INSTANTE
ANTERIOR
O Latifúndio
Musical e a Dinastia do Essencial
por
Bruno Medina
Outro dia conversávamos sobre
um daqueles assuntos que só são pautados semestralmente devido
a complexidade e quantidade de fatores incidentes e determinantes. Aquele
tipo de assunto que seu amigo te segue falando apesar de você já
ter dado as costas para a discussão. A verdade é que todo
mundo tem uma opinião e consequentemente três ou quatro razões
para explicar o
porque do latifúndio musical
que ocorre no Brasil. Eu explico: pôr que as bandas alternativas
ocupam cada vez menos espaço no cenário cultural brasileiro?
É claro que não se espera que as bandas ditas "alternativas"
sejam as campeãs de venda ou de fama mas é notório
que cada vez existe menos terreno para as que nadam contra corrente e até
mesmo para algumas que nadam a favor.
O leitor mais afoito pode jurar que
em quase todo lugar existe um abismo entre o underground e o main stream,
e provavelmente está certo, mas acho que em poucos países
além do Brasil a fronteira entre os dois lados é tão
estreita. Posso dizer que nos últimos meses passei de observador
curioso para objeto de estudo desse fenômeno. Basta uma música
não bater na rádio
para o mercado se fechar como um
pavão desinteressado. Será que o problema é dinheiro?
Pode ser, mas o mercado consumidor existe porque os "Harmonia do Samba"
e "Bruno e Marrone" estão aí vendendo centenas de milhares
de CDs apesar da pirataria, segundo pesquisas, ter tomado conta de 70%
do mercado. Cada pessoa que compra um Cd é um consumidor em potencial
a ser conquistado e podem acreditar que existem muitos em nosso país.
O problema talvez seria o interesse
desse consumidor. É óbvio que a música feita para
o povão sempre vai vender mais, gerar mais mídia, mais shows,
mais dinheiro para as gravadoras entretanto ainda sim na maioria dos casos
as bandas que por algum motivo não estão na mídia
dificilmente conseguem vendagens significativas para a manutenção
de suas estruturas. Não há dúvida que com a entrada
da pirataria o mercado fonográfico brasileiro entrou em colapso:
as gravadoras que antigamente investiam em artistas que vendem pouco mas
atraem prestígio apavoradas com a redução dos lucros
passaram a financiar apenas o que é de premeditável sucesso,
eliminando todo e qualquer risco de erro. Na dúvida, na retração
do mercado, recorre-se as alternativas mais óbvias e isso empobrece
profundamente nosso cenário.
Cada vez consome-se mais a geração
dos anos 80 e no top 10 das rádios não é difícil
encontrar um Guns n' Roses ou um Pearl Jam. No top 10? Será que
não existem bandas novas para ocupar o lugar das da década
anterior? Lembram da época dos programas de flashback nas rádios
rock? Hoje em dia quase não existe mais essa distinção.
A situação é alarmante porque se puxarmos um
pouquinho pela memória vamos
nos lembrar que nos anos 80 tudo que se ouvia na rádio era novidade!
Sabemos que as bandas boas e inventivas estão por aí mas
o que aconteceu com as rádios? A única explicação
que consigo encontrar é que hoje em dia custa caro (e muito) colocar
uma banda nas paradas. Não é segredo para ninguém
que esse, digamos, benefício oferecido pelas rádios às
bandas novas tornou-se com o tempo uma rentável fonte de arrecadação.
Com o
passar dos anos a prática
se banalizou, o preço subiu e a grade de programação
encurtou de forma que as vezes é necessário tapar com um
hit do passado o espaço de uma negociação mal sucedida.
Daí as gravadoras nos brindam com as "novidades-velhas", regravações
e acústicos que sempre representam uma boa chance de repetirem o
sucesso de anos atrás. Certa vez Lobão sabiamente comparou
os acústicos a uma ponte de safena para rockeiros necessitados de
um pouco de sucesso e juventude correndo de novo em suas veias.
Parece que o selo Acústico
MTV atesta a relevância e garante o sucesso do projeto visto que
este tornou-se um fenômeno expressivo de vendas. Para mim tudo isso
começou com o Repórter Esso. Eu sei que é uma teoria
ousada mas acho que o povo brasileiro se acostumou a acreditar e consumir
tudo o que lhe diziam ser relevante. A linguagem das tvs abertas é
feita para a compreensão de uma criança de 5 anos ou um analfabeto
e com o tempo foi emburrecendo as pessoas. Os critérios de seleção
do que é ou não relevante caíram no gosto popular
e acabaram excluindo coisas bacanas fazendo com que muita gente perdesse
o faro para o que se faz na periferia da grande mídia.
Cid Moreira, Chacrinha, Pedro Bial
(tão eloqüente e jovial) entre outros, estabeleceram o idôneo
Padrão Globo de Qualidade copiado prontamente pelas outras emissoras,
perpetuando a dinastia do essencial. Esse padrão dizia que o "Metrô"
era legal porque aparecia no Chacrinha, portanto para conhecer bandas legais
bastava assistir o programa e correr para as lojas! Nada de errado com
isso se as pessoas soubessem que ali estavam bandas legais que aceitassem
fazer shows na periferia sem receber cachê em nome do programa como
Dinho Ouro Preto relatou a Folha de São Paulo gerando uma saia justa
danada para a emissora. E o que dizer do Ira que ficou mais de 10 anos
sem aparecer na Rede Globo por recusar-se a entrar com gorrinho de Papai-Noel
no programa deixando o velho guerreiro enfurecido? Acho que todo mundo
sabe de pelo menos uma estória como essa mas é preocupante
pensar que muita genten pensa que uma banda acabou porque não aparece
mais na tv. Ontem mesmo fizemos uma matéria para o Video Show e
o diretor do programa me perguntou quando lançaríamos nosso
segundo Cd! Isso me faz pensar que daqui a 5 anos vou encontrar alguém
que vai me perguntar porque a banda acabou depois do sucesso conquistado
com Anna Júlia.
É claro que por pior que seja
o panorama ainda existem exceções, refúgios onde é
possível encontrar informação sobre gente que está
tentando fazer um caminho diferente. Pena que a maioria desses meios
de propagação do mundo alternativo estão na internet
ou na tv a cabo e consequentemente muito distante da realidade brasileira.
Cabe ainda lembrar dos festivais, selos e
rádios independentes que lutam
bravamente para manter suas estruturas afim de continuar disseminando boa
música com integridade.
Bom, acho que estamos precisando de
um MST-musical. Precisamos urgentemente borrar a linha que divide underground
e main stream e de preferência acabar com esses termos pomposos e
preconceituosos que só atrapalham todo mundo. Esse texto não
tem o objetivo de produzir nenhum diagnóstico, apenas dividir a
minha visão sobre esse assunto tão complexo. Fiquem a vontade
para
discordar e somar três ou quatro
razões a essa discussão.
Bruno
Medina,
23 anos, é tecladista da banda Los Hermanos e escreve neste espaço
mensalmente.
Por que "Instante Anterior"?
Conversando com uma amiga cheguei
a conclusão de que a vida é a eterna iminência de algo
bacana. Quando o que você mais sonhava acontece inevitavelmente você
sonha com a próxima conquista e isso nos mantém vivos. Já
viu um quadro do Hopper? Ninguém nunca retratou a eminência
com tanto brilhantismo. Os quadros deles são como acordes tensos
que não encerram uma música, como uma sétima maior
que prepara o próximo acorde. "Instante Anterior" é mais
ou menos isso.
Sunday, de Edward Hopper, 1926. The
Phillips Collection, Washington, D.C |