Kamchatka
por
Marcelo Costa
maccosta@hotmail.com
14/05/2003
Kamchatka.
Nome estranho, não? Que tal... Dudinka? Se você é
viciado no jogo WAR, assim como eu e os personagens centrais do
filme, vai achar Dudinka tão comum quanto Kamchatka e Vladivostok.
É que Kamchatka é um dos territórios do TEG,
a versão argentina para o popular WAR. E logo nesse reconhecimento
já paira uma aura adolescente plenamente justificável
sobre o novo filme de Marcelo Piñeyro, seu terceiro após
Cinzas do Paraíso e Plata
Quemada.
A
metáfora do jogo, porém, não irá
atrapalhar aqueles que o desconhecem e nem é tão
divertida quanto parece. O filme busca a idéia no tabuleiro,
mas é muito mais profundo e elucidativo. Narrado por
um menino de 10 anos, Harry (Matías del Pozo), Kamchatka
é poético, tocante e sensível. E triste.
Muuuuuito triste.
Como
primeiro plano, temos uma família perfeitinha com apenas
um único defeito: estar vivendo no lugar errado, na hora
errada. O lugar: Argentina. A hora: 1976, ano em que é
instaurada a ditadura no país. Sem explicar os motivos
(nosso interlocutor não devia estar presente na conversa
dos mais velhos), a família se vê obrigada a deixar
a cidade e a refugiar-se no campo. E precisa enfrentar o fantasma
da repressão.
É aqui que se revela o maior recado do filme. Mostrar
a todos como o Estado pode intervir, atrapalhar (e muitas vezes
sabotar) a vida de seus cidadãos. Piñeyro não
tenta ser enciclopédico muito menos procura um acerto
de contas político, não deixando que o filme escorra
para a pieguice. Kamchatka é muito mais sobre
perseverança e resistência do que qualquer outra
coisa.
Dessa forma, o filme lembra muito a pequena obra prima italiana
Concorrência
Desleal, em que duas famílias são separadas
quando do domínio de Mussolini na Itália. A mesma
ótica infantil narra as duas obras de forma a emocionar
o espectador. Mas, em comparação direta, o argentino
escorrega em pequenos detalhes.
Kamchatka poderia ser mais ágil e não precisava
centrar força em algumas passagens longas em que a demora
da câmera focada no rosto do ator busca a lágrima
fácil do público, além de duas ou três
passagens que poderiam ter ficado na mesa de edição.
Esses deslizes, porém, não desmerecem em nada
o produto final. As atuações de Ricardo Darín
(Nove Rainhas
e O Filho da Noiva) como pai e Cecilia Roth (Tudo
sobre Minha Mãe) como mãe são magníficas,
no entanto, os garotos Harry e seu irmão caçula
(Milton de la Canal) roubam a cena em diversas passagens.
Mais
do que cinema, Kamchatka é poesia e inocência.
E uma homenagem aos quase 30 mil desaparecidos durante a ditadura
no país.
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