INSTANTE
ANTERIOR
Apenas
uma questão de números
por
Bruno Medina
Arquivo
Pessoal - Lobão
Em ordem
Dr. Nehemias Gueiros, Dep. Tania Soares, Beth Carvalho, Aécio
Neves e Lobão
Há
alguns dias nós brasileiros obtivemos uma histórica
conquista. Foram anos de tentativas frustradas, de decepções,
alguns já haviam perdido a esperança, mas finalmente
conseguimos...
Quem achou
que eu estava falando de futebol se enganou. A conquista a qual
me refiro aconteceu no campo musical e literário: os
artistas brasileiros finalmente terão suas obras numeradas.
Para se ter
uma idéia do que isso representa, saiba que a maioria
dos artistas tem pouco ou nenhum controle sobre o número
de seus livros e cds vendidos, não só aqui no
Brasil como em qualquer parte do mundo. Os números oficiais
referentes as vendas são fornecidos pelas gravadoras
e editoras sem nenhum tipo de comprovação específica,
o que sempre levou muitos autores a levantarem suspeitas sobre
possíveis déficits em seus recebimentos. No final
depois de muita discussão fica o dito pelo não
dito e o artista acaba sempre com a pulga atrás da orelha.
Só
o que eu não consigo entender é como levou tanto
tempo para se regulamentar uma questão que me parece
tão passível de dúvidas e ao mesmo tempo
de tão fácil resolução. Acho que
infelizmente nesse aspecto muitos artistas renomados têm
sua parcela de culpa. Nós do Los Hermanos sempre que
podíamos abordávamos a necessidade da numeração
dos cds nas entrevistas, mas quem somos nós? Nosso poder
de barganha e de mobilização dentro da indústria
fonográfica ainda é
muito pequeno. O que aconteceria, por exemplo, se o Roberto
Carlos se recusasse a lançar cds ao menos que eles fossem
numerados? Será que ele ficaria sem gravadora, será
que ele seria esquecido? Muitos se omitiram nessa questão
perpetuando uma política de desrespeito e, porque não,
de desonestidade com a classe artística.
Agora que
a lei foi aprovada os executivos de gravadoras alegam que será
o fim da indústria fonográfica brasileira, que
uma lei que não existe em nenhum lugar do mundo não
deveria existir também no Brasil. Fatalismo, intimidação.
Está provado que o custo da numeração ficará
em torno de 10 centavos por unidade e eu nunca conheci ninguém
que deixou de comprar um cd por causa desse valor. E se a lei
não existe em nenhum lugar do mundo o problema é
deles, que comece então por aqui. O que os executivos
de gravadora não conseguem explicar é porque eles
são irredutíveis quanto à numeração,
por que são contra algo que só tiraria a dúvida
de que eles
enganaram por décadas
tantos artistas? Pra mim quem não deve não teme.
Cabe ainda
ressaltar a importância do Lobão nessa conquista.
O cara não é um Roberto Carlos nem um Caetano
mas colocou seu prestígio nessa luta tomando para si
a responsabilidade que claramente deveria ser de muitos outros.
Ele sozinho e depois com a ajuda da Beth Carvalho conseguiu
com muita seriedade e competência fazer o projeto ser
votado e aprovado pelo senado. Nos últimos anos alguns
artistas preferiram esquecer a luta da numeração
para aparecer abraçados com presidentes de gravadoras
naqueles eventos cheio de fotógrafos onde se passa com
o rolo compressor sobre milhares de cds piratas. Todo mundo
de camisa preta fazendo carinha de triste sem perceber que grande
parte desse absurdo que é a pirataria hoje no Brasil
se deve em muito aos próprios executivos e seus salários
milionários, aos jabás exorbitantes que eles próprios
ajudaram a criar e hoje são cobrados pelas rádios,
as festinhas, as viagens, e tudo mais que é esbanjado
com o dinheiro do nosso suor. Querem nos convencer que nossa
obra é um
cartão de visitas,
que eles fazem um grande favor em nos ajudar a vender cds.
Não
existe favor nenhum. A maioria dos artistas recebe 8 ou 10 centavos
por cd vendido. Quer que eu repita para acreditar? É
isso aí mesmo: dos 23, 25 reais que você paga na
loja apenas alguns centavos chegam às mãos dos
artistas. Faça a conta e descubra quantos cds é
necessário vender para se viver somente disso. Nosso
querido Mário Lago que foi um grande escritor, compositor,
músico e ator morreu aos noventa e tantos anos devendo
60 mil reais ao hospital. Um homem que dedicou sua vida a arte,
foi muito bem sucedido e mesmo assim morreu pobre. O direito
de receber pela obra realizada em vida é a aposentadoria
do artista e poucos recebem o suficiente
para viver com tranqüilidade
na velhice quando não podem mais exercer suas profissões.
A numeração dos cds é um passo importantíssimo
para mudar essa estória. Uma chance de finalmente se
fazer justiça, de trazer respostas, de esclarecer dúvidas
tão antigas.
No final das
contas, enganados ou não, a maioria dos artistas vai
continuar fazendo arte por vocação e não
por dinheiro. São milhares, milhões, pelos bares,
pelas praças, pelos palcos de caixote, vendendo eles
mesmos suas poesias e suas músicas sem nunca conhecerem
a fama nem a riqueza. Para os consumidores não muda nada,
para nós a numeração representa acima de
tudo um ato de respeito. Ainda existe muito a ser conquistados,
muito a ser esclarecido. Que bom que começamos!.
Bruno
Medina, 23 anos, é tecladista da banda Los Hermanos e
escreve neste espaço mensalmente.
Leia
as colunas anteriores
#1
- O Latifúndio Musical e a Dinastia do Essencial
#2
- A Bola da Vez
#3
- A Fábula do Submarino à Deriva
#4
- A Força de um Hábito
Por que
"Instante Anterior"?
Conversando
com uma amiga cheguei a conclusão de que a vida é
a eterna iminência de algo bacana. Quando o que você
mais sonhava acontece inevitavelmente você sonha com a
próxima conquista e isso nos mantém vivos. Já
viu um quadro do Hopper? Ninguém nunca retratou a eminência
com tanto brilhantismo. Os quadros deles são como acordes
tensos que não encerram uma música, como uma sétima
maior que prepara o próximo acorde. "Instante Anterior"
é mais ou menos isso.
Sunday, de Edward Hopper,
1926. The Phillips Collection, Washington, D.C
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