Francis McDonald, um cara legal 
por Luis Fernando Manzoli
butiquim.blig.ig.com.br
17/06/2003

Noite fria de sábado em Londrina, norte do Paraná. Casa lotada. Afinal de contas, os Los Hermanos fariam um dos primeiros shows da turnê de seu badalado novo disco, o "Ventura". Antes, porém, um sujeito simpático, com a cara rosada e alguns quilinhos a mais, sobe no palco empunhando um violão. Não fosse pela camisa estilo country, ele se passaria perfeitamente por um roadie. Pensando melhor, poderia ser aquele seu tio legal que só aparece de vez em quando trazendo um presente que você sempre adora.

Na verdade, ele é o escocês Francis McDonald, que veio ao Brasil a convite da Slag Records e sob a alcunha de Nice Man. Ele acaba de lançar seu primeiro disco solo, "Sauchiehall and Hope (A Pop Opera)", e levou seu show a São Paulo, Rio de Janeiro e Londrina. Sauchiehall e Hope são duas ruas de Glasgow que se cruzam na esquina onde Francis encontra sua namorada depois que sai do trabalho. Mais cuti-cuti, impossível. As 19 boas canções do disco contam a história de um relacionamento fracassado, desde a euforia pelo surgimento de uma paixão até a tristeza frustrante do sentimento "loser".

O tio Francis é arroz-de-festa na fervilhante cena indie de Glasgow, capital escocesa. É dono de uma pequena gravadora, a Shoeshine Records, e já fez participações em discos do Belle & Sebastian, Eugenius e outras. Além do projeto solo, toca atualmente no BMX Bandits e já foi baterista da banda idolatrada por 10 entre 10 pessoas que conhecem a fundo o tal rock indie, o Teenage Fanclub.

Apresentações devidamente feitas, voltemos ao show. Sem banda de apoio, Francis e seu violão parecem inibidos frente a um público louco para ver o Los Hermanos. Começa então com "What a Wonderful World", hit universal e batidaço do dinossauro Louis Armstrong. Na versão quase capela de Francis, até que fica jóia. E o público parece não estar nem aí.

Então é hora de Francis apresentar seu heterônimo, o Nice Man. Ou "Bueno Hombre", como ele mesmo define: "sorry, I can't speak portuguese, just spanish". Nice Man, ops, Francis McDonald vai contando sua (sua?) história, na medida em que toca as músicas. Assim, "Fallin' in Love" fala da gênese da paixão; "Your Hand in Mine", da concretização da mesma; "She's a Monkey" é sobre o tratamento bobo e mútuo de um casal apaixonado; "Daydream Girls" versa sobre a maldita prática masculina de nunca nos contertarmos com uma só mulher e por aí vai, até o fechamento do ciclo com a revisitação de "Fallin' in Love".

A influência do country e do blues americanos não se explicita apenas pelo violão folk. Os solos e as batidas no estilão Bob Dylan estão todas lá. Na sua primeira visita ao Brasil, o tio Francis acertou em cheio no presente para seus sobrinhos brasileiros.

E ainda teve tempo para um bate-papo agradável no dia seguinte ao do show de Londrina. O "cara legal" falou sobre a cena de Glasgow, Strokes, White Stripes, internet e a comida brasileira.


Como você decidiu vir ao Brasil?

Eu fui convidado pela Slag Records. Encontrei o Eduardo em uma conferência musical na Alemanha, estava usando uma camiseta da Shoeshine Records e ele me disse: "Eu conheço a Shoeshine, gosto da sua música". Dei meu disco solo para ele, e dias depois ele me mandou um e-mail dizendo que ia lançá-lo por aqui e que queria me trazer para cá. Eu fiquei muito feliz e aceitei o convite. A Slag Records foi a culpada.

O seu disco solo conta uma história. Ela é verdadeira? Aconteceu com você?

Individualmente, todas as músicas são verdadeiras. Uma vez estava num show do Belle & Sebastian e uma garota me chamou a atenção. Eu a estava olhando, e ela estava olhando a banda. Daí saiu "Watching the Band". "She's a Monkey" é porque eu realmente acho que minha namorada lembra um macaco, porque ela adora bananas. "Loser" é porque eu às vezes me sinto um perdedor. "Daydream Girls" porque eu penso em outras garotas. Então todas as canções são verdadeiras, só que são de épocas diferentes. Elas não foram inspiradas pelo mesmo relacionamento. No álbum, elas foram arranjadas para contar uma história que não é real.

Sauchiehall e Hope são ruas de Glasgow, certo? Qual a importância dessas ruas para você?

Bem, eu gosto dos nomes. Gosto da rua Hope porque sugere esperança [junta as duas mãos em sinal de oração]. Esperança por bons tempos, esperança para o amor. E gosto de Sauchiehall [pronuncia Sôquirráu] porque é uma palavra muito peculiar, pouco usada. É uma palavra muito... Glasgow. Se você é de Glasgow e ouvir "Sauchiehall", você entende. Se você vem de Londres, você não entende e ainda por cima vai dizer "Saucthierráu". Além de gostar das palavras que remetem a Glasgow, as ruas se encontram em uma esquina. Eu costumava fechar o escritório da Shoeshine e andar pela rua Sauchiehall para encontrar minha namorada na esquina com a Hope.

Quando vemos sua carreira e o número de bandas diferentes para as quais você já tocou, parece haver na Escócia uma espécie de "Scotish Social Music Club". É verdade?

Muitas pessoas se conhecem. Quando comecei a fazer música, eu tocava para três bandas, e as três compartilhavam integrantes, era uma coisa muito natural. Acho que os músicos escoceses inspiram-se e influenciam-se. O Orange Juice inspirou o BMX Bandits, que inspirou o Teenage Fanclub, que inspirou o Belle & Sebastian, que inspira muitas novas bandas na Escócia. É uma competição saudável. Mas também não somos amigos o tempo todo, Glasgow é uma cidade muito pequena e às vezes nos encontramos e tocamos juntos, só isso.

Movimentos como o Power Pop ainda existem hoje na Escócia?

Eu não conheço ninguém que se define como Power Pop. O Teenage Fanclub é conhecido como Power Pop, mas é apenas uma banda tentando fazer boas canções. Eles têm guitarras distorcidas e fazem música pop. Mas o Belle & Sebastian também faz canções pop, só que de um modo diferente. Não acho que isso seja importante.

Você acredita em rotulações da mídia, como dizer que determinada banda faz Power Pop, ou acha que a música deve falar por si só?

Às vezes essas definições são úteis, principalmente quando você quer descrever rapidamente o som de uma banda. Então se é melódico e tem guitarras sobressalentes, é Power Pop. Penso que a melhor coisa a se fazer é ouvir a música e decidir, por você mesmo, se ela é boa ou ruim. Essas definições são apenas um pequeno recorte, uma apresentação à música.

O seu disco tem muita influência da música americana da década de 50 e 60, principalmente do Country e do Blues. Por quê?

Eu gosto muito de Rock and Roll e Country Music, e acho que os músicos na Escócia escutam mais música americana que os músicos ingleses. Em Londres se ouve mais música inglesa, mais guitarras, mais britpop. Eu ouço muita música americana dessa época, então isso se reflete nas minhas músicas. Gosto do Johnny Cash e do Willie Nelson. Não sou um cantor country e nem toco música country muito bem, mas tenho uma certa influência country.

Há mais ou menos dois anos, houve no Brasil um grande hype de bandas escocesas, puxadas pelo Belle & Sebastian, principalmente. Agora, o foco mudou para o "Novo Rock" e as bandas de New York, e pouco se fala das bandas de Glasgow. Como está a cena na cidade?

Bem, as bandas ainda estão lá tentando fazer boas canções. Os músicos escoceses continuam onde sempre estiveram. Parece que a mídia é que de repente decide: "OK, agora vamos falar dessa ou daquela banda", porque ela está sempre procurando novas notícias. Quando o Belle & Sebastian apareceu, era uma coisa nova para a imprensa. Mas em cinco ou seis anos eles teriam que escrever sobre outras coisas. Então a cena de New York, os Strokes e o White Stripes foram a novidade escolhida. E daqui a três anos eles podem ser esquecidos também.

Você gosta do Strokes e do White Stripes?

Acho que Strokes é OK. Vi eles ao vivo em Glasgow, eles não lá muito originais, mas são OK.

Apenas uma boa banda?

Apenas OK. Do White Stripes eu gosto de uma música que ouvi certa vez e não me lembro o nome. Eles tocaram num festival em Barcelona com o Teenage Fanclub, o Belle & Sebastian e outras bandas, e o show foi muito divertido. O Jack toca guitarra muito bem, é excitante vê-lo tocar. Mas eles ficam usando aquelas roupas e acessórios em vermelho e branco, parece que o estilo é mais importante que a música. Não tem substância, é mais aparência. Eles não fazem uma música realmente brilhante. Mas eu não os odeio por isso, são OK.

Quais são as novas bandas da Escócia hoje?

[pensativo] Tem algumas, como a Camera Obscura. Eles têm algumas músicas produzidas pelo Stuart Murdoch, do Belle & Sebastian. O Eugene Kelly, do Eugenius, fez um disco que não foi lançado ainda e que é muito bom. Infelizmente, não estou em Glasgow o tempo todo para acompanhar, mas esses são dois bons exemplos.

A troca de arquivos musicais pela internet mais ajuda ou atrapalha as pequenas gravadoras, como a Shoeshine Records?

É uma discussão difícil de ser feita. Por um lado é bom, porque todos escutam e divulgam sua música. Mas, por outro, é como se estivessem roubando seu CD, e aí você fica sem dinheiro para lançar o próximo. Acho que o ideal seria o mp3 funcionar como uma promoção, uma apresentação de determinado disco. Mas isso não é simples, ainda estamos nos acostumando e aprendendo a trabalhar com a internet. Pessoalmente, eu não tenho medo, acho que é uma coisa legal e que pode ser totalmente benéfica.

Você é músico, produtor e dono de gravadora. De que forma esse acúmulo de funcões te ajuda no meio musical?

É bom porque é legal fazer coisas diferentes. Isso me ajuda a manter o interesse pela música. Num dia eu sou baterista do Teenage Fanclub, num outro eu sou o Nice Man, num outro lanço músicas no comando da Shoeshine Records e num outro eu gravo alguma coisa. Mas o problema é que às vezes parece que não dá para se aprofundar em uma única coisa, e eu me sinto incompleto.

Qual a melhor banda da Escócia hoje, na sua opinião? Só não vale falar Teenage Fanclub ou BMX Bandits...

[risos] Não, eu não ia mesmo citá-los. É difícil dizer, mas acho que o Belle & Sebastian é bastante importante. Eles são muito inspiradores e têm ótimas canções.

O que você esperava do Brasil? Gostou da visita?

Sim, foi muito bom. Fiquei surpreso por existir uma produção musical independente tão boa, porque isso não é noticiado no Reino Unido. A primeira vez que ouvi alguma coisa do Brasil foi do pessoal do Belle & Sebastian, depois que eles vieram tocar aqui. Eles voltaram dizendo que tinha sido fantástico. E foi bem melhor do que eu esperava. O clima é legal, comi coisas que nunca havia experimentando antes, as pessoas foram muito gentis e amigáveis comigo e os shows foram muito divertidos.

O que você comeu de tão especial?

Hoje eu comi churrasco. Vários tipos diferentes de carne, achei maravilhoso. Experimentei bebidas das quais nunca tinha ouvido falar, como cachaça e caipirinha. Comi muita fruta fresca e bebi um café muito gostoso, foi tudo ótimo.