Um Adolescente Nos Anos 80 #8 
"Make Believe", Joan Jett & The Blackhearts
por André Takeda
Spectorama
2000

O sexo muda tudo: as bochechas ficam rosadas, os seios parecem querer explodir, os passos são mais decididos. Pos isso, era fácil saber quando alguma menina no colégio já havia transado. Talvez fosse uma teoria furada, mas sempre acertávamos. Pedro dizia que eram os hormônios que entravam em ebulição e faziam o corpo das meninas se desenvolverem com mais rapidez. E, em dias de tédio, eu e ele ficávamos o recreio inteiro observando o sexo oposto no recreio.

"Olha ali a Erica…" 
"Nossa! Que seios…" 

"Ela não era assim antes." 

"Caramba. Ela tá gostosa mesmo. E aquele sorriso… Este sorriso é de quem já deu..." 

"Será que ela e o Carlinhos já transaram?" 

"O quê? Ela tá com o Carlinhos? O irmão da Julia?" 

"Ele mesmo." 

"Caralho, eles não têm nada a ver um com o outro… É como você…" 

"Como eu e a Andrea?" 

"É..." 

"Pode ser. Mas, sei lá, desde aquele dia do terraço tanto eu quanto ela não temos coragem de olhar um pra cara do outro. O foda é que não consigo parar de pensar nela." 

"Que bom. Então quer dizer que você já superou o episódio Julia…" 

"Mais ou menos…" 

"Então vira pra lá que ela tá vindo aí."

Não, eu não ainda havia superado Julia. Até hoje ainda é difícil de imaginar outra pessoa que fosse tão próxima daquilo que sempre pensei como a mulher ideal. Na verdade, Julia era a rock star que tanto desejei desde o dia em que vi uma foto da Joan Jett. Só faltava uma guitarra na mão. O jeito decidido, o estilo de suas roupas, o modo "foda-se" de levar a vida- todo o resto ela já tinha. Hoje eu sei que tudo isso não passa de fantasia da minha cabeça (apesar de ainda tremer as pernas cada vez que vejo a capa de um disco da Joan Jett), mas aos 15 anos eu levava aquilo a sério, tão a sério que sentia um medo estúpido cada vez que pensava em admitir que estava interessado pela Andrea, e o pior, tão a sério que quase tive um infarte ao perceber que o corpo de Julia estava mais desenvolvido naquela manhã.

"Você tá vendo o que tô vendo, Pedro?" 
"Não tô vendo nada." 

"Tá sim. Só não quer dizer." 

"É que, sei lá, não quero que você fique pior." 

"Então você tá pensando a mesma coisa que eu, né?" 

"Tô." 

"Não acredito que ela já transou com aquele babaca." 

"Já." 

"O quê?" 

"Nada. Não disse nada, João." 

"Você já sabia?" 

"Não é bem isso…" 

"Porra, você já sabia e não me contou." 

"Já te disse: não queria que você ficasse pior." 

"Quando foi isso?" 

"Não sei. A Lisiane não entrou em detalhes." 

"Não acredito." 

"Aconteceu, João. A Julia tava puta da cara com você, conheceu outro cara, você ficou só na fossa, ela se apaixonou. Isso acontece. Falei com ela ontem. Tava lá na casa da Lisiane. Ela só não quer que você pense que ela não tá nem aí. Que ela foi uma sacana. Não foi, não." 

"Eu sei que ela não foi, Pedro", eu disse enquanto Julia comprava uma guaraná e, depois, voltava para o prédio e, sem querer, nossos olhos se encontraram e, então, eu sorri.

Foi um sorriso honesto, sincero, carinhoso. Ela mordeu o canudo, acenou para mim e entrou para o prédio do colégio. Eu e Pedro ainda ficamos alguns minutos olhando as pessoas voltarem para a sala de aula, pensei no quanto fui egoísta e orgulhoso em nunca ter pedido desculpas a Julia, queria ter um cigarro em minhas mãos e, de repente, Andrea passou por nós.

"Ela é magrinha demais pro meu gosto, mas é bem bonitinha", disse Pedro.

Eu fiquei esperando que Andrea olhasse para trás com seu jeito tímido. Sim, ela era magrinha demais. Mas, pensei, foda-se, se as coisas derem certo, o sexo há de mudar tudo.


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