INSTANTE
ANTERIOR
A Força
de um Hábito
por
Bruno Medina
Há algum tempo eu queria escrever
sobre um determinado tema, hesitei. Por que sempre que falo sobre esse
assunto tenho a impressão de estar pisando em ovos. Talvez antes
de começar eu devesse discorrer um pouco sobre que aspectos criam
um mito, qual é a força de um hábito cultural? Pois
bem, nossa sociedade é permeada de ritos e símbolos de enquadramento
social; a primeira transa, a entrada para faculdade, o nascimento de um
filho, todos acontecimentos inesquecíveis na vida de qualquer um,
todos ritos carregados de fortes significados sociais. Uma das primeiras
experiências a qual o ser humano é submetido logo na infância
acontece na escola.
É lá que percebemos
que não somos o centro do universo -como nossos pais nos faziam
pensar- e aprendemos a importância de se relacionar com outros indivíduos,
de fazer amigos e de ser aceito. Com o passar do tempo o que era comum
a todos passa a se aprimorar, se segmentar, e surgem os gostos. Vem a adolescência
e com ela a turma dos bagunceiros, a turma dos cdfs, e é mais ou
menos nessa época que você deve ter ouvido falar pela primeira
vez no tema desse texto: o bom e velho rock ‘n roll.
Essa frase de tão repetida
e pomposa ficou solene, virou uma instituição. Estou exagerando?
Então reflita sobre sua adolescência e tente se lembrar de
qual imagem te sugere uma camiseta preta surrada com um escrito incompreensível
e uma imagem sombria? Quando se tem 13 ou 14 anos usar uma dessas camisetas
significa status para muita gente.
Nessa época em que começa
a se formar uma personalidade e todos procuram desesperadamente por uma
forma de mostrar ao mundo que existem, não custa nada pedir uma
ajuda para o Black Sabbath, o Iron Maiden ou os Ramones, como tantos outros
já fizeram. Os benefícios são muitos: de cara você
já vai estar inserido num grupo, o dos roqueiros. Vai estar mostrando
para todos que não é mais criança e já está
apto a beijar na boca, beber, fumar e fazer macaquices em geral para chamar
atenção das meninas e atenuar os efeitos de uma voz de criança
na sua agora expoente virilidade. Pode chamar de "bicha" quem gosta de
outro som que não rock, e será apoiado. Enquanto cresce seu
cabelo, enquanto não cresce sua barba, você estará
protegido.
Claro que esse personagem que eu criei
está bastante estereotipado mas todos nós sabemos que ainda
hoje ele existe, e você mesmo se não foi assim provavelmente
conheceu alguém que foi. Caso não concorde comigo pelo menos
nunca duvide da força que tem o bom e velho rock ‘n roll. Um caso
particular me fez testemunha de que esse fenômeno ainda possui muitos
adeptos e inacreditável poder de mobilização: em meados
de 2000 meu colega Marcelo Camelo ousou dizer que não gostava de
Ramones no "Gordo Pop Show", programa exibido na época pela MTV
com apresentação de João Gordo.
Além de sermos expulsos do
programa pelo cínico apresentador ainda tivemos que ouvir muito
em nossos shows por todo Brasil o coro de "Ramones, Ramones" ou "Hey-ho,
let’s go!" e acredite que eu não me espantaria em constatar que
isso acontece até hoje, dois anos depois do que foi dito num programa
a tarde num canal UHF!
A estória é muito engraçada
mas denota que a maioria dos roqueiros não sabe o que o rock significa,
não percebem que o rock era um movimento de contracultura e de contestação.
O rock se perdeu quando virou bom e velho e deixou de ser a voz da revolução
para se tornar uma entidade careta e preconceituosa.
Me deixa triste perceber que muitos
que se dizem roqueiros esqueceram da principal característica do
movimento que é a ruptura do que está estabelecido. Para
mim o rock se mescla com outros estilos, se veste de branco, acorda cedo
e usa óculos para ler jornal. É velho mas está à
par das novidades e se esforça para buscar novos caminhos para expressar
o mesmo sentimento que havia há 30 anos atrás. Apesar de
não me identificar nem de me sentir influenciado pelos grandes nomes
do rock sou capaz de respeitá-los, não respeito gente burra
e preconceituosa.
Sou a favor de experiências
sonoras que acrescentem atributos e qualidade ao estilo, sou contra prateleiras
sectárias de lojas de cd. Enquanto os roqueiros brasileiros discutem
o que sua banda predileta pode ou não dizer e fazer não percebem
o espaço ínfimo que o rock ocupa no cenário nacional.
Poderiam haver mais rádios, mais shows, mais festivais se não
houvesse tanto medo de se expor e consequentemente ser popular.
E quando eu digo isso não estou
sugerindo que as bandas de rock saiam por aí fazendo playback e
mergulhando na banheira do Gugu, apenas defendo que se pare de enxergar
o rock como um movimento fechado, hierárquico e burocrático.
Ser roqueiro é muito mais do que se vestir de preto, usar bota,
fazer tatuagens, deixar o cabelo crescer e falar palavrões, ser
roqueiro é não ter medo de ousar e não repetir a cartilha
que já caducou. Reflita se seu ídolo criou alguma coisa relevante
ou se ele se conformou em repetir seus antecessores e ser só mais
um no "partido da situação". Caso você não encontre
uma resposta, insista, é difícil mesmo.
Bruno Medina,
23 anos, comprou coturnos e se vestiu de preto quando tinha 15 anos. Demorou
3 semanas para perceber que era mais legal ser ele mesmo, tinha poucos
amigos na escola e sempre achou ridícula aquela voz de ogro característica
dos vocalistas de banda Heavy Metal.
Leia as colunas anteriores
#1 - O Latifúndio
Musical e a Dinastia do Essencial
#2 -
A Bola da Vez
#3 -
A Fábula do Submarino à Deriva
Por que "Instante Anterior"?
Conversando com uma amiga cheguei
a conclusão de que a vida é a eterna iminência de algo
bacana. Quando o que você mais sonhava acontece inevitavelmente você
sonha com a próxima conquista e isso nos mantém vivos. Já
viu um quadro do Hopper? Ninguém nunca retratou a eminência
com tanto brilhantismo. Os quadros deles são como acordes tensos
que não encerram uma música, como uma sétima maior
que prepara o próximo acorde. "Instante Anterior" é mais
ou menos isso.
Sunday, de Edward Hopper, 1926. The
Phillips Collection, Washington, D.C
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