MATÉRIAS
ANTOLÓGICAS
"Eu falo por meio das minhas canções"
por
Lou Reed
Domingo,
10 de setembro de 2000, 9h 45min
Querido
diário: Hoje eu estou em Belfast. É um frio, chuvoso,
empoçado e gelado dia. De noite, a vista do meu quarto
é maravilhosa. É um quarto de quina com janelas
em ambos os lados, e eu tenho uma vista panorâmica da
cidade e do Rio Lagen diretamente debaixo de mim. De noite,
as luzes na rua e nas casas piscam como árvores de Natal,
tochas de flamingo parecem delinear a cidade em espirais, e
isso tudo é glorioso. De dia a mágica se vai e
eu estou na verdade entre construções em obras
e muitas pontes cruzando o rio.
Um
camareiro me acordou hoje ignorando o "Não Perturbe"
e aproximando-se tanto da minha cama que poderia ter passado
direto por ela, acordando-me com um "Desculpe-me, senhor!",
antes de bater em retirada ruidosa para o hall e caído
na segurança do corredor, deixando o meu "Não
Perturbe" no chão.
Não
vemos muito da cidade porque tudo está fechado por causa
das ameaças de bomba. A luta parece não ter fim.
Nós comemos no sports bar do Hilton. Que parece ter sido
projetado por um estagiário. É tão profundamente
feio que você ri. Felizmente eles têm Sky Sports,
que é um canal esportivo europeu.
Mas
você não pode tê-lo no seu quarto porque
eles querem você no bar. Eu não tomo um drinque
há um bom tempo. Eu me divirto à noite me sentindo
"normal" e forte sem ser afetado pelo álcool. Os shows
em Manchester e Bristol foram realmente bons, embora os jornais
e revistas tivessem previsto que as pessoas não iriam
porque eu não toco as velhas canções.
Ah,
mas às vezes eu toco. Mas vejo o set como uma jóia
- uma jóia in progress, sem dúvida -, uma legítima
jóia na qual as partes móveis têm sido lustradas
e polidas tanto quanto nós podemos, e nós encaramos
o show como uma peça.
Desculpem-me
pessoas que querem ouvir canções de 30 anos atrás
e escolheram não ir ao show, mas eu acredito na minha
musa e vou viver ou morrer por ela (bem, morrer é um
pouco forte), talvez abrir meu próprio bar de onde eu
não possa ser demitido é uma coisa mais limpa
a se dizer.
Uma
outra coisa. O resenhista na Escócia - um parvo - veio
de novo com aquela história de quão dark, raivoso,
etc., eu sou, ignorando completamente os crescendos de várias
emoções orquestradas no show, e atendo-se meramente
à noção do que eu sou. O público
teve uma maravilhosa noite.
Aproveitando-se
do espaço entre as canções, um jovem mantinha-se
implorando: "Fale conosco, Lou."
Eu
devo dizer a você: eu falo com você por meio das
canções. Eu digo a vocês mais do que muitas
pessoas sabem sobre seus amigos. Eu tenho tido essa relação
com você durante anos e nunca abusaria disso. Eu falo
de mente a mente, coração a coração,
espírito a espírito por meio da música.
Trecho
do diário que Lou Reed escreve no seu site oficial (
www.loureed.com
)
Publicado
no jornal "O Estado de S. Paulo", dia 8 de novembro.
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