Café & Cigarros
[o  p o d e r  d a  p a l a v r a]
por Marcelo Träsel

As palavras estão perdendo o seu poder de comunicação. A publicidade é uma das grandes responsáveis, retirando o significado de vocábulos abstratos pela repetição e banalização. Maravilha, hoje, é o novo modelo da BMW. Liberdade é o que este novo sabão em pó dá à dona de casa. Trocar mercadorias no dia 25 de dezembro é amor.

É claro, a publicidade só pode neutralizar as palavras porque as escolas não garantem mais uma formação cultural. Poucas pessoas têm o costume de recorrer a dicionários para descobrir o que estão dizendo e a leitura é um hábito substituído pelas idas à academia. No limite, ninguém mais vai saber do que os outros estão falando em um vocabulário com pouco mais de cem palavras. Aí está o perigo da perda de significado das palavras. 

O psiquiatra porto-alegrense, Guido Rojas, costuma dizer que a psicologia vai terminar na lingüística, porque no fundo todos os problemas psicológicos são devidos a erros na comunicação inter ou intrapessoal. A capacidade de falar distingue o ser humano dos outros animais e foi o que permitiu o desenvolvimento tecnológico, social, filosófico. A palavra permite ao homem transformar seus pensamentos e sentimentos – que em geral já são expressos em palavras – em uma forma que outros homens compreendam. Mesmo quando todos envolvidos têm intimidade com o dicionário, gestos, entonação e outros complementos comunicacionais podem levar a erros de interpretação. Isto porque a palavra é a transposição da transposição de um pensamento/sentimento, gerando o efeito telefone-sem-fio. Imagine-se as catástrofes que ocorrem quando as pessoas que tentam se comunicar não têm uma boa formação cultural. Wittgenstein escreveu que "os limites de meu mundo são os limites de minha linguagem". Somente as coisas que podemos nomear existem, entre elas, sentimentos.

Não é à toa que na África a palavra é sagrada. Os nativos a utilizam muito pouco, justamente porque acreditam que ela tem enorme poder e o perde com o uso banal. Falam apenas o estritamente necessário e escolhem muito bem os termos. Na civilização, todos os dias cai sobre nós um enorme dilúvio de frases. A maior parte delas, idiota e inútil, não comunica nada importante e termina por cair no vazio. O resultado é um tipo de anestesia vocabular, que nos faz deixar inclusive de prestar atenção às palavras. Com imagens ocorre a mesma coisa. Para usar um exemplo clichê, ninguém mais fica surpreso ou indignado ao ver um mendigo dormindo no chão durante o inverno. 

O medo de que daqui a alguns anos percamos a capacidade de nos comunicar decentemente não é infundado. Um pesquisador norte-americano inventou um emulador de discurso pós-moderno, que mistura expressões comuns de pensadores do gênero e forma um artigo aparentemente denso, mas que na verdade não significa absolutamente nada. Quem presta atenção às letras de pagodes e bailes funk já sabe que elas não comunicam mais, apesar de todas utilizarem palavras de significado rico e poderoso, como “saudades”, “amor”, “raiva”. Mas talvez o fim do discurso não seja de todo mau. Pensando bem, as pessoas raramente têm algo que preste a dizer.
 

Marcelo Träsel
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