Um
Adolescente Nos Anos 80 #5
"If You Leave", Orchestral Manoeuvers
In The Dark por
André Takeda
Spectorama
2000
Quando
você tem 14 anos de idade, a morte é algo tão
distante quanto improvável. Você quer experimentar
todas combinações alcoólicas possíveis,
todos os tipos de cigarros, todas as amizades perigosas, todas
as ruas escuras e mal freqüentadas que sua mãe vive
dizendo para não ir. Afinal, você tem toda vida
pela frente e a morte, pelo menos na minha adolescência,
era assunto de letras do Joy Division e revistas em quadrinhos.
Não que eu fosse um maluco sem limites. Pelo contrário,
sempre fui o mais moderado da turma. Mas era inevitável
não sentir um certo poder de imortalidade ao lembrar
que eu mal tinha completado uma década de vida.
E
foi assim, com esta típica petulância adolescente
que eu, Julia e Carlinhos, seu irmão de 17 anos e o maior
fã de The Doors que já conheci em toda minha vida,
saímos daquela festa de Miss Brotinho do colégio
e fomos procurar um lugar tranqüilo para fumar nossos baseados.
Não havia nenhum lugar muito escondido naquele maldito
clube, então resolvemos subir até o trampolim
mais alto da piscina.
"Caralho, é muito alto", eu disse.
"É alto nada, João", Carlinhos falou.
"Deixa de ser medroso e vamos nessa. Imagina, a vista lá
em cima deve ser maravilhosa", Julia resmungou enrolando as
palavras por causa das cervejas a mais que bebemos.
Não,
não poderia deixar minha namorada pensar que eu era um
covarde. Por isso, deixei meu medo estúpido de lado e
subi as escadas logo depois de Carlinhos. Sim, a vista lá
em cima era maravilhosa. Parecia que poderíamos tocar
o céu. Carlinhos acendeu um baseado, eu e Julia deitamos
no trampolim, seu rosto repousando sobre meu peito. De longe,
conseguíamos ouvir o som tipicamente FM vindo da pista
de dança. Para nossa surpresa, Carlinhos acompanhava
a batida da música com os pés e, de repente, fechou
os olhos e começou a falar como se fosse um pecador num
confessionário.
"Estão
ouvindo isso? Estão ouvindo? Vocês sabem o que
é isso? Eu sei. É um tal de OMC, OME, OMV. Tanto
faz. É uma porcaria, né? Claro que é. Pop
de segunda. O cara canta que nem viado. E estes teclados? Que
porra de teclados são esses? Mas nada disso importa.
Sabem o que importa? O que importa é que semana passada
eu fui expulso da aula de educação física
e fiquei vendo as meninas fazendo ginástica lá
na quadra de futebol de salão. E, de repente, vejo a
Erica dançando esta música fodida ao lado do rádio-gravador.
Caralho. Fiquei pasmo. Nunca vi coisa igual. Ela ali, dançando
uma merda de música, com um desgraçado de um short
de lycra justo, mas muito justo, e eu completamente zonzo. Quando
percebi, tava apaixonado. Apaixonado pela Erica que ouve OMV,
OMP, sei lá, anda de Morey-Boogie na praia e lê
Capricho."
Eu
e Julia ficamos em silêncio. Em outras situações,
a maconha teria me feito rir sem parar, mas ele pareceu tão
sincero que apenas sorri. Acho que, no fundo, estava feliz por
Carlinhos.
"É
OMD, Carlinhos", Julia falou.
"O quê?"
"O nome da banda é OMD."
"É ruim, né?"
"Não... Até que é bom, Carlinhos. É
um pop gostoso. Ouve só..."
"Porra, eu gosto de Doors."
"E daí?"
"E daí que a Erica nem deve saber quem é Jim Morrison."
"Grande coisa. Você tá apaixonado. E isto é
lindo."
"E o que eu faço agora?"
"Ah, sei lá. Se eu fosse você, mandava tudo a puta
que pariu e iria atrás da Erica."
"O quê você tá dizendo?"
"Isso mesmo que você ouviu: mergulhava de cabeça
nesta paixão."
Então,
aconteceu.
Carlinhos
correu pelo trampolim e se jogou na piscina. Eu e Julia apenas
vimos suas pernas caminhando no ar enquanto seu corpo caía
em alta velocidade. Os olhos arregalados, os cabelos ao vento,
o baseado na mão. Por alguns segundos, eu e Julia ficamos
imóveis, sem entender e, muito menos acreditar, no que
estava acontecendo. Ouvimos o splash de seu corpo contra a água
e, com os corações a mil, caminhamos até
a beira do trampolim. Julia repetia "filha-da-puta, filha-da-puta,
filha-da-puta" e, com as pernas tremendo, olhei para baixo.
Foram
cinco segundos. Cinco segundos que valeram por um ano. Cinco
segundos de agonia. Cinco segundos até o rosto de Carlinhos
surgir na piscina e sua risada irônica ecoar pelo clube.
Cinco segundos para eu e Julia também nos jogarmos do
alto daqueles dez metros de altura e selarmos nosso namoro com
um beijo no ar. Cinco segundos para Carlinhos decidir que pouco
importava que Erica fosse quem aparentava ser e que, sim, ele
deveria ir o mais rápido possível, talvez naquela
festa mesmo de Miss Brotinho e ao som de OMD, à sua procura.
Porque,
você sabe, por mais que a morte pareça distante,
a vida nunca deixa de ser curta.
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