Café
& Cigarros
[a
base da tolerância]
por
Marcelo Träsel
Quase impossível não
dar um sorriso de desdém quando um budista começa a dizer
que a realidade é ilusão. Muitas pedras já foram chutadas
- e dedos quebrados - para provar existência da matéria e
a burrice do argumentador. Mas não é uma besteira tão
enorme dizer que o sólido não passa de vazio. De acordo com
a física quântica, o chão em que pisamos é quase
totalmente composto por espaços vazios. A presença de matéria
é muito pequena, apenas o núcleo do átomo - do tamanho
de uma bola de tênis, se o átomo tivesse o tamanho de uma
casa - e os elétrons, de massa desprezível. De resto, um
enorme vazio entre um átomo e outro, onde as energias eletromagnéticas
interagem para manter o mundo coeso. A este vazio se referem os budistas.
A afirmação de que a
realidade é ilusão é, na verdade, uma pergunta. Várias
perguntas. Se meu corpo é vazio, apenas pontos de matéria
ligados por eletromagnestismo, o que me faz sentir dor? Que me faz ter
consciência, pensar? Não admira que alguns ascetas possam
sentar em pregos e nem mesmo apertar os lábios, ou passar semanas
enterrados, sem ar nem alimento. Tudo uma questão de entender o
caráter ilusório de todas as coisas. Não que eu creia
em bruxas. Esta questão também introduz a o conceito de impermanência,
importante na filosofia oriental. Todos os objetos e valores que nos são
tão caros fatalmente desaparecem em segundos. Porque são
compostos na maior parte de vazio, desmancham no ar. Os milênios
se estendem pela história e tudo que parece certo, palpável,
termina por ser destruído e dar lugar a outras coisas. Roma, o mais
formidável império, caiu e hoje são ruínas.
Seus costumes, entre eles o homossexualismo
como parte da personalidade dos homens de bem, as bacanais, o valor do
homem medido por sua força; todos estes costumes hoje nos parecem
bárbaros. Mas aos romanos pareciam eternos. E daí? Bem, não
se leve a vida tão a sério. Nossas crenças são
todas relativas, se a própria matéria é relativa.
Este conhecimento nos permite estar abertos a mudá-las quando nos
argumentam corretamente, evitando que nos tornemos monolitos ideológicos.
Esta é a base da tolerância à diferença.
Colunas anteriores:
[
a arte de viver ]
[
o poder da palavra ] |