Café
& Cigarros
[o valor
da sabedoria]
por
Marcelo Träsel
Estudar envolve esforço, disciplina,
cansa e dá úlcera. E não necessariamente aumenta suas
chances de conseguir mulheres. Aparentemente, não existe motivo
para dedicar uma boa parte da vida à leitura e reflexão.
Mas, ao menos neste caso, as coisas não são como parecem.
Para Platão e Sócrates,
o grande objetivo da filosofia era chegar à verdade, ou logos, e
se tornar um sábio. Porque somente os homens sábios teriam
condições de conhecer o bem e, deste modo, praticá-lo.
Não pensavam que os indivíduos sem estudo fossem más
pessoas: muitos eram bem intencionados, mas por sua ignorância, acabavam
piorando as situações que se metiam a consertar. Não
é raro fazer besteiras enormes por falta de experiência. Mas
uma boa formação e hábito do raciocínio podem
diminuir as chances de errar quando nos vemos envolvidos em situações
novas, desconhecidas. E, mesmo errando, fica mais fácil aprender
com as besteiras e dar a volta por cima. Além disso, digamos que
você seja escolhido para o show do milhão, por exemplo. Não
teria valido a pena tanto estudo, quando o Sílvio perguntasse "quem
foram os magiares?", e você soubesse responder "povo que deu origem
à hungria"? Mas, mesmo não concorrendo a um milhão,
poder observar a vida de maneira mais racional vale a pena quase sempre.
Ocorre uma ruptura, mais cedo ou mais
tarde, entre o mundo cotidiano e a pessoa que se dedica à reflexão.
Segue-se a percepção horrível de que nunca mais você
poderá assistir a uma novela como diversão; daqui por diante,
novela será mais um subproduto deprimente da indústria cultural.
Vão surgir preocupações bobas com problemas distantes,
como a poluição na China e a guerra nos Bálcãs.
Se levar essa compulsão esquisita por incomodação
longe demais, pode acabar até lutando por algum ideal. E não
haverá como voltar à velha mente preconceituosa e cega. Haverá
pouca gente com quem conversar. E mesmo assim, ainda vale a pena dedicar
algum tempo precioso ao estudo.
Porque, com a sabedoria que - a não
ser por casos raros e sobrenaturais - se adquire filosofando*, pode-se
assumir uma posição mais "macroeconômica" frente à
vida e, assim, não levar nada tão a sério. O que vem
a ser o segredo de uma existência mais zen. E se pode observar melhor
o quadro geral, para mudá-lo. Sem essa capacidade, apenas se vai
atrás dos objetivos mais imediatos, sem medir as conseqüências
futuras mais longínquas. Pode ser recompensador agora, e até
mesmo a vida inteira - de fato, às vezes se tem inveja daquele pobre
rebanho cujo maior objetivo é ser como o pessoal da Caras, sem angústias
maiores com o futuro dos peixes-boi. Mas enquanto um filósofo pode
levar uma vida miserável até o último momento, é
neste instante que a coisa muda. Esperando a morte na cama, ele pode olhar
para trás e ver uma existência digna, por ser a busca consciente
por um objetivo maior. E ser digno é a maior vingança que
qualquer pobre mortal insignificante pode ter contra a essa coisa patética
que é a vida.
* Segundo o Aurélio, Filosofia
é "estudo que se caracteriza pela intenção de ampliar
incessantemente a compreensão da realidade". Já filósofo
é "aquele que procede sempre com sabedoria e reflexão, que
segue uma filosofia de vida". Ou seja, qualquer um pode filosofar.
Colunas anteriores:
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a arte de viver ]
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o poder da palavra ]
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