. E só escrevi porque acho que ela (Susan Boyle) tem talento, é óbvio, e porque a voz é o instrumento que mais me emociona. Talvez ela consiga fazer um album legal um dia, talvez não.

  4. Tem razão, Igor. Dificilmente um outro vídeo com uma apresentação da Susan Boyle será tão ou mais visto do que o do Britain’s Got Talent no Youtube. Não pelo fator música. Já pelo fator “porralouquice”, “inusitado”, aí a história é outra. Isso ajuda a entender melhor a nossa música pop.

  5. Será que pelo menos chega a lançar um segundo disco??? Depois que a poeira midiática tiver baixado??? De todos essas caras e minas que saem destes tipos programas (inclusive no Brasi, vide o tal ídolos ou aquele outro da globol), nunca vi nenhum dar certo. Acho que a que mais fez um sucessinho foi aquela Kelly Clarkson (naum sei se escreve assim heheh), e que é bem ruim. O problema deste povo é justamente não ter personalidade, investirem no óbvio, nestas versões “polidinhas” para o gosto médio. Que suma logo…

  6. Paulo,

    Só um detalhe: aquele vocalista do Exaltasamba não saiu do programa Fama? Mesmo não sendo bom, acredito que ele alcançou relativo sucesso por estes lados.

  7. Exaltasamba??? huahuauha. Melhor nem ficar sabendo dessas paradas sinistras…. Quanto mais eu rezo, mais assombração aparece : )

  8. Óbvio né, André. Nada de novo no front. Boa parte da cultura pop, ontem e hoje, vive da pura “fabricação” de imagens, um teatrinho arquitetado por marketeiros e “profissionais do entretenimento”. Desde de a peruca utilizada por integrante dos Walker Brothers nos anos 60 até os realities shows que se proliferam atualmente, que de reais nada têm.

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