A lendária aparição
do quarteto de Liverpool no Ed Sullivan Show atendeu perfeitamente a demanda
das emissoras e dos próprios telespectadores de encontrar alguma
utilidade para aquela caixa grande e pesada que ocupava todas as salas
americanas. Os Beatles eram a novidade interessante e com potencial para
conquistar o mundo, justo o que era necessário para vender
mais aparelhos de tv. O "American
Way of Life" do pós-guerra era o padrão mundial de qualidade
de vida aliado ao gosto pelo consumo frívolo e os Beatles foram
o melhor eletrodoméstico que poderia ter sido inventado: milhões
de discos e muitos outros produtos que se derivaram deles tais como
filmes, bottons, cabelos no olho, terninhos e sei lá mais o quê
vendiam como nunca sentenciando a banda a ser o Midas de sua época
e de quebra um belo sinônimo da ideologia capitalista. Debutaram
a indústria musical em larga escala, a música pop que toca
no rádio, os shows em estádios, a histeria e tudo isso
é incrivelmente perceptível na música deles! Por isso
eu me sinto perfeito para escrever sobre a banda, eu sou o espectador comum,
aquele que mesmo mais de 30 anos depois do fim dos Beatles se assusta com
as imagens desbotadas das franjinhas sendo engolidas pela multidão,
da frustração dos mega-shows e da gritaria ensurdecedora
que com o tempo se tornou insuportável.
Os Beatles foram de uma sinceridade
poucas vezes demostrada na música e por isso mesmo deixaram um legado
maravilhoso e impossível de ser repetido, e essa é uma das
coisas que eu mais gosto na banda: a vulnerabilidade das músicas
que eles faziam. É possível perceber nitidamente quando o
Lennon estava puto com o mundo, quando eles estavam rindo de si
mesmos dizendo para nada ser levado
tão a sério ou quando queriam explicar para a juventude,
sem que os pais caretas soubessem, que "Lucy In the Sky with Diamonds"
até que era legal se bem usado.
Uma das imagens que mais me impressionam
dentre as muitas impressionantes imagens que envolvem os Beatles, é
aquela em que Lennon e Yoko estão na cama, rodeados de fotógrafos
querendo clicar e estampar para o
mundo aquele estranho casal cabeludo e pelado, uma cena tão ordinária
e ao mesmo tempo tão significativa. Aquilo foi um pedido de socorro
pois recaiu sobre as costas dos Beatles a responsabilidade de serem os
porta-vozes de uma geração, além de
estabelecerem o nível de exposição
pública tolerável para um ser humano.
E eles foram até o fim, ou
pelo menos até onde puderam, mas em 1971 o mundo já não
era mais o mesmo. Já não era mais possível deixar
de perceber que a América bacana da década anterior também
era capaz de cometer atrocidades no Vietnã e que Woodstock era lindo
mas nunca se repetiria da mesma forma. Jimi Hendrix morreu de forma estúpida
e alertou para os riscos
de se viver intensamente aquela experiência
até então inédita. Na minha cabeça o fim dos
Beatles tem a ver com tudo isso e o último show no terraço
da gravadora, que culminou com a prisão dos quatro, não deixou
restar nenhuma dúvida de que já não era mais possível
prosseguirem juntos, não era mais permitido fazer tanto sucesso
assim. Apesar disso, dez anos depois veio a prova de que o fenômeno
seria eterno e John Lennon morreu para mostrar ao mundo que o sonho tinha
acabado.
Depois disso vieram os Michael Jacksons,
as Maddonas, os Back Street Boys, todos fenômenos de venda e popularidade,
nenhum que pudesse ofuscar os Beatles. Quando eles afirmaram que eram mais
populares do que Jesus acho que não estavam se gabando; era apenas
uma constatação, uma afirmação que deixou no
ar uma prestação de contas deles para o público,
querendo saber quem era o mais responsável por aquilo tudo. Os Beatles
foram famosos sem querer e é
exatamente isso que os fez mais famosos
do que todos. Suspeitem dos fatos e opiniões citados acima, não
tenho certeza de nada. Esse texto, assim como os Beatles, para mim foi
uma fábula.
Bruno Medina,
23 anos, é tecladista da banda Los Hermanos e escreve neste espaço
mensalmente.
Leia as colunas anteriores
#1 - O Latifúndio
Musical e a Dinastia do Essencial
#2 -
A Bola da Vez
Por que "Instante Anterior"?
Conversando com uma amiga cheguei
a conclusão de que a vida é a eterna iminência de algo
bacana. Quando o que você mais sonhava acontece inevitavelmente você
sonha com a próxima conquista e isso nos mantém vivos. Já
viu um quadro do Hopper? Ninguém nunca retratou a eminência
com tanto brilhantismo. Os quadros deles são como acordes tensos
que não encerram uma música, como uma sétima maior
que prepara o próximo acorde. "Instante Anterior" é mais
ou menos isso.
Sunday, de Edward Hopper, 1926. The
Phillips Collection, Washington, D.C