The Thrills
por
Juliana Zambelo
pocketbook.blogspot.com
05/08/2003
Alguns fatos são estranhos.
Às vezes algumas verdades parecem mentiras. Eis um exemplo recente:
a banda The Thrills vem da Irlanda. Com um som tão intimamente americano,
parece difícil de entender... Mas não é tanto assim,
se olharmos direito para a música pop irlandesa. Porque se por um
lado já ganharam fama vindos de lá artistas que investiam
seriamente nas raízes sonoras locais ou erguiam bandeiras brancas
para os conflitos, por outro existem nessa história dois nomes essenciais:
Van Morrison e The Commitments. Na vida real ou na ficção,
afinal, irlandeses sempre ouviram e reproduziram muita música americana,
mesmo que na hora de cantar o sotaque soe meio esquisito.
No caso do The Thrills, o sotaque
é de Dublin, terra de Oscar Wilde e U2.
Mas o primeiro álbum desse quinteto não é. "So Much
For The City", lançado no finalzinho de junho na Europa, é
californiano de corpo, alma e coração. Ele foi gravado quase
todo em Los Angeles e demonstra isso em cada nota. De Beach
Boys a Grandaddy e passando
por Byrds, as comparações
mais certas são todas vindas da costa leste dos Estados Unidos.
Influenciado pelo pop mais clássico
possível, o resultado foi o mais agradável que se pode conceber.
Melodias gostosas, voz macia, muito piano, guitarras acústicas,
banjo, gaita. Tudo muito pra cima, música de verão sem problemas
e sem culpa. Simples assim. Mas é tão bacana que, o que poderia
ser a receita de algo medíocre, rendeu um ótimo disco.
Bom o suficiente para ligar o Thrills
a uma banda do tamanho do R.E.M..
Afinal essa tinha sido, quem sabe só até agora, a última
banda pop a fazer um belo sucesso comercial com músicas tão
cheias de referências a uma sonoridade tradicional norte-americana.
Mas não se pode, por isso, dizer que esses irlandeses façam
alt-country – apesar de eventualmente já terem sido definidos assim.
Eles são alegres e desencanados demais para seguirem de verdade
essa estrada.
"So Much For The City" abre com piano,
bateria leve e banjo. É "Santa Cruz (You’re Not That Far)", que
de repente vai ganhando força e velocidade, chegando no refrão
com backing vocals a la anos 60 e desaguando num solo de gaita. Um começo
muito feliz. "Big Sur" vem em seguida com cara de favorita (ao menos da
banda), já que seu primeiro verso é o próprio nome
do disco. E não é que acaba mesmo sendo a melhor faixa do
álbum? É nela que vem encaixada a referência a mais
uma influência da banda nos versos "Hey, hey, you're the monkees
/ And people said you monkeyed around", emprestados do clássico
tema dos – claro - Monkees.
"Say it Ain’t So" poderia se tornar
a "Walking on Sunshine" do novo milênio tamanha a sua energia e o
poder de sedução embutido no seu ritmo. Mas é "Your
Love is Like Las Vegas" que traz a letra mais simpática, feita de
comparações esdrúxulas: "You're like Pete Best / Bitter
after all these years".
Defeitos? Sim, uns poucos. A voz de
Conor Deasy é doce, lembra Jason Litle do Grandaddy, mas em certos
momentos ela exagera na delicadeza e esbarra em Bee Gees (ou, pior, em
KLB). Também a quantidade de steel guitar algumas vezes parece excessiva.
Lançado no exterior pela mega
Virgin, o álbum não está nos planos da subsidiária
brasileira que acabou de lançar o novo do Jane's Addiction, do Dandy
Warhols e deve lançar o segundo álbum do Black Rebel Motorcycle
Club em breve. Sobre o The Thrills, nada. Uma pena.
Ouvir "So Much For The City" é
um pouco "Além da Imaginação"; é como se o
tempo tivesse parado numa tarde ensolarada de 1968. Isso é bom?
Isso é ruim? Isso importa? The Thrills é trilha sonora para
um dia de sossego, para quando se quiser colocar a saia mais leve, aquela
de chita, e passear de mãos dadas com o ar. É dessas coisas
bonitas que fazem a vida mais suportável. Esqueça a imprensa
britânica, esqueça a guerra religiosa irlandesa, esqueça
a mais nova banda de Nova York, nem que seja só por um momento.
Respire um pouco de The Thrills. Veja como se parece com ar fresco...
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