Um Adolescente Nos Anos 80 #9 
"This Is The Day", The The
por André Takeda
Spectorama
2000

O fundo da sala-de-aula era meu território. Não que eu fosse um aluno arruaceiro ou coisa parecida. Sempre preferi sentar nas últimas classes porque era lá que estavam as pessoas mais divertidas, além de ser um ótimo lugar para eu ficar rabiscando formações imaginárias do que seria minha banda perfeita sem que nenhum professor viesse encher meu saco. E foi no dia em que estava colocando Ian McCulloch do Echo & The Bunnymen, Johnny Marr do The Smiths, Peter Hook do New Order e Budgie do Siouxsie & The Banshees na mesma banda que Andrea apareceu ao meu lado e puxou conversa.

"Por que esta cara de assustado?", ela perguntou.

Era verdade: eu estava assustado. Afinal, desde que éramos colegas Andrea nunca havia sentado lá no fundão.

"É que tô acostumado a olhar pro lado e ver a cara do Pedro." 
"E o que é melhor? Ver a cara do Pedro ou a minha?" 

"É que é estranho..." 

"Você não respondeu minha pergunta."

Fiquei alguns segundos rabiscando sobre a folha de papel, sem saber o que dizer. Apenas sentia aquele frio na barriga, típico de quem acabou de se dar conta de que está se apaixonando e que, azar, não tem mais volta. Mas, naquele caso, era uma sensação 99% boa. Afinal de contas, não fora eu que havia tomado a iniciativa. Pela primeira vez na vida, poderia dizer que uma menina estava dando em cima de mim. Só que, óbvio, sempre havia aquele meu maldito medo estúpido. E, lógico, por causa dele, estar apaixonado por Andrea não era 100% legal.

"Você não respondeu minha pergunta", ela repetiu. 
"Só ia falar que é estranho ver você aqui no fundo da sala." 

"E..." 

"E respondendo sua pergunta, é estranho, mas é muito melhor ver você aqui do que qualquer pessoa. Principalmente o metaleiro do Pedro." 

"Tadinho dele... Vocês parecem ser tão amigos..." 

"E somos agora. Quero dizer, há uns dois meses que a gente tem se falado mais." 

"Nunca falei com ele." 

"Ué, você nunca tinha falado comigo." 

"Mas você também nunca falou comigo." 

"É que..." 

"É que a turma do fundão não se mistura com o pessoal que fica grudado no quadro-negro, né?" 

"Não era isso que queria dizer." 

"Mas você acha isso." 

"Você também acha isso, Andrea." 

"Se eu acho mesmo que a gente não deve se misturar, o que é que tô fazendo aqui?"

Pela segunda vez naquela manhã, Andrea havia me deixado sem palavras. Fiquei olhando para aqueles cinco nomes na última folha do meu caderno. Eram cinco caras, integrantes de cinco de minhas bandas prediletas, cinco músicos que provavelmente nunca iriam tocar juntos. Eles se misturarem parecia tão improvável quanto eu e Andrea nos misturarmos, mas, em ambos os casos, só de imaginar uma possibilidade já me fazia sorrir.

Mas antes que eu pudesse tomar uma atitude, minha caneta voou de minhas mãos e caiu no chão. Ainda atônito com tudo que estava acontecendo, fiquei apenas observando aquela velha Bic rodopiar entre a minha mesa e a de Andrea. E, quando percebi, ela já está ajoelhada no chão, com a caneta entre as mãos e seus olhos fixos nos meus. Não sei exatamente o que aconteceu comigo, mas, num impulso, joguei meu corpo sobre o dela e, enquanto toda sala-de-aula tentava descobrir de onde vinha aquele barulho de cadeiras caindo, eu a beijei.

"Vamos nos misturar", eu falei ao seu ouvido. 
"Nós vamos é ser expulsos da sala", ela disse.

E fomos. Sobre gritos e aplausos de toda turma, saímos de mãos dadas da sala-de-aula. E, quando fechamos a porta, sorrimos um para o outro com aquela certeza de que já não existia território meu que não fosse dela e vice-versa.


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