"Sky Blue Sky", do Wilco
por Marcelo Costa
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26/04/2007

Eu não entendo o emo. Pior: eu detesto o emocore. Nada contra ser sentimental ou emotivo. Pô, eu já escrevi poesias (e só não escrevo mais por absoluta falta de tempo), já presenteei namorada com rosas e já chorei em comédia romântica no cinema. Só que uma coisa é ser sentimental, outra é ficar se lamentando, choramingando e reclamando da vida o tempo todo por todos os cantos como se a vida fosse um fardo impossível de ser carregado só porque a menina de olhos azuis que você está apaixonado decidiu sair com seu melhor amigo. Pára, vai. A vida é um fardo, sim – Ian Curtis que o diga – mas há uma beleza na melancolia que poucos no mundo sabem transformar em arte sem parecer piegas ou ridículo.

Caraminholo tudo isso por vários motivos, mas o principal é porque virou pensamento corrente dizer que isso e aquilo é emo apenas porque é sentimental e/ou emotivo. Basta o cara abrir o coração em uma canção pop que ele é emo. Sorry, amigos, mas não é bem assim. E Jeff Tweedy, o homem por trás (pela frente, por cima, por baixo e pelos lados) do Wilco está ai para provar. "Sky Blue Sky", sexto álbum do Wilco, é um tiquinho decepcionante no território instrumental (rock-folk-country-ballads para as massas), mas é exemplar no que diz respeito às dores do coração. Porque Tweedy já passou, faz tempo, dos 16 anos, e apesar de soar emocional até os píncaros em "Sky Blue Sky", explica: "Eu não confio em nenhuma emoção. Eu acredito na locomoção" ("You Are My Face").

Viver, não me canso de dizer, é acumular tristezas. Mas repito sempre logo em seguida a velha anedota com a qual Woody Allen abre "Annie Hall": "A vida é uma droga, mas passa rápido". Não adianta ficar parado, chorando e lamentando. Jeff Tweedy não é Woody Allen, um homem que consegue enxergar beleza na tristeza e nos desastres das relações humanas, e ainda nos fazer rir disso tudo. Tweedy é um gênio atormentado cujo amor parece ser algo impossível de ser tocado. Em seu disco mais famoso (e genial), o cantor e compositor do Wilco ousou usar as estações de rádio da agência de inteligência de Israel para mostrar o quanto não nos comunicamos nos relacionamentos. No disco seguinte, mandou avisar que teólogos não sabiam nada sobre sua alma. Agora, quase quarentão, ele pensa consigo mesmo: "Eu devo ficar satisfeito, eu não morri. Isso é o bastante para agora". (da faixa título do novo álbum).

Porém, se você quer mesmo saber como transformar um fim de relacionamento em poesia sem soar emo, você precisa ler e ouvir "Hate It Here":

"Eu tento permanecer ocupado
Eu lavo os pratos, eu corto o gramado
Eu tento manter-me ocupado
Mesmo que eu saiba que você não está vindo para casa

Eu tento manter a casa agradável e pura
Eu faço minha cama, eu troco os lençóis
Eu aprendi sozinho a usar a máquina de lavar roupas
Mas manter as coisas limpas não muda qualquer coisa"

Tematicamente, "Sky Blue Sky" é isso ai em cima. Um cara olhando a caixa do correio e verificando a secretária eletrônica do telefone, e ambos dizendo que ela não vai voltar, e que ele precisa seguir em frente e dizer "ciao". Apesar de não confiar na emoção, Tweedy transpira isso em cada uma das canções em "Sky Blue Sky", mas, não pule em meu pescoço, o disco é inferior musicalmente a tudo que ele já fez até hoje.

Uma das questões que o namoro de "A Ghost Is Born" (quinto disco da banda) com o kraut-rock explicitava era para onde estava indo o som do grupo de Jeff Tweedy. A banda começou country com "AM" e "Being There" (embora já trouxessem experimentos indies que bastaram para apresentar o movimento alternative country ao mundo), virou altcountry total em "SummerTeeth" e experimental em "Yankee Hotel Foxtrot". Em "A Ghost Is Born" Tweedy deixou de emular o Neil Young country para se espelhar no Neil Young roqueiro de longos solos improvisados. O resultado se fez difícil, mas de rara beleza. Mas após gravar uma faixa de 15 minutos que finaliza com microfonia abraçando microfonia, para onde iria o som do Wilco? Para o céu azul.

Além de imaginar pássaros voando livres em uma das capas de disco mais bonitas do ano, e analisar o amor com sobriedade e melancolia (Chris Martin um dia aprende), Tweedy limou as experimentações sonoras, e fez um disco todo certinho baseado no country, no folk e em baladas rock que escancaram de uma vez sua paixão pelo beatle Paul McCartney. A estética sonora adotada agora causa estranhamento não só porque substitui as experimentações de "A Ghost Is Born", mas também porque vai na contramão de tudo aquilo que a banda vinha fazendo até então. Entenda: as músicas não são ruins, de maneira alguma. Elas só carecem de... locomoção, para ficarmos em uma palavra do próprio Tweedy. O som da banda parou nos anos 70, e ficou por lá. E isso é pouco para um grupo que eu mesmo apontava – anos atrás – como um dos cinco que levavam a música pop por um caminho inteligente e novo.

Sei que vão lotar a minha caixa de e-mail e os comments com frases tipo "o disco é maravilhoso e isso é o que importa" e/ou "as novidades que estão por ai não são tão boas assim". Realmente, é isso o que importa, e tenho certeza de que esse álbum irá se transformar num grande companheiro após diversas audições. E "Sky Blue Sky" é melhor do que a maioria dos discos das bandas que a NME coloca em sua capa. Só que não estamos falando apenas de canções bonitas aqui. "Sky Blue Sky" é um daqueles discos atemporais, que não pertencem a esta época, e seria elevado a clássico se houvesse vindo ao público no começo dos anos 70. Hoje em dia, ele é apenas um amontoado de belas canções que ficam a sombra de "Yankee Hotel Foxtrot", este sim, uma obra clássica dos anos 00. Essa comparação não diminui a beleza de canções como a mccartiana "Walken" ou "On And On And On" (entre outras), mas faz sentir saudade de um tempo em que Tweedy se arriscava muito mais nas trevas ao invés de ficar olhando o céu azul. Nada contra o céu azul, mas, você sabe, de vez em quando chove.

"Sky Blue Sky" estará sendo lançado em CD, vinil duplo (que traz como bônus o álbum em CD simples), e em uma edição especial de CD+DVD (com 48 minutos de uma apresentação da banda em Chicago mostrando oito músicas do disco novo) na gringa no dia 15 de maio. A EMI promete edição nacional em CD para junho.

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