Um
Adolescente Nos Anos 80 #6
"Fall On Me", R.E.M. por
André Takeda
Spectorama
2000
Eu
sempre odiei aniversários. Sempre. Desde a minha festinha
de 6 anos, quando eu tive uma maldita intoxicação
alimentar de tanto comer bolo e beber Fanta laranja. Desde então,
associei aniversários àquele gosto horrível
de vômito na boca. E, você tem que concordar comigo,
isso já era um bom motivo para eu tremer cada vez que
chegava setembro. Por isso, enquanto metade dos caras da minha
idade ficava felizes em completar 15 anos, eu queria apenas
ficar mais velho sem que isso envolvesse data especial, festa
e presentes.
Mas
Julia colocou na cabeça que deveríamos organizar
uma festa. E nada que eu dissesse poderia mudar sua opinião.
"Sou
velho demais pra reunião dançante, Julia."
"Mas quem é que tá falando em reunião dançante?
É só uma festa. A gente chama um pessoal, bebe
algumas cervejas, ouve um som decente."
"Você não tá entendendo. Eu não gosto
de aniversários."
"Droga, João, você tá fazendo 15 anos. Deixa
de ser chato."
"Você tá sendo chata."
"Eu?"
"É."
"Mas..."
"Ah, Julia, não enche."
Por
que, afinal, o ser humano tem esta mania de ser extremamente
rude com as pessoas que gosta? Por que, alguém por favor
me diga, temos que maltratar quem mais gosta da gente? Por que,
eu preciso saber por quê, fui tão idiota naquela
tarde e magoeei Julia? Não sei. Não sei. Não
sei.
E
não sabendo, até hoje fico louco só de
pensar que tudo que ela queria era fazer era uma festa para
seu namorado. Só isso. Qual namorado não gostaria
que sua namorada organizasse uma festa no seu aniversário?
Nenhum. Apenas o babaca aqui.
Sim,
Julia parou de encher meu saco. E também ficou dias sem
falar comigo. Aliás, para falar a verdade, eu estava
tão cheio de razão que fiquei alguns dias achando
que era ela que deveria me procurar. Afinal, Julia é
que tinha desrespeitado minha opinião. Quando percebi
que havia pisado na bola, já era tarde demais. A menina
estava uma fera e não queria saber de ouvir minha voz.
E,
então, três dias antes do meu aniversário
Pedro teve uma idéia.
"Cara, faz você uma festa."
"Ah, você só deve estar brincando comigo."
"Não, você não tá me entendendo."
"Como assim?"
"Diz que vai fazer uma festa e só convida Julia. Faz
uma surpresa ra ela. Tipo, uma festa particular."
"Será que ela vai? E só de pensar em falar com
ela, já bate um medo estúpido dentro de mim."
"Deixa comigo. Peço pra Luisa colocar uma pilha nela."
Uma
festa só para Julia? Não era uma má idéia.
E, além do mais, eu não tinha outra opção.
Por isso, consegui que meus pais liberassem a casa naquela quinta-feira.
Meu pai ainda resmungou que quinta não era dia de festa,
mas minha mãe deu uma força dizendo que era para
fazer um agrado com a namorada e tudo ficou bem. Estava tudo
pronto: salgadinhos, cervejas e o novo disco do R.E.M. Tudo
perfeito. Até que, às dez em ponto, toca a campainha.
"Feliz
aniversário, João", Julia disse.
Eu fiquei paralisado. Não conseguia acreditar no que
estava vendo. Aquilo era bem pior que gosto de vômito
na boca.
"Este é o Marcos", ela falou apontando para o cabeludo
que estava com os braços sobre seu corpo.
Sem
saber o que fazer, fechei a porta na cara dos dois pombinhos.
Foi um ato infantil, eu sei. Mas naquela hora só conseguia
pensar naquela festinha de 6 anos e, claro, no quanto eu odiava,
mas odiava mesmo, aniversários.
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