Um
Adolescente Nos Anos 80 #10
"The Killing Moon", Echo & The Bunnymen
por
André Takeda
Spectorama
2000
Existem
certas coisas na vida que você nunca aprende. Eu, por
exemplo, nunca aprendi como agir ao encontrar uma ex-namorada.
Está certo que não tive tantas namoradas assim,
mas sempre tremi as pernas na hora de falar com uma ex. A primeira
vez, então, nem se fala. Fiquei tão nervoso que
até pensei que iria ter um ataque cardíaco.
Foi
numa festa. Lembro que, apesar de ter sido organizada pelos
babacas do terceiro ano, a música até que não
estava tão ruim assim. Logo que eu e Andrea chegamos
no apartamento do aniversariante, fiquei impressionado com a
qualidade do som. Eram tantas bandas inglesas legais que não
tive como conter minha curiosidade e, enquanto Andrea conversava
com uma amiga, fui ver quem é que estava cuidando do
som. E, óbvio, não poderia ser outra pessoa.
Sim,
era Julia que estava atrás do toca-discos, com aquele
seu jeito de roqueira, um fone de ouvidos pendurado no pescoço,
um cigarro aceso entre os dentes, os cabelos espetados e uma
maquiagem pesada. Fiquei ali, a poucos passos de onde ela estava,
sem saber o que fazer. Confesso que fiquei embasbacado com seu
charme. Olhando ela ali, tão linda discotecando, ficou
claro porque fora tão apaixonado por ela.
Pensei
em dar meia volta e ir embora. Mas Julia já havia me
visto. E, além do mais, eu realmente estava feliz com
Andrea. Por isso, resolvi enfrentar meu nervosismo e ir falar
com ela.
"Oi",
eu disse sem jeito.
Julia
respondeu com um sorriso. Trocou de discos com uma agilidade
digna de um DJ profissional e apagou seu cigarro.
"Pensei
que você fosse falar sobre o tempo", ela falou.
"Como?"
"Pensei que você fosse comentar algo sobre o tempo. Lembra
que na noite em que nos conhecemos você falou 'que noite
do caralho'?"
"É que eu não sabia como puxar assunto."
"Parece que agora também não sabe."
"Mas é que agora é diferente."
"Mas não deveria, né? A gente se conhece, já
passou por muita coisa juntos."
"Puxa, Julia, você sabe muito bem por que é diferente."
Julia
encheu seu copo de cerveja e acendeu outro cigarro. Acho que
eu não era o único nervoso por ali.
"Por
que você veio falar comigo só agora?"
"Sei lá."
"Sei lá? Isso é tudo que você tem pra dizer?"
"Sei lá, ué. Acho que só falei agora com
você porque eu tinha medo."
"Medo?"
"Você sabe que sempre tive um medo estúpido de
você."
"De mim?"
"De você, da situação, sei lá."
"Caralho, João este seu medo fodeu com tudo. Por causa
dele não foi capaz de me pedir desculpas quando mais
me magoou, por causa dele não foi capaz de me procurar
e brigar por mim."
"Mas você tá bem com seu namorado, não tá?"
"Não vem ao caso. O que importa é que talvez eu
tivesse te perdoado antes. Mas não. Você tem medo
e pensa que é orgulho. Você tem medo e pensa que
é depressão."
"O que posso fazer?"
"E eu vou saber? Sei lá, deixa de ser tão adolescente."
"Mas, Julia, pelo amor de Deus, querendo ou não, eu sou
um adolescente."
E,
então, ela começou a rir. Se eu fechar os olhos
agora, posso ver exatamente seu riso solto e infantil. Foi a
última vez que a vi assim tão próxima de
mim e, ainda bem, é aquele jeito alegre que guardo comigo
desde então.
"Nós
somos adolescentes, João", ela falou ainda rindo e enfatizando
o "nós". "Somos adolescentes e somos todos medrosos."
"Mas a gente vai melhorando, né?"
"Tomara."
"Pelo menos eu deixei um pouco do meu medo de lado e fiquei
com uma menina que nunca pensei que fosse ficar..."
"Ouvi falar. Disseram que a cena do beijo na sala-de-aula foi
de cinema."
"Não sei o que aconteceu comigo. Não pensei em
mais nada, só em pular em cima da Andrea."
"Quer saber? Eu tenho ciúmes dela."
"Eu também tenho ciúmes do seu namorado."
"Acho que ciúmes de verdade é ela que tá
sentindo, João. Olha ela ali. Não parece nada
satisfeita em te ver aqui."
Julia
tinha razão. Do outro lado da sala, Andrea só
faltava me encher de tapas com os olhos.
"Vai
nessa, João", Julia disse.
"Desculpa qualquer coisa, tá?"
"Sem desculpas, ok?"
"Mas."
"Tudo bem, tá desculpado. Agora anda, vai."
Sem
olhar para trás, caminhei em direção a
Andrea.
"O
que você queria com ela?", Andrea perguntou.
"Só fui pedir uma música.", respondi.
"Ah, é? Qual?"
"Uma da minha banda predileta", eu disse acreditando que Andrea
nunca fosse lembrar o nome da banda.
"Olha, se não tocar aqueles tais de Echo e sei-lá-o-quê
agora você vai se ver comigo."
Engoli
seco. De repente, a música parou. E, por um milagre,
"The Killing Moon" começou a tocar nas caixas de som.
Andrea me olhou desconfiada, mas reconheceu a música
que eu não parava de ouvir nas nossas tardes lá
em casa e, antes de entrar os vocais, me abraçou com
força, como se quisesse mostrar a todos que somente ela
que fazia meu coração acelerar. Com o rosto sobre
o ombro de Andrea, pude ver Julia sorrindo para mim. Sorri de
volta e pensei que já era hora de começar, mesmo
que lenta e gradativamente, a crescer. Mas, você sabe,
há coisas na vida que a gente nunca aprende. E hoje,
em pleno ano 2000, eu me sinto tão adolescente quanto
aquele João dos anos 80.
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