"Squeeze", o "disco bastardo" do Velvet Underground
por
Marcelo Orozco
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20/09/2005
Qual a primeira pessoa que vem à mente quando se fala em Velvet
Underground? Lou Reed, mais provavelmente, já que era o homem-de-frente
da banda. Talvez uns pensem em John Cale e suas contribuições de
contraponto a Lou nos dois primeiros álbuns.
Fãs do "disco da banana" (de 1967) podem lançar mão de Nico (cantora
"convidada" em várias faixas e co-participante do título do álbum,
Velvet Underground and Nico) ou Andy Warhol (o papa pop-art
que fez o papel de mentor artístico e "produtor" do referido disco,
além de autor da arte da banana na capa).
Os que adoram preferir os secundários podem até citar a baterista
Maureen "Mo" Tucker ou o guitarrista Sterling Morrison. Dificilmente
alguém faria associação instantânea ao nome de Doug Yule, baixista
e vocalista que entrou para o Velvet em 1968 no lugar de John Cale.
Só que, veja como a história pode ser cruel e crua, foi justamente
Yule quem fez sozinho (com a ajuda de Ian Paice, então no Deep Purple,
na bateria como músico de estúdio contratado e de uma não-identificada
cantora de apoio) o disco-testamento do histórico Velvet Underground:
Squeeze, de 1973.
Um disco sem Lou Reed, John Cale, Nico, Maureen Tucker ou Sterling
Morrison. Muito menos Andy Warhol - àquela altura, Yule estava muito
longe de 15 segundos de fama, quanto mais 15 minutos...
Squeeze é uma anomalia pop e uma anomalia na história do
Velvet. O disco (que saiu apenas na Inglaterra, França e Espanha)
nunca foi relançado em vinil, em CD ou sinal de fumaça. Também é
solenemente ignorado - como se nunca tivesse existido - na abrangente
caixa retrospectiva de cinco CDs Peel Slowly and See, que
inclui na íntegra todos os quatro álbuns de estúdio do Velvet com
Lou Reed.
Uma explicação possível é que, quando deixou o VU em agosto de 1970,
Lou Reed sentia que seu tapete era puxado pelo ambicioso Doug Yule.
Com uma vozinha razoavelmente decente (ele fez alguns vocais principais
nos dois álbuns do "Velvet-by-Lou-Reed" de que participou, como
em Candy Says e New Age), competência básica em seu
instrumento e mais nenhum talento digno de nota, o moço se deixou
tomar por uma ego-trip estimulada por bajuladores (e pelo empresário
Steve Sesnick) e se sentiu "rock star" a ponto de competir com Reed
pelo comando da banda.
Tanto que Doug trocou o baixo pela guitarra e virou o líder do VU
quando o verdadeiro líder foi embora. Virou líder em termos: não
sobrou ninguém para ele liderar, já que Sterling Morrison também
puxou o carro em 1971 e Maureen Tucker zarpou pouco depois. Resumindo
toscamente, os Velvets originais viam Doug Yule como um aproveitador
barato e nada confiável.
Após tocar em 1971 com um Velvet deformado, Yule viu a banda desmoronar
em 1972. Mesmo assim, marcou sessões de estúdio em Londres para
gravar um álbum. Muitos anos depois, ele alegou que pretendia gravar
seu primeiro trabalho solo e que teria sido forçado pelo ainda empresário
Steve Sesnick a soltar o disco como se fosse do Velvet Underground.
Encarregado de todos os instrumentos, Yule contratou apenas um ajudante:
Ian Paice, o baterista do Deep Purple (que vivia seus dias gloriosos
do álbum Machine Head e do hit Smoke on the Water).
Um ótimo instrumentista em seu grupo titular. Mas Paice apenas marcou
o ritmo como qualquer outro baterista de estúdio burocrático.
Mas, afinal: o que o álbum contém?
Lançado em fevereiro de 1973, Squeeze é um álbum sem razão
de ser - a não ser pelo ego desesperado do próprio Doug, ainda mais
cutucado pelo sucesso solo de Lou Reed com Walk on the Wild Side
e o álbum Transformer em 1972. A indigência musical ficaria
mais tolerável se o nome do Velvet Underground não tivesse saído
na capa. Mas quebrar a cara, Doug quebraria de qualquer jeito.
A fama do disco é péssima, espalhada pelos pouquíssimos que o ouviram.
Para quem tiver a pachorra de buscar na Internet, há uma versão
convertida para mp3 a partir do vinil original. A pachorra, meio
por obra do acaso, ocorreu por aqui. Curiosidade mórbida de ouvir
a obscura nota de rodapé de uma das bandas realmente fundamentais
do rock.
São 11 faixas em 35 minutos. Nem sombra de qualquer experimento
sônico como os dos dois primeiros álbuns do Velvet (o "da banana"
e White Light/White Heat). Nem rocks bem compostos e bem
tocados ou letras ricas e secas como em Velvet Underground,
de 1969, ou de Loaded, de 1970.
Como compositor, Yule parece crer que basta botar alguns nomes de
pessoas na letra e/ou no título, como Reed sabia fazer com maestria
e com um propósito narrativo, e pronto. Por isso, dá-lhe Little
Jack na faixa de abertura, uma Caroline logo depois,
um Dopey Joe aqui, Jack and Jane acolá e, para fechar
o disco, Louise, com uma coda cheia de harmonias vocais com
fundo de piano que estão mais para baladão de FM brega. Musicalmente,
Yule é um simulador sem personalidade e sem direção. Ele até arrisca
algum glam rock como o que Lou Reed (com David Bowie na produção)
praticava na época nas faixas Mean Old Man e Dopey Joe,
além do clima de cabaré de Crash.
Ele também montou Frankensteins de várias faixas da época de Loaded
em Friends (uma baladinha insossa que tenta ser diferente
com harmonias dissonantes como as de Who'll Love the Sun),
Jack and Jane (Walk and Talk It encontra Sweet
Jane em passo acelerado) e Send No Letter (outra aceleração,
esta calcada em Train 'Round the Bend).
Quando não reciclava Lou Reed, o simulador Yule almejava adquirir
alguma respeitabilidade via Beatles, Rolling Stones e até mesmo
Beach Boys. Caroline é um clone maltrapilho dos rocks surfistas
dos Beach Boys na fase 1964-65. Harmonias em la-la-la e contracantos
no refrão, solo de guitarra com o mesmo timbre do de I Get Around.
Nenhum peso, nenhuma tensão. E, em questão de Caroline, prefira
Caroline, No (que os Beach Boys soltaram em Pet Sounds)
ou Caroline Says (que Lou Reed lançaria no álbum Berlin,
em 1973).
Os Stones aparecem na insistência de Yule de usar backing vocals
à moda gospel (Little Jack, Mean Old Man, Dopey Joe). E os
Beatles são chupados no jeitinho mccartneyano de Crash e
nas levadas quebradas de piano em Wordless e Louise,
que lembram o primeiro álbum solo de John Lennon.
Saldo: como compositor, instrumentista, bandleader, Doug Yule era
um quase zero que não sabia dar vida a uma composição, não tinha
os recursos para explorar a dinâmica entre estrofe e refrão, as
vibrações que o som captado de determinada forma pode criar.
Ele se virava na guitarra, no baixo e no piano como um especialista
em montar uma banda, gravar demos, desfazer a banda quando nada
acontece e fundar mais outra que seguirá o mesmo percurso anônimo.
Se não tivesse sido um coadjuvante do Velvet de Lou Reed, Doug Yule
nunca teria merecido qualquer atenção maior no meio musical. Dando
a pata à palmatória, os Velvets de verdade estão certíssimos em
não incluir Squeeze no corpo da obra da banda.
Links
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"White Light/White Heat",
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