'Kicking Television - Live In Chicago 2005', do Wilco
por Marcelo Costa
Foto: Site Oficial
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28/12/2005

O público aplaude timidamente, e a banda começa. Assim que as primeiras frases saem pelo microfone, o público volta a aplaudir, e se aquieta ouvindo a música:

"Whell you're back in your old neighborhood
The cigarettes taste so good
But you're so misunderstood
You're so misunderstood
There's something there that you can't find
Honest when you're tellin' a lie
You're hurt but you don't know why
You love her but you don't know why
Short on long term goals
There's a party there that we oughtta go to
Do you still love rock and roll?"

Nessa hora, o público, que até então parecia calmo, grita e acompanha a repetição da mesma última frase. Misunderstood, faixa que abre o álbum duplo Being There (1996), do Wilco, foi a faixa escolhida pela turma de Jeff Tweedy para abrir os shows que deram origem ao álbum Kicking Television. Nada mais apropriado. Misunderstood traz todos os contrapontos de delicadeza folk e paixão rock and roll que marcam o som do Wilco desde justamente Being There, após uma estréia country/folk com A.M. (1995). Logo após o altcountry SummerTeeth (1999), a banda trilhou um caminho que os levou ao experimentalismo (Yankee Hotel Foxtrot, 2002) e ao kraut-rock (A Ghost Is Born, 2004). Kicking Television fecha o que poderia ser chamado de "a primeira fase na carreira da banda" jogando todos estes elementos no mesmo show. O resultado, apesar de centrar foco quase que apenas no repertório dos dois últimos álbuns, é grandioso.

A rigor, a paixão por microfonias e experimentações exibida em A Ghost Is Born dividiu os fãs da banda. Ao vivo, no entanto, tudo se transforma. Mesmo canções do álbum SummerTeeth ganham contratempos, quebras e novos detalhes, ambientando tudo sob a mesma colcha de retalhos. Impressiona o quanto crescem as músicas neste novo formato. Discos ao vivo em 90% dos casos são um passatempo, um souvenir de turnê. No caso do Wilco, não. Canções velhas e novas se misturam formando um repertório inspirado, cheio de detalhes. Quando você espera ouvir a mesma canção, ela surge, mas com um tratamento especial, que não altera o seu esqueleto, mas a engrandece. A luz do palco. Músicos gravam discos para sair em turnê. É ali que os arranjos amadurecem. É isso que flagra Kicking Television: o Wilco, uma das cinco bandas mais importantes do mundo na atualidade, exercitando sua musicalidade. Emociona.

Kicking Television foi gravado em quatro noites em Chicago, nos Estados Unidos, e traz praticamente a integra do superestimado A Ghost Is Born (e peca apenas na falta da tocante Theologians), metade do sensacional Yankee Hotel Foxtrot, apenas duas faixas de SummerTeeth e uma de Being There. De "estranho" no repertório, duas ótimas "parcerias" da banda com Woody Guthrie para os discos Mermaid Avenue ao lado de Billy Bragg: One By One e Airline To Heaven; um bônus da versão européia de A Ghost Is Born (a faixa título) e um country clássico para encerrar o show, Comment (If All Men Are Truly Brothers). Ao todo, vinte e três canções que redefinem a expectativa que uma pessoa têm quando vai ver uma banda: se todos os shows fossem assim, os discos seriam apenas objetos de transição, um caminho para o grande momento, a luz do palco. Jeff Tweedy consegue fazer renascer a idéia de que algumas pessoas são realmente mais especiais do que outras. Quantos James Patrick Page e Keith Moon poderiam ter existido? O punk pregava, e eu assino embaixo, que para fazer rock é preciso pegar um instrumento qualquer e tocar, montar um conjunto e se divertir. Mas, porra, alguns caras definitivamente nasceram com dom para a coisa. Jeff Tweedy é um deles.

Ao vivo, o Wilco se transforma em uma poderosa banda de rock and roll que, "casualmente", ama o folk e o country. O novo guitarrista, Nels Cline, auxilia Tweedy a transformar simples batidas em cargas dissonantes de riffs. Solos e mais solos de guitarra. Se o punk - novamente - surgiu para enterrar os solos de guitarra, não devia ser disso que eles estavam com pavor. Os solos de guitarra no Wilco tem o dom de levar o ouvinte ao espaço, e deixa-lo cair de lá sobre uma cama de estrelas. Em Misunderstood, Hell is Chrome (com auxílio do orgão), I'm The Man Who Loves You, e, principalmente, na linda At Least That's What You Said é impossível não se comover com o som que sai das doze cordas tocadas com fúria e paixão por estes dois homens. E são essas mesmas guitarras, agora limpas, sem adição de pedais, que se alternam na batida country e folk de canções suaves como Late Greats e Via Chicago (com slide e tudo), sendo que nesta última ainda baixa sob os músicos a alma rebelde de um Neil Young sônico no trecho final. De arrepiar.

I Am Trying To Break Your Heart (em versão superior a de estúdio), Jesus Etc e o trecho final do show com Radio Cure, Ashes Of American Flags, Heavy Metal Drummer e Poor Places demonstram que o público conhece bem mais as faixas de Yankee Hotel Foxtrot. Mesmo assim, a faixa que mais arrepia e dá vontade de se estar no meio do público é Shot in The Arm. Riffs repetidos, teclados sessentintas, bateria dançante e um refrão cantado em coro: 'Maybe all I need is a shot in the arm / Something in my veins bloodier than blood". É uma das poucas canções que se consegue ouvir a participação do público, calmo e reverencial em quase todo o show (a ponto de Tweedy agradecer pelo silêncio), mas que grita a plenos pulmões a frase final da música: "What you once were isnt what you want to be any more". Kicking Television comprova por a (guitarradas) + b (melodia) que o Wilco não é só uma das melhores bandas do mundo dentro de um estúdio. No palco, poucos shows emocionam tanto quanto este. Quem os viu no Tim Festival RJ pode falar melhor da experiência. Quem não viu, agora tem um disco oficial para ouvir e se emocionar.

"Do you still love rock and roll?"

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Site Oficial do Wilco